Dois exemplos concretos de soluções simplórias e do gênero senso comum para problemas sociais estão ocorrendo respectivamente no Rio de Janeiro e no município de San Isidro, na província de Buenos Aires, localizado 30 quilômetros ao norte da capital argentina.
No Rio, o governador Sergio Cabral encontrou a ‘fórmula’ que considera ideal para deter o crescimento de favelas, sobretudo as da zona Sul, com a construção de onze muros para evitar uma suposta ‘invasão’ de construções em áreas verdes. Trata-se, segundo especialistas na matéria, de uma mentira deslavada, pois na maior parte das favelas em que o governo do Estado pretende erguer muros não houve crescimento, muito pelo contrário, ponto de vista já mencionado pelo insuspeito colunista Elio Gaspari. Pesquisa divulgada nesta segunda-feira (13) pelo Datafolha indica que a população do Rio está dividida em relação ao problema com 47% dos entrevistados a favor e 44% contra, ou seja, empate técnico.
Para se ter uma idéia do nível atual dos políticos cariocas, a vereadora Aspásia Camargo, do Partido Verde, sugeriu que os muros divisórios fossem ornamentados com ‘pinturas ecológicas’.
Já em San Isidro, segundo o jornal espanhol El Pais, o prefeito Gustavo Posse encontrou a sua ‘fórmula’ de combater a violência urbana. Mandou construir um muro de um quilômetro e meio para separar uma luxuosa zona residencial de um bairro pobre. A presidente Cristina Kirchner fez um apelo no sentido do alcaide desistir da construção, pois no seu entender isso significa um retrocesso para o país.
‘Limpeza’ da Zona Sul
Só o fato de um prefeito pensar em construir um muro quilométrico para separar ricos e pobres já em si é uma vergonha para a Argentina, da mesma forma que a obra de Sérgio Cabral o é para o Brasil. São duas visões conservadoras, propaladas pela mídia hegemônica, que imagina que muros solucionam problemas sociais.
Cristina Kirchner, ao chamar a atenção sobre o fato e tentar de todas as formas evitar que o muro seja erguido, demonstra ter sensibilidade social.
Já Cabral e Posse estão na mesma linha simplória dos dirigentes de Israel, que imaginam que a construção de um quilométrico muro em área palestina vai resolver o conflito permanente na região ou evitar incursões de homens-bomba.
Para complementar o jogo bruto contra os pobres, o jornal O Globo estampou como principal chamada de primeira página, na edição de domingo (12/4), uma declaração do prefeito Eduardo Paes, segundo a qual ‘remoção de favelas não pode ser tabu’.
A matéria, de página inteira (14), é de uma indignidade sem tamanho. Revive o período do governo Carlos Lacerda, que adotou como prática para ‘limpar’ a zona Sul com a remoção de favelas, política que foi seguida pelo então governador Negrão de Lima, ‘batizado’ pelo jornal da rua Irineu Marinho como de ‘centro-esquerda’.
Um notório direitista
E O Globo, em um exercício de futurologia com base no crescimento da Rocinha, assegura que se a favela da Catacumba, na encosta de um morro na Lagoa Rodrigo de Freitas, e outras favelas da área, como a da Praia do Pinto, Vila Hípica e Ilha das Dragas, não fossem removidas por Carlos Lacerda e Negrão de Lima, o ‘cartão postal do Rio poderia ter sido transformado em complexo de favelas com pelo menos 96 mil moradores’.
A matéria induz o leitor a aceitar como perfeitamente normal um fato que já é marca da administração do atual alcaide do Rio e do governo Sérgio Cabral: o tratamento preconceituoso em relação aos moradores de favelas, inclusive associando a violência a estes locais, habitados por um em cada três moradores do Rio de Janeiro.
Mas não é só isso. A matéria desencava o ex-diretor da Companhia Estadual de Habitação (Cehab), Aristóteles Drumond, um notório direitista que anos mais tarde andou circulando pelo Chile para apoiar o golpe que derrubou o presidente constitucional Salvador Allende.
Fatos esquecidos no baú da história
Para o leitor conhecer melhor a biografia do ex-diretor da Cehab no governo Negrão de Lima, lá por 1966-68, e que até coloca em dúvida a classificação do referido governo do então estado da Guanabara como de centro-esquerda, vale a leitura de um importante livro de autoria do historiador René Dreifuss intitulado A Internacional Capitalista – Estratégias e táticas do empresariado transnacional 1918-1986, da editora Espaço e Tempo Ltda. Na página 229, Dreifuss assim se refere a Aristóteles Drumond:
‘O grupo paramilitar brasileiro de direita Movimento Anticomunista (MAC) forneceu armas e dinheiro a grupos semelhantes no Chile. Faustino Porto, militante do MAC, e Aristóteles Drumond, chefe do Grupo de Ação Patriótica (GAP), que foram linhas auxiliares do Ipes (Instituto de Pesquisas Econômico e Social) brasileiro, foram apontados como elementos de ligação entre Brasil e Chile em 1972-73. Armas e dinheiro foram levados aos chilenos, tanto para a organização extremista Pátria y Libertad – liderada pelo protofascista Pablo Rodrigues e pelo industrial Roberto Thiems – como para os comitês de bairro de direita…’
Fatos como estes foram esquecidos no baú da história. O Globo dificilmente lembraria porque não tem o mínimo interesse em esclarecer fatos do passado que em nada contribuiriam para deixar bem a imagem do jornal da Rua Irineu Marinho.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ