Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mídia e os ‘gênios’ do futebol

Entre as várias decepções brasileiras desta Olimpíada, nenhuma foi tão mal assimilada quanto a do nosso futebol masculino. Até os arqui-rivais argentinos ‘se ressentiram’ da facilidade com que fomos goleados pela equipe liderada pelo contundente Lionel Messi. Diego Maradona viu um Brasil ‘apequenado’. Do lado de cá, Ronaldinho Gaúcho chorou e, dizem os repórteres, ficou sem dormir depois da piaba.


Mas nada como um ou dois dias após o outro, informa-nos o Terra:




‘Ronaldinho admite estar recuperado da tristeza que sentiu após a derrota para a Argentina, quando passou a noite em claro em um refeitório da Vila Olímpica. Depois de receber o bronze, em Pequim, o jogador elogiou os companheiros de competição.


`Formamos um grupo que se empenhou ao máximo desde o primeiro dia de preparação, e essa conquista merece ser valorizada´, disse.’


Medalha de bronze olímpica não é o mesmo que um engradado de cerveja faturado na aposta peladeira de um domingo ensolarado em Bonsucesso. Neste ponto, o atleta tem razão. Difícil é concordar com o ‘empenho ao máximo’ de um grupo que, diante da Argentina, jogou o futebol-caranguejo, com os seus toquinhos de lado e para trás. Sem pressa, sem força, sem luta, sem vergonha.


Pelo jeito nada disso importa, a julgar pela notícia aqui reproduzida. Tristeza de superstar dura pouco. Ronaldinho já está de volta ao seu pedestal.


Peso do elogio


Mas a mesma mídia que o tem endeusado, ano após ano, parece perder a paciência. Como exemplo, tomemos um símbolo de torcedor-animador de galera que bem representa um quinhão significativo do jornalismo esportivo brasileiro, nos mais diversos meios. Seu nome é Galvão Bueno.


Eis algumas de suas frases durante a transmissão da disputa do bronze no vôlei de praia masculino entre as seleções do Brasil e da Geórgia. Ronaldinho e seus colegas já haviam ficado para trás.


** ‘Nem todos [os derrotados] são heróis olímpicos, porque tiveram um tratamento de primeira grandeza’;


** ‘[Ricardo e Emanuel] demonstraram profissionalismo, seriedade e força mental’;


** ‘Nada é considerado excepcional só porque chegou à Olimpíada’;


** ‘Está na hora de mudar o discurso’;


** ‘Não é a cor da medalha que importa, nem o dinheiro que se ganha’.


‘O torcedor mais bem pago do Brasil’ – como definiu o jornalista Ricardo Kotscho, no iG –, porta-voz sênior do ufanismo, mandou o seu recado, em nome de milhões que já não suportam assistir ao desfile de máscaras do futebol dos homens.


O que Galvão não diz é que o jornalismo esportivo – ele incluído – está imerso, há muito, nesse oba-oba que, de uns anos para cá, tem acabado em silêncio. É como Pelé sintetizou, no Terra:




‘É preciso que se pare de transformar todo novo talento que aparece no Brasil em um grande craque. O que acontece é que os meninos são tratados como gênios e ainda nem têm experiência para carregar esse peso’.


Brio e vontade


Ronaldinho Gaúcho é ‘rodado’, bem como outros ‘europeus’ que também não se acomodam a esse perfil, mas, talvez, ao do atleta escudado no próprio nome e nada mais. Ocorre que nos dias de hoje os adversários não respeitam ninguém. A seleção brasileira, por exemplo, é só mais uma a ser batida. Simplesmente se passa por cima.


O jornalista esportivo poderia atentar para o fato de que a vida de um ser humano se assemelha à história de um império: luxo e auto-indulgência, combinados, levam o antigo vencedor à ruína.


Por isso, cobrar do atleta, do dirigente esportivo e do político tende a dar bons resultados a médio e a longo prazos. Ao menos, ajuda a evitar o vexame.


Ontem, críticas justificadas à então ‘pipoqueira’ seleção brasileira feminina de vôlei; hoje, palmas sinceras para a campeã olímpica.


‘A nossa medalha é amarela mas é ouro’, ironizou o técnico José Roberto Guimarães após a conquista, conforme o Globo Esporte.com:




‘As palavras do técnico foram direcionadas às pessoas que não se cansaram de chamar a equipe de amarelona, de time que chega à final e não decide. As críticas são, principalmente, em função do 24 a 19 de Atenas, quando a seleção perdeu na semifinal para a Rússia após estar em vantagem, e da derrota no Pan-Americano, no Rio de Janeiro’.


Críticas doem na pele. Com sorte, enfatizo, atingirão os ossos e as vísceras. Se não são suficientes para garantir os bons resultados, tendem a despertar o brio, a vontade de lutar naqueles que ainda têm salvação.


Os que não reagem não deveriam ser poupados de uma verdade: embora possam ter sido algo um dia, hoje já não o são. Que se esforcem ou dêem lugar para outros.

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Jornalista