Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A pauta da desigualdade

A imprensa brasileira, com destaque para a Folha de S.Paulo, continua surpreendendo seus leitores com as revelações do sistema ilegal de aposentadoria de ex-governadores, um verdadeiro buraco sem fundo nos orçamentos públicos. As pensões vitalícias, privilégio chocante num país que, segundo a ONU, tem o terceiro pior índice de desigualdade social do mundo, representam uma das grandes perversidades que ainda resistem ao processo de modernização republicana iniciado com a Constituição de 1988.


Os 50% mais pobres entre os brasileiros repartem apenas 10% do PIB, o que revela a grandeza das diferenças sociais. Embora, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os indicadores sociais tenham melhorado bastante nos últimos dez anos, 28 % dos brasileiros ainda vivem em estado de pobreza absoluta. Segundo os critérios adotados pelo instituto, a miséria, ou pobreza extrema, é definida por uma renda per capita de até um quarto do salário mínimo, enquanto a pobreza absoluta é conceituada como a renda per capita de até meio salário mínimo por mês.


Rombo crescente


O comunicado mais recente do Ipea a tratar do assunto, divulgado em novembro de 2010, aponta a ocorrência de uma queda na taxa real de pobreza, um processo consistente de mobilidade social ascendente, com ganhos reais de renda e queda continuada na taxa de desigualdade.


Um estudo anterior, de julho de 2010, indicava que, nesse ritmo, o Brasil poderia eliminar a miséria em todo o seu território até 2016. Em alguns estados, como Paraná e Santa Catarina, esse objetivo pode ser alcançado já em 2012. Isso significa que poderíamos exibir indicadores de país desenvolvido já entre a Copa do Mundo e as Olimpíadas.


No entanto, a persistência de alguns vícios atravanca esse processo. Os privilégios previdenciários são uma dessas perversidades. É importante que a imprensa mantenha pressão sobre distorções como a que representa a ilegalidade das aposentadorias vitalícias para ex-governadores, alguns dos quais cumpriram mandatos de poucos dias.


Segundo a edição de sexta-feira (21/1) da Folha, apenas os benefícios já em vigor em dez estados produzem um rombo de mais de R$ 31 milhões de reais por ano nas contas públicas, valor que seria suficiente para incluir mais 38 mil famílias no Bolsa Família ou pagar um salário mínimo mensal a 5.150 pessoas durante um ano.


Privilégios inaceitáveis


Os valores podem parecer pouco, diante da grandeza do desafio que é tirar milhões de pessoas da miséria. Mas calcule-se, por exemplo, o que poderia ser feito se essa verba fosse aplicada, progressivamente, a cada ano, em uma das cidades com menor índice de qualidade de vida. A cada ano, o ranking da pobreza seria desbastado de baixo para cima, elevando o padrão médio de toda a população brasileira.


Junte-se a isso a redução dos gastos com o excesso de benefícios para os parlamentares de todas as instâncias, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais, além das vantagens de certos postos na administração pública, e teremos uma idéia do peso que representam essas distorções.


Boa parte das iniquidades que ainda marcam a vida brasileira vem do consórcio formado na Constituinte, que embora tenha produzido avanços fundamentais para a construção de um arcabouço institucional moderno, implantou o vício das confrarias, dissimulado sob o pacto da sociedade civil organizada.


Naquele período, os lobbies corporativos e sindicais recriaram o conceito das oligarquias, gerando o regime de castas que distorce até hoje, por exemplo, o sistema previdenciário.


Atualmente, 81,2% dos brasileiros recebem recursos da Previdência Social, que funciona efetivamente como um instrumento de distribuição de renda e de combate à miséria. O sistema vive sob o risco constante de inadimplência, e a maior longevidade da população é apenas um dos fatores naturais de custo.


Outro fator, que é inaceitável por seu significado ético e razões contábeis, é a permanência dos privilégios, dos quais os parlamentares e ex-governantes parecem usufruir com gosto. Recorde-se, por exemplo, como o recém-eleito deputado Tiririca comemorou o aumento dos vencimentos dos parlamentares. Até mesmo o senador gaúcho Pedro Simon, tido pela imprensa como um dos ícones do bom comportamento na vida pública, entrou na roda.


O que está acontecendo com a política no Brasil? Seriam todos Tiriricas?