A TV de qualidade, seja para crianças, jovens ou adultos precisa fazer com que o telespectador desenvolva sua própria verdade, seu próprio pensamento. Precisa preparar para a vida, para a dignidade, para a cidadania. Precisa ser uma porta de acesso às culturas. A afirmação é do diretor do Núcleo de TV, Rádio e Cinema da Multirio, Fábio Junqueira.
Para ele, televisão de qualidade é aquela que permite a todos uma ascensão sócio-cultural: ‘Mas tudo isso tem que ser oferecido numa embalagem atraente. E sem uma equipe de qualidade não haverá uma programação qualificada’, destaca.
Em entrevista ao site da 4ª CMMCA, Fábio explica como é o processo de produção da Multirio. Conta em detalhes os requisitos necessários para se produzir uma mídia de qualidade para crianças e adolescentes. E frisa que a programação de TV pode ser ruim mesmo transmitindo, veiculando ou produzindo um conteúdo interessante.
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Como podemos definir ‘qualidade’ em televisão? E especialmente qualidade de programação voltada para o publico infanto-juvenil?
Fábio Junqueira
– A qualidade em televisão está intrinsecamente ligada a três aspectos básicos e essenciais: entretenimento, reflexão e constituição de conhecimentos e valores. Entreter é missão do profissional de televisão. Para isso ele tem que ter intimidade com a ‘gramática televisiva’, uma linguagem específica onde a narrativa é fator primordial. E a narrativa televisiva está vinculada tanto à sensibilidade artística quanto ao conhecimento técnico desta complexa mídia. Para o profissional de televisão a ‘telinha’ é a representação da sua mente e da sua alma. É por meio dela que ele vai transportar para o audiovisual aquilo que as palavras e as idéias formularam no ‘mundo da subjetividade’. Uma narrativa adequada ao meio de comunicação irá facilitar e estimular a reflexão. Uma programação televisiva de qualidade deverá promover o desenvolvimento da capacidade crítica do telespectador e servir de apoio à conquista da cidadania plena, contribuindo assim para uma sociedade mais justa e mais feliz. Deve também proporcionar experiências afetivas, cognitivas, artísticas, éticas, estéticas e políticas, importantes para a constituição de conhecimentos e valores. No entanto, de nada adianta um conteúdo consistente, se a forma estiver inadequada. O que quero dizer é que uma programação de televisão pode ser ruim mesmo com um conteúdo interessante. A qualidade em televisão depende da adequação da narrativa. É o profissional desta mídia que irá fazer as escolhas adequadas à comunicação do conteúdo e ajudar a promover a reflexão.Esta é umas das razões que demonstram que a formação e a experiência do profissional de televisão são tão importantes. Ao mesmo tempo entendo que a narrativa televisiva, a escolha de imagens e sons, pode ser o próprio conteúdo. Afinal se imagens e sons são signos televisivos, estes sempre trarão consigo uma gama enorme de significados. Nenhuma imagem e nenhum som são gratuitos na televisão. Ousaria dizer que, nesta mídia, a imagem editada é mais importante que a palavra falada. Para ilustrar este raciocínio cito um ditado bastante popular no nosso meio: ‘Em televisão, sempre que possível, não conte…mostre’. Em relação à qualidade de programação televisiva para crianças e jovens, além de todos os aspectos já mencionados, incluiria duas idéias: o respeito às diferentes faixas etárias e a participação destes grupos no processo de criação e produção. Tal programação deve preocupar-se, antes de tudo, com a promoção da empatia. E para isso, acredito que a participação de crianças e de jovens na criação, na elaboração do conteúdo e nas escolhas da narrativa, sempre trará melhores resultados. A qualidade de programação televisiva para crianças e adolescentes está ligada à produção de programas para elas, sobre elas e com elas.Para produzir um programa de TV de qualidade é preciso o envolvimento de toda a equipe – do auxiliar de câmera até o diretor. Quando falamos em produção para criança e adolescente, a formação desta equipe faz diferença? Qual é o papel do processo de produção no resultado final?
F.J.
– Sem uma equipe de qualidade não haverá uma programação de qualidade. Bons técnicos, artistas criativos, gerenciamento competente e estreito relacionamento com pesquisadores, educadores, conteudistas e pensadores são premissas básicas. Nesta receita outro ingrediente é importantíssimo: a proximidade e a inclusão do público alvo na elaboração e na produção dos programas. Em relação à produção para crianças e adolescentes acho que é muito importante que parte da equipe de criação e produção tenha intimidade com as questões relativas a estes grupos. Neste caso estão: o diretor, o roteirista, o editor, o apresentador, o repórter, o diretor musical, o sonoplasta, o argumentista, o cenógrafo, o figurinista e o produtor executivo. Quanto aos cinegrafistas, auxiliares de câmera, microfonistas, iluminadores e contra-regras, devem ser experientes, educados, qualificados tecnicamente e receber orientação adequada para o trato com este universo específico. Quando se trata da produção televisiva de cunho educativo, o processo de trabalho alcança grande importância. A presença de educadores, psicólogos, pesquisadores e pensadores ao lado de produtores de mídia, e a inclusão do público alvo, tornam o processo de criação muito fértil e balizam os critérios de qualidade que se quer atingir.De que forma o Núcleo de TV, Rádio e Cinema da MULTIRIO vem trabalhando? Qual o diferencial deste trabalho? E os resultados são positivos?
F.J. – Trabalhamos há bastante tempo norteados por todos esses preceitos. Sem descuidar, no entanto, dos aspectos técnicos e artísticos – promovendo constantemente a atualização de profissionais e a modernização de equipamentos, buscando com isso o aprimoramento da qualidade de imagem e de áudio. Entendemos que o resultado de nossos produtos está vinculado à interação de nossas equipes com vários setores da empresa. Entendo que o diferencial na produção de mídia educativa está na busca de um resultado duradouro e não descartável ou superficial.
Como conciliar programa de qualidade, entretenimento, conteúdo, audiência e interesse dos anunciantes?
F.J. – Um bom programa de televisão que possibilite entretenimento, diversão e conteúdo consistente, sempre terá boa audiência e deveria contar com o interesse dos anunciantes. No entanto percebemos que em muitos países, em especial nos do terceiro mundo, as questões econômicas, políticas e culturais ainda são barreiras para a produção de mídia de qualidade. O custo financeiro de bons produtos televisivos é bastante alto e o retorno ainda não é tão significativo quanto o de produtos supérfluos, sensacionalistas e apelativos. Questões históricas, sociológicas e da antropologia cultural também colaboram para este quadro desigual. Isto sem falar dos aspectos negativos da globalização que derruba fronteiras culturais e comerciais, não considera identidades nacionais e que continua provocando o consumo de modelos hegemônicos. E é por isso que uma postura incentivadora do poder público e a conscientização e desenvolvimento educativo/cultural da sociedade são fatores de transformação desta realidade.
Que desafios ainda existem na produção de uma mídia de qualidade para crianças e adolescentes?
F.J. – A meu ver, um desafio importante é atrair o interesse das próprias crianças e adolescentes e promover a participação efetiva deles na criação e produção de programas voltados para eles. Uma mídia voltada para a reflexão e constituição de conhecimento e valores enfrenta permanentemente o desafio de criar uma narrativa dinâmica e atraente e de buscar formas para fugir da lógica do mercado. É muito instigante também conseguir criar e produzir produtos de conteúdo educativo sem transportar a escola ‘para dentro’ da televisão, pois cada uma delas utiliza-se de linguagens e narrativas diferentes. Embora com objetivos semelhantes. Outro desafio é, por meio da produção, distribuição e promoção de programas de qualidade estimular a ‘vontade política’ e multiplicar o investimento público e privado nesta mídia específica. O consumo de cultura, educação e bom entretenimento por meio da televisão entre crianças e jovens é um dos alicerces para a ‘construção’ da cidadania plena. O acesso democrático ao conhecimento, à informação e aos meios de comunicação produtores de mídia de qualidade tem que estar permanentemente na agenda do poder público que, por meio de uma política educativa/cultural consistente, estimule, também, a participação de empresas e instituições privadas.
Quais são as suas expectativas em relação à realização da 4ª Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes?
F.J. – Creio que a discussão sobre mídia de qualidade deve passar obrigatoriamente pela dimensão ética. E isto significa, no caso da televisão, que suas imagens, programação e propósitos tenham sentido, valor e a ambição de desenvolver em crianças e jovens a autonomia e a capacidade de análise. A TV de qualidade, seja para crianças, jovens ou adultos precisa fazer com que o telespectador desenvolva sua própria verdade, seu próprio pensamento. Precisa preparar para a vida, para a dignidade, para a cidadania, precisa ser uma porta de acesso às culturas. Trata-se de fazer uma televisão que permita a todos uma ascensão sócio-cultural. Mas tudo isso tem que ser oferecido numa ‘embalagem’ atraente. Quero debater, refletir e entender que caminhos devemos perseguir sem trégua para que a televisão e as demais mídias unem emoção, razão, beleza e informação na constituição de conhecimentos e valores. Como despertar uma consciência político-sócio-educativo-cultural, por parte das televisões, na busca da programação de qualidade? Como fugir da lógica do mercado?