O sindicato nacional de jornalistas da Grã Bretanha (National Union of Journalists) tornou-se a primeira entidade do gênero no mundo a tentar regulamentar a participação de pessoas comuns na produção e distribuição de notícias.
Mas o Código de Conduta divulgado pela NUJ na última semana de janeiro acabou criando mais problemas do que soluções. A organização sofreu duras críticas que aprofundaram ainda mais, na Grã-Bretanha, as desconfianças entre profissionais que trabalham para veículos convencionais e os que atuam na internet.
Segundo do Código de Conduta, os jornalistas britânicos só podem publicar uma informação recebida de um colaborador-testemunha depois de verificar sua autenticidade por meio de outras fontes. Além disso se comprometem a respeitar os direitos autorais da fonte e não revender o material sem consulta prévia ao informante.
Uma análise rápida dos 10 itens do código mostra que ele não vai muito além do que parece normal no exercício convencional da profissão de jornalista, advertindo inclusive sobre questões legais, respeito à privacidade e sobre as responsabilidades das empresas. Mas o documento evita qualquer análise sobre um dos mais inovadores processos criados pela internet, que é a participação de cidadãos comuns nos processos de coleta e distribuição de informações..
O debate entre jornalistas britânicos mostrou que a regulamentação do chamado jornalismo-cidadão não é tão simples assim – e colocou mais uma vez em evidência como a internet está mudando as rotinas na busca, processamento e publicação de notícias.
A verificação de uma notícia deixou de ser um processo simples e linear. Não basta mais o depoimento de apenas uma fonte alternativa, pois a informação tornou-se muito complexa por conta de outros fatores como causas, conseqüências, interessados e prejudicados. A contextualização de uma notícia é hoje quase tão importante quanto a própria notícia.
Opiniões polarizadas
Emily Bell, do jornal The Guardian (exige cadastro grátis), diz que os responsáveis pelo Código de Conduta desconhecem a realidade da internet pois não levam em conta a dinâmica do meio e o fato de que os jornalistas já não são mais os donos da informação. ‘É como se o diretor de uma fábrica de automóveis ignorasse como funciona uma linha de montagem ou como um conselho diretor de um hospital formando apenas por não médicos’, diz Emily.
Neil McIntosh,editor do blog inglês CompleteTosh, qualifica o documento como fruto do medo e critica especialmente a falta de detalhes na definição da figura do colaborador-testemunha. ‘No momento em que o jornalista deixa de ser o único porteiro da notícia [em inglês ‘gatekeeper’], não há mais como controlar o fluxo de informações usando os processos tradicionais de verificação. O Código da NUJ inviabiliza projetos como a Wikipedia, os blogs e todo o processo de autoria compartilhada’, adverte Neil McIntosh.
A NUJ reage afirmando que sua precoupação é evitar a publicação de informações inverídicas, distorcidas ou fora de contexto, conforme declarou Jeremy Dear, secretário-executivo do sindicato, que insistiu na manutenção dos padrões convencionais sobre avaliação de notícias e na defesa do mercado de trabalho contra a decisão de muitas empresas de usar formas mais baratas de colher informação.
A regulamentação do chamado jornalismo-cidadão, praticado por amadores, talvez seja um processo que vai criar mais problemas do que soluções porque corre o risco de transferir a questão para o âmbito corporativo, quando na realidade o que está em jogo é toda uma nova concepção de notícia e a inclusão de novos protagonistas no manejo da informação.
É uma discussão que necessariamente tomará algum tempo e vai provocar uma notável polarização de opiniões, porque não é pouca coisa que está em jogo. Trata-se de uma profissão, de centenas de empregos, de empresas e, principalmente, da forma como a sociedade passará a ver a informação como bem social. [Postado às 11h53 de 1/2/2006]
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Jornalista e autor do blog Código Aberto, deste OI