Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘A programação televisiva se submete aos interesses do mercado’

Presidente da Fundação de Cúpulas Mundiais para Crianças e Adolescentes (WSMCF), Patricia Edgar defende as produções locais face à globalização do mercado. Afirma que a programação televisiva para o público infanto-juvenil está submetida aos interesses da propaganda, do merchandising e do consumo.

Uma pena, ‘pois as produções’, destaca, ‘deveriam tratar de questões relacionadas à vida humana, ao processo de crescimento e autoconhecimento das crianças. Os produtores e realizadores de mídia deveriam, sim, inspirar e enriquecer a vida dos jovens, não esquecendo que a fantasia é importante, assim como o humor’.

Idealizadora e coordenadora do primeiro encontro internacional, em 1995, na Austrália, Patricia acredita que a 4ª CMMCA abrirá as portas do mercado europeu e norte-americano para os produtos latino-americanos. ‘A Cúpula do Rio de Janeiro será a base do futuro. Criará um ambiente que tornará possível avançar ainda mais na defesa da mídia de qualidade para crianças’, declara em entrevista ao site da 4ª CMMCA.

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Como você avalia a programação televisiva dos dias de hoje?

Patricia Edgar – A maior parte da programação dirigida para as crianças é baseada no consumo – visando exclusivamente à venda de produtos e não ao desenvolvimento das crianças. Os comerciantes já perceberam o quanto é lucrativo o mercado infantil e o quanto as crianças têm poder. Elas pedem, os pais compram. Por conta disto, muitas vezes, a programação televisiva se submete aos interesses do mercado, já que a venda dos produtos dos comerciantes se torna necessária para cobrir o custo da produção do programa. Isto força a criação repetitiva de versões diferentes de personagens estilizados, idealizados na base da venda dos produtos derivados deles.

A audiência não é sinônimo de qualidade?

P.E. – Exato. Não podemos medir a qualidade de um programa de acordo com os prêmios que ele ganha, com o lucro que ele dá ou com sua audiência. Existem júris de premiação politizados. E, freqüentemente, são os programas com mais marketing de produtos que logram ser os mais lucrativos e premiados. Claro que é importante atingir a audiência. Criar um programa que ninguém quer ver não trará felicidade para nenhum produtor. Os profissionais responsáveis pela programação e o gerenciamento de mídia deveriam reservar horários específicos para crianças. Deveriam colocar no ar estes programas quando a maior parte da audiência está disposta a assistir.

Que tipo de programa deveria ser produzido para crianças e adolescentes?

P.E. – Programas inovadores, originais e especificamente voltados para este público. As produções devem tratar de questões relacionadas à vida humana, ao processo de crescimento e autoconhecimento. As histórias devem ter, como pontos de referência, um esquema moral relevante à vida dos telespectadores. É imprescindível tratar de questões difíceis de uma forma honesta. Os produtores e realizadores de mídia devem inspirar e enriquecer a vida das crianças, não esquecendo que a fantasia é importante, assim como o humor. Hoje, diante da programação globalizada, devemos assegurar que as crianças tenham uma visão pluralista, mostrando o melhor do mundo inteiro junto ao produto nacional. Devemos aproveitar a diversidade cultural para transmitir uma diversidade e não somente um produto uniforme espalhado em todos os canais do mundo. Acredito que as culturas locais sobreviverão à medida que protejam a sua programação local diante da produção importada. Todo país deve apoiar, incentivar e estimular sua própria programação. Não tenho conhecimento sobre a programação televisiva brasileira, mas imagino que vocês estejam bem cientes do excesso de programas procedentes de culturas alheias. Por isso, é importante que cada país apóie o setor criativo.

Quais foram as contribuições das três cúpulas anteriores?

P.E. – A primeira cúpula teve o caráter de mobilizar o mundo no processo de desenvolvimento de uma programação televisiva infantil de qualidade. Procuramos chamar a atenção da indústria de televisão sobre todos os assuntos relacionados às crianças. A Cúpula foi um sucesso e deu início a uma rede de parcerias e contatos que se mantém até hoje, evidenciada pelas discussões e fóruns realizados em todos os continentes. O segundo encontro, realizado em Londres, deu continuidade à iniciativa australiana, ampliando o debate para outros tipos de produtos de mídia voltados para o público infanto-juvenil. Neste encontro, algumas crianças – representando países do mundo inteiro – participaram de uma reunião paralela e produziram uma carta com suas aspirações. Nesta altura, cúpulas regionais já tinham sido realizadas no sudeste da Ásia e da África. Já a terceira edição foi realizada em Tessalônica, na Grécia, país sede do encontro anual do AGORA, que reúne produtores internacionais, aspirantes à profissão, educadores e pesquisadores. O encontro serviu para ampliar ainda mais o debate, onde o rádio foi reconhecido como uma mídia significativa e poderosa.

Qual é a importância da 4 ª Cúpula ser realizada na América Latina, no Brasil?

P.E. – A 4ª Cúpula Mundial é uma oportunidade de reunir todos aqueles que estão profundamente interessados na mídia produzida para o público infantil. Realizar esta edição na América Latina significa demonstrar para os governantes que o Brasil vê esta questão de maneira séria e oportuna. Também sinaliza para os produtores europeus e norte-americanos que o Brasil não é, simplesmente, um mercado dócil e importador de produções, mas que está apto a produzir programas próprios para as crianças, buscando um espaço no mercado internacional e criando a sua cota de produtos globais. A Cúpula do Rio de Janeiro será a base do futuro. Criará um ambiente que tornará possível avançar ainda mais na defesa da mídia de qualidade para as crianças.