Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A observação que perturba

Toda observação perturba o sistema observado. Foi a essa conclusão que o físico alemão Werner Heisenberg chegou na década de 1920. Apesar de o contexto ao qual o cientista se referia ser o das medições físicas, o mesmo conceito é utilizado hoje pelo jornalista Alberto Dines para definir o que vem tentando fazer na última década. O Observatório da Imprensa, projeto incubado no âmbito do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenado por Dines, completa 10 anos na Internet, oito na televisão e comemora a chegada ao rádio.

A origem do projeto remonta à criação do Labjor, que nasceu da idéia de realizar um acompanhamento crítico da mídia. Seminários, workshops e cursos de extensão fizeram parte das atividades desenvolvidas pelo centro de estudos. Depois de dois anos de funcionamento, a necessidade de levar o debate para mais perto do público e de forma mais sistemática foi sentida por Dines e pelos colaboradores do projeto. ‘Fizemos coisas interessantes no Labjor. Mas não adiantava atuar só no mercado e no meio acadêmico. Faltava a sociedade’, explica Dines. ‘Era a década de 1990 e a imprensa estava numa fase delirante, desviando-se muito de seus preceitos e seduzida por aqueles consultores internacionais que aparecem por aqui de tempos em tempos’, analisa.

Em março de 1996, veio a idéia de experimentar a internet. Um mês depois, a página estava no ar, mas sem periodicidade. ‘A atualização era feita ao sabor dos acontecimentos. Primeiro mensal, depois quinzenal e, à medida que fomos ganhando mais visibilidade, passou a ser semanal. No ano passado, o programa de rádio e os blogs nos obrigaram a ter uma renovação diária de conteúdo’, conta Mauro Malin, que comanda o programa do Observatório no rádio e foi um dos idealizadores do site. O programa de televisão veio em 1998, na contramão das tendências, pois geralmente as páginas na internet são criadas em decorrência do sucesso na televisão. E, segundo Malin, permitiu que o site ficasse ainda mais conhecido.

Criado sob os moldes do media-watching, modelo crítico de observação dos meios de comunicação que nasceu nos Estados Unidos, o Observatório da Imprensa ajudou a imprimir ao método um jeito novo de fiscalizar o trabalho da mídia. ‘A chave é que nos dirigimos para o público, discutindo a mídia num veículo midiático. Procuramos fazer bom jornalismo, examinando o jornalismo. Não há truques’, afirma Dines. Apesar de aparentemente simples, a fórmula pegou e levou o site do projeto da Unicamp para a marca de 20 mil visitantes diários. Na televisão não é diferente. O programa, que passa na TV Cultura e na TVE, tem uma audiência entre 50 mil e 80 mil espectadores, uma boa média para emissoras educativas.

Para Mauro Malin, o segredo do Observatório está na tentativa de fazer com que o processo jornalístico seja mais familiar à sociedade. ‘Nossa tarefa principal é tornar a mídia mais transparente para que o público possa entender como funciona tudo isso. Em síntese, é melhorar a relação entre quem produz e quem consome a informação e, se possível, subverter e interferir nessa relação’, diz.

Malin explica que o acompanhamento cotidiano da mídia é feito por uma equipe descentralizada. ‘O trabalho não é fácil. Às vezes há a superposição de notícias, mas o que acaba garantindo a riqueza de enfoques’. O modelo atual do site, mais compacto e quase sem rolagem – os blogs ainda ficam ‘escondidos’ na parte inferior da página –, é uma estratégia para facilitar a navegabilidade. O próximo passo, segundo Malin, é aumentar o contato com as redações e fazer com que cada vez mais gente participe dos dois novos canais de discussão: os blogs e o rádio.

Os pecados

‘Não existe um pecado tão clamoroso. As redações não são homogêneas. Mas a superficialidade é muito freqüente. É comum vermos veículos falando de coisas que não têm a menor importância, mas que estão na moda’, critica Malin. Segundo ele, o que costumam chamar de ‘espírito de manada’ é outra imperfeição grave. ‘Um fica olhando o que o outro deu. E às vezes embarcam todos na mesma besteira’.

A guerra pelos índices de audiência, que muitas vezes faz com que matérias sem relevância alcancem lugar de destaque nos noticiários, é duramente criticada por Malin. Ele censura a utilização de critérios poucos éticos para a hierarquização das notícias. ‘A mídia não pode abdicar do seu papel social. Ela não é neutra e por isso precisa se colocar’, afirma, enfatizando que algumas condutas não podem ser permitidas, como as racistas e as homófobas. Segundo ele, outro péssimo hábito é a generalização. Nesse caso, não é só a mídia que não passa no teste. ‘Não podemos falar que os jornais fazem isso e a TV faz aquilo. Temos de analisar caso a caso para não fazer uma síntese superficial’, afirma Malin.

Para ele, casos como o que o ocorreu nas eleições presidenciais de 1989, em que a edição feita pela TV Globo do debate entre os então candidatos Collor e Lula foi extremamente criticada, são exemplos da natureza política da televisão. ‘A TV é uma instância política não eleita’, sentencia. E completa apontando para uma das maiores mostras de poder e ao mesmo tempo falha da televisão brasileira: ‘Aquilo que não aparece não existe. O que significa que imensas parcelas da população não existem simplesmente porque não têm voz’.

O que mudou?

Depois de 10 anos de observação arguta, a perturbação causada pelo projeto na mídia, segundo Dines, é visível. ‘Nos veículos, há a noção de que estão sendo observados. Não só pela gente, mas também pela sociedade. E isso é a nossa consagração’, orgulha-se. Segundo ele, o melhor da história é o fato de que o Observatório ajudou a democratizar um debate antes reservado aos profissionais da área e à academia.

Para Malin, mesmo sob o olhar engenhoso de muitos observadores, a mídia tem uma grande capacidade de se reinventar. Principalmente de criar novos vícios. ‘Se uma certa percepção crítica da mídia é semeada, por outro lado novos vícios vão surgindo. Ela vai criando métodos para enfrentar determinadas situações’, explica o jornalista.

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Jornalista, da Redação da Rets – Revista do Terceiro Setor