Gilberto Freyre sempre disse que a formação da sociedade brasileira foi patriarcal. Stephen Kanitz, em artigo recente, comentou sobre o que ele supunha serem resquícios da Inquisição medieval sobre nossa forma de pensar e de não dizer as coisas: medo atávico de punições.
São dois exemplos de pensamentos elaborados em épocas distintas, com enfoques distintos, mas com conclusões que se pode generalizar dizendo: ‘Estamos ainda na Idade Média’, socialmente falando. Diria melhor: psicologicamente falando, já que a sociedade, composta por indivíduos reais, não é um organismo abstrato. É uma espécie de Big Brother no sentido original, do qual fazem parte essas coisas chamadas pessoas. E com repercussões no comportamento da mídia, que é parte da sociedade.
Das muitas diferenças entre as idades Média e a Moderna, vou me restringir a apenas duas:
1.
O desenvolvimento do método científico, na época de Newton e Leibniz, por volta de 1650. Como se sabe, depois desse desenvolvimento é que se começou a analisar a Natureza como algo físico no sentido atual, ou seja, analisar os fenômenos naturais não como manifestações da Vontade Divina, mas como ocorrências explicáveis por teorias racionais e racionalmente quantificáveis. Dizendo de outra forma, depois do método científico, a lei intuitiva de causa e efeito pôde ser quantificada.2.
As revoluções liberalizantes (pelo menos nos seus efeitos em longo prazo) tais como a Revolução de 1688 na Inglaterra, a Revolução Americana de 1776 e, por fim, a Revolução Francesa de 1789. Elas permitiram que, talvez pela primeira vez na História, qualquer indivíduo fosse livre para expressar suas opiniões ou para dedicar-se a profissões que não fossem pré-determinadas por sua classe social, por exemplo.No Brasil, nem o método científico nem as idéias liberais chegaram a criar raízes, especialmente no que diz respeito à forma de pensar do brasileiro médio. Estou certo de que o pensamento do brasileiro médio não se guia pelo agudo senso crítico de que são dotadas as pessoas que conhecem o método científico, as quais se caracterizam por exprimir pensamentos e opiniões com início, meio e fim. Também constato a grande dificuldade do brasileiro médio em assumir claramente sua própria opinião. Prefere quase sempre (inclusive e principalmente intelectuais) recorrer a citações de terceiros, de forma a não comprometer sua imagem caso sua opinião se mostre errada por algum motivo.
E a mídia, composta por brasileiros, está perfeitamente incluída no que está dito acima.
Sem respostas
Temos numerosos exemplos de notícias que são publicadas sem que as permitam ao leitor tirar uma conclusão sobre o assunto. Um exemplo está no Estado de S.Paulo de terça-feira (5/4), na cobertura das inundações ocorridas em Taboão da Serra (SP), afetando o tráfego na BR-116. A jornalista que assina a matéria afirma, a certa altura, que a prefeitura de Taboão culpava o DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, sucessor do antigo DNER) pelo problema, por ter cortado o mato nas laterais da estrada e de não ter retirado aquela massa verde do local. Com a chuva, a enxurrada levou tudo para os bueiros que foram entupidos.
No mesmo parágrafo, a jornalista escreveu que o DNIT negou a acusação, dizendo que havia retirado o material cortado, insinuando que os bueiros já estavam entupidos. O parágrafo seguinte falava sobre outro aspecto da notícia, deixando o leitor sem saber quem, afinal, era o responsável pelos bueiros entupidos.
O DNIT afinal retirou o material ou não? Uma grande foto ao lado da matéria permite ao leitor supor que não, pois mostra dois funcionários da Prefeitura de Taboão no meio da água. E também mostra o capim relativamente seco, além das inevitáveis garrafas PET e latas. O leitor pode até supor, mas gostaria de ser informado com segurança sobre o assunto, pois termina a leitura com dúvidas:
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Os bueiros já estavam entupidos, total ou parcialmente, de forma que com ou sem capim adicional já se teria uma inundação com qualquer chuva ?**
A rede de captação de águas pluviais é corretamente dimensionada para as chuvas típicas daquela região?**
O problema foi agravado pelas mudanças climáticas (chuvas mais intensas que tenham relação com o efeito estufa, por exemplo) ou pela impermeabilização do solo quando da expansão da cidade para áreas anteriormente de campo?Sem querer que a matéria tivesse respondido a tudo isto (provavelmente faltou espaço…), pelo menos deveria ter informado melhor (mais ‘cientificamente’) ao leitor. Notícias incompletas parecem ser uma tradição em nossa imprensa. Leia-se, por exemplo, as colunas ‘Há 100 anos’, ‘Há 50 anos’ etc. É comum deparar-se com textos do tipo: ‘Estão dizendo que numa ilha do Oceano Pacífico teria havido um terremoto. Ouve-se falar em muitos mortos’. Ou seja: já não se informava, não se explicava, não se quantificava.
Parte responsável
Do ponto de vista das revoluções liberalizantes, seus efeitos ainda não chegaram até nós. Senão, vejamos:
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A dificuldade que o brasileiro médio tem em expressar suas opiniões se manifesta em todas as áreas.**
Não há protestos definitivos contra os governantes. Se fôssemos um país sério, já teríamos tido uma revolução de costumes políticos.**
Não nos revoltamos contra as ineficiências dos governos em suprir as necessidades mínimas de bem-estar, como saneamento, transporte etc.**
Não procuramos pressionar eficazmente para mudar a legislação tributária, em nome de uma forma mais justa: antes, procuramos meios de escapar dos tentáculos das leis que oprimem o bolso. Escapismo ineficiente.**
O brasileiro médio tem grande temor em assumir a liderança do que quer que seja, temor este relacionado obviamente à longa história de repressão que já ou ainda temos a apresentar ao mundo.Não se deve esquecer a hipocrisia social brasileira, que se manifesta até nas menores coisas, tais como um visitante só aceitar um cafezinho depois de uma breve insistência para não parecer malcriado. Ou em coisas mais importantes, como, por exemplo, o mercado paralelo do dólar que existe, mas que todos fingem não ver.
A hipocrisia brasileira se manifesta no contínuo hábito de se dizer aos outros aquilo que se acha que o outro quer ouvir – e não o que de fato o brasileiro pensa. Boa parte da mídia age assim e deve ser responsabilizada por isso.
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Engenheiro