Como era de se esperar, o ministro do Esporte, Orlando Silva, foi para o chuveiro antes do término da partida. Pesou demais contra ele o fato de o Supremo Tribunal Federal ter autorizado abertura de inquérito para investigar seu estilo administrativo.
Como sempre, a partir de agora o noticiário deve ficar mais ameno, até os fatos denunciados cairem no esquecimento das notas de pé de página. A rotina do noticiário permite até mesmo fazer um gráfico de intensidade: como na Sinfonia número 1 de Gustav Mahler, em que a música começa com instrumentos de sopro que só se tornam perceptíveis no crescendo quando entram em cena os violinos, o enredo dos escândalos tem uma lógica.
Flautas, fagotes, oboés e clarinetas servem para envolver o ouvinte no ambiente intencional da composição. Quando ele se dá conta, a sinfonia se torna a realidade dominante.
No noticiário sobre “malfeitos” no governo, alguém sopra uma suspeita, que vai se reforçando num crescendo até o ataque maciço com todos os instrumentos. Então, como numa avalancha, o acusado é arrastado para fora de sua cadeira. Nesse processo, tem-se a certeza de que o acusado, em algum momento, será expelido do cargo. Mas não há garantias de que haja justiça. Como existe o pressuposto de que em todo cargo público sempre haverá uma irregularidade a ser descoberta – mesmo porque as auditorias são permanentes –, a safra de escândalos é garantida.
Mas talvez seja hora de se questionar o efeito dessas denúncias no varejo: caem ministros mas não se altera o esquema que parece dominar toda a política, em todas as instâncias.
O jornal O Estado de S.Paulo, por exemplo, já criou o selo “troca na Esplanada” para acompanhar o rodízio de ministros em Brasília e o selo “emendas secretas”, para acompanhar o caso das propinas na Assembléia Legislativa paulista. A Folha de S.Paulo já olha para o retrato oficial do Ministério, abrindo apostas sobre quem será o próximo acusado.
O Ministério do Trabalho é tido como a bola da vez.
Como o processo de “fritura” de ministros sempre envolve, além do barulho da imprensa, intensas movimentações de bastidores na eterna competição partidária por bons cargos, torna-se impossível afirmar quanto do que se publica representa a verdade e quanto é denúncia vazia, a ser confirmada por investigações oficiais.
O pote cheio de mágoa
O fato concreto é que o sistema funciona como uma teia de aranha: apanhado na armadilha, quanto mais se debate a presa, mais enredada fica. Assim, ao responder no varejo a acusações que lhe são despejadas no atacado, o acusado apenas dá mais instrumentos aos seus adversários de fora e de dentro do governo.
Tem essa natureza o noticiário escandaloso: como há uma convicção generalizada na imprensa de que todos os indicados pelos partidos aliados para cargos no governo – em qualquer governo – estão ali para desviar dinheiro, o trabalho jornalístico consiste apenas em confirmar o pressuposto de culpabilidade. Por mais que esperneie e repita seus argumentos, o acusado acaba soterrado nos escombros de sua própria reputação.
Há bandidos notórios, é claro, mas no tribunal de rua estabelecido pela imprensa não se faz justiça – faz-se primeiro o linchamento. Acontece que depois da execução moral não se pode enterrar o cadáver simbólico em algum ponto perdido no deserto. Eventuais injustiçados em geral se isolam no anonimato, distantes do poder, e a imprensa os esquece. Mas alguns retornam à cena, como fantasmas a clamar por justiça.
O ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Luiz Antonio Pagot, por exemplo, tenta se fazer ouvir para dizer que está magoado com a presidente Dilma Rousseff. Ironicamente, o primeiro veículo que lhe deu ouvidos foi a revista Veja, ao reproduzir, no começo de agosto, informações de deputados do Partido da República dando conta de que ele estaria se queixando publicamente pela forma como foi demitido.
Posteriormente, em setembro, a mesma informação voltou a circular em blogs de jornais, como se fosse um recado querendo chegar aoPlanalto. Nesta semana, o mesmo texto, com a mesma declaração, chega ao Estadão, sem maiores explicações, em reportagem curta publicada na terça-feira, dia 25 (veja aqui).
Há claramente uma articulação por trás da repetição dessa mesma notícia.
Ora, se os jornais acham que ele foi injustiçado, seria o caso de rever as denúncias que a própria imprensa publicou contra o ex-diretor do DNIT e limpar sua reputação, em vez de dar curso a comentários que cheiram a chantagem.
Simples assim.
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