Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘A sociedade contemporânea tem medo dos jovens’

Em visita ao Brasil, o jornalista, pesquisador e diretor colombiano Germán Franco Díez mostrou o seu mais recente trabalho: Muchachos a Lo Bien, premiada série televisiva colombiana protagonizada por adolescentes da cidade de Medellín.

Um dos já confirmados palestrantes da 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes (4ª CMMCA) para a Sessão Paralela A Mídia e a Realidade, Germán afirma que a comunicação é um espaço de reconhecimento social do indivíduo e de legitimação pública de uma maneira de estar no mundo. No entanto, ele acrescenta que a comunicação não se define pelos meios e pelas linguagens, mas pelos seus projetos e intenções: ‘Portanto, devemos produzir uma mídia que dê espaço para os jovens. Eles exigem programas que falem do seu cotidiano de uma forma real, sem glamour e fantasia’.

Ao participar do Seminário TVQ, em São Paulo, promovido pelo Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes (Midiativa), Germán afirmou que o processo de construção de mídia com os jovens, além de ser possível, é proveitoso e necessário. O exemplo vem da sua própria experiência: ‘O nosso projeto ganhou vários prêmios, promoveu debates e incitou um processo de mídia de qualidade para crianças e adolescentes. E também ficou constatado que o programa desencadeou um processo de elevação da auto-estima dos adolescentes’.

***

Qual é o principal desafio da produção de mídia de qualidade para crianças e adolescentes?

Germán Franco Díez – A mídia mostra, divulga e vende uma série de imagens, mas não contextualiza estas imagens. Este é o grande problema que enfrentamos na produção de mídia, particularmente na televisão. Acredito que a culpa não é dos meios de comunicação, mas sim dos emissores e receptores das mensagens que são veiculadas. É preciso entender a comunicação como um processo de diálogo, de circulação de sentidos. Sendo assim quando trabalhamos com ou para as crianças e adolescentes é preciso veicular imagens, sentidos e valores positivos. Aqui na Colômbia, por exemplo, a violência é tratada pela mídia como se fosse algo natural. No entanto, a violência é uma criação cultural. Ela não é parte da nossa natureza, mas está arraigada em nosso imaginário e, na maioria das vezes, é idealizada pelos meios de comunicação. Nos programas que realizamos, Muchachos a Lo Bien, tentamos mostrar exatamente o inverso.

Como foram realizados estes programas?

G.F.D. – Este projeto foi desenvolvido entre 1993 e 1999, na cidade de Medellín, Colômbia. Foram produzidas quatro séries, com 120 episódios, veiculadas a partir de 2002 em diferentes canais da TV pública e privada da Colômbia e da Espanha. Intitulada de Muchachos a Lo Bien, a programação foi toda protagonizada por jovens que, a cada novo episódio, falavam sobre temas do seu cotidiano, como, por exemplo, ética, política, direitos humanos e violência. O objetivo era mostrar a realidade dos jovens, seus pensamentos, opiniões, reivindicações e desejos. Toda a construção do programa contou com a participação dos adolescentes.

A interface mídia e adolescentes é proveitosa?

G.F.D. – Com certeza aprendemos com os jovens. Afinal eles têm muita coisa para nos ensinar, embora alguns adultos não acreditem nisso. Percebo que há um grande conflito de gerações entre os adolescentes e os adultos. Na verdade, a sociedade contemporânea tem medo dos jovens. Os adolescentes são diferentes. E tudo o que é novo e diferente representa uma ameaça. Tudo que é novo e diferente questiona e desestabiliza as certezas, as realidades e as rotinas. Por isso há o receio e o medo. Sentimentos que aumentam cada vez mais devido à influência da mídia e, em particular, da televisão que associa a figura do jovem a algo perigoso.

Qual foi a receptividade do programa?

G.F.D. – Foi muito boa. Programas deste tipo são exigidos e cobrados cada vez mais pelos jovens. Este projeto que desenvolvemos ganhou vários prêmios, promoveu debates e incitou um processo de mídia de qualidade para crianças e adolescentes. Fizemos, inclusive, um estudo coordenado pelo pesquisador Jesús Martín-Barbero. O levantamento constatou que o programa desencadeou um processo de elevação da auto-estima dos adolescentes. Acertamos. A comunicação é um espaço de reconhecimento social do indivíduo e de legitimação pública de uma maneira de estar no mundo. No entanto, a comunicação não se define pelos meios e pelas linguagens, mas pelos seus projetos e intenções.

Quais são as suas expectativas para a 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes?

G.F.D. – A realização da 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes é essencial não apenas porque será realizada na América Latina, mas porque os temas que serão abordados ainda não foram suficientemente discutidos. Ainda não temos a capacidade de intercambiar experiências e conhecimentos. Só percebemos isto quando participamos de encontros internacionais e constatamos que muitas das iniciativas que estão sendo implantadas em determinados locais já existem em outros lugares. Intercambiar conhecimentos é vital e a 4ª CMMCA é o grande palco para este propósito.