Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A principal conquista da Era Lula

A Classificação Indicativa é considerada o maior trunfo do governo Lula na regulação de conteúdo e passa por uma Consulta Pública para avaliar e, possivelmente, revisar alguns pontos. A consulta foi adiada novamente, desta vez para o dia 28 de abril. Enquanto o setor empresarial busca flexibilizar os critérios, organizações da sociedade civil buscam manter e ampliar os mecanismos de proteção às crianças e adolescentes, público mais vulnerável aos conteúdos audiovisuais.

Atualmente, a classificação é realizada em cooperação com empresários da radiodifusão, produtores e roteiristas, todos participando ativamente do processo de consulta. O responsável por tocar o tema no governo Lula era Pedro Abramovay. Agora é Paulo Abrão, novo secretário nacional de Justiça. Segundo o Ministério da Justiça (MJ), até agora foram registrados cerca de 1,5 mil comentários e contribuições.

Roseli Goffman, presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), defende que programas policialescos e publicidade também sejam enquadrados na revisão da medida. A representante do CFP também alerta que o processo de autorregulação converge em mais de 90% com o MJ, mas apresenta maiores falhas nos estados do Norte e Nordeste do país.

Bia Barbosa, associada do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, alega estar confuso o objetivo da revisão e vê com preocupação possíveis modificações: ‘Ainda não entendemos o que isso significa de fato e consideramos um risco modificar as regras antes mesmo de elas terem sido totalmente colocadas em prática.’ Para Bia, o caminho já está aberto para os empresários garantirem a flexibilização da proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

Programas policialescos

Isabella Henriques, coordenadora-geral do projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, considera a classificação atual um avanço, mas lembra que os comerciais continuam de fora e jogos eletrônicos costumam não cumprir a legislação. O Instituto já sugeriu que o MJ passe a fazer a autoclassificação das televisões pagas, alegando que o sistema de controle parental não é muito claro e funcional.

Até o momento, as sinalizações são que as flexibilizações podem ser nas faixas de classificação e vinculação horária. O SBT sugeriu flexibilização nos horários, liberando a faixa de 12 anos para o período da tarde e descendo em uma hora as demais classificações, exceto 18. Já a Motion Picture Association (MPA), associação norte-americana voltada para autorregulamentação do cinema, defende que conteúdos até 14 anos sejam liberados em qualquer horário, retirando a possibilidade de classificar nos horários da manhã e da tarde.

Conforme Roseli Goffman aponta, o que deve continuar de fora são os programas policialescos. Na Bahia, dois programas exibidos entre o meio-dia e 14 horas foram monitorados pelo Centro de Comunicação e Democracia da Facom/UFBA durante 2010 e foram constatadas constantes violações aos direitos humanos, em especial às crianças e adolescentes, com imagens de cadáveres e abordagens abusivas a esse público em temas como violência sexual. Em Pernambuco, o OmbudsPE também acompanha os programas policialescos locais com o mesmo perfil de violações, numa sinalização de que o fenômeno está espalhado pelo país.

Lobby de radiodifusores

‘A única iniciativa significativa e bem sucedida do governo Lula em regular o conteúdo veiculado na radiodifusão foi colocar em vigor a portaria que regulamenta a classificação indicativa’, analisa Bia Barbosa. Ainda assim, foi tortuoso o caminho para implementar a classificação, em respeito à Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente. O debate se arrastava desde a década de 1990, teve um decreto em 2000 ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), mas continuavam frouxos os mecanismos de respeito à lei.

O governo Lula iniciou as investidas para regulamentação e sofreu o primeiro abalo quando teve que exonerar, em 2004, um diretor do MJ por baixar portaria que determinava modificações nos horários de cinco programas de jornalismo policial, como o Brasil Urgente (Band) e Cidade Alerta (Record). A resposta do então ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos, era de que o governo não pretendia regular conteúdo de telejornais.

Sem consenso e força para aplicar a lei, o governo partiu para Consultas Públicas no ano de 2005. Foram distribuídos mais 12 mil questionários e cerca de 10 mil usuários acessaram a página na internet para opinar acerca da medida. A maioria compreendeu o teor pedagógico do serviço. Meses depois, em julho de 2006, após intenso diálogo com diversos setores da sociedade, o governo Lula baixou a primeira portaria da Classificação Indicativa, nº 1.100/2006 (cinema, vídeo, DVD e jogos). Em 2007 a Portaria nº 1.220/2007 regulamentou o conteúdo para TV. Depois mais três portarias foram publicadas, os programas policialescos continuaram a ficar de fora, assim como a tevê por assinatura.

Em 2008, o Big Brother Brasil (BBB) foi álibi para Tomaz Bastos adiar a adequação da Classificação Indicativa aos fusos horários de todos os estados brasileiros. Na prática, estados não incorporados ao horário de verão tinham suas crianças expostas a conteúdo irregular, a justificativa dos empresários era o ônus econômico da medida. No Acre, o lobby dos radiodifusores foi tamanho que chegou a modificar o fuso horário do estado, que voltou ao normal depois de plebiscito realizado nas últimas eleições.

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Da Redação do Observatório do Direito à Comunicação