Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A terra das chacinas

Os jornais voltam a destacar o aumento no número de assassinatos em São Paulo: treze mortos e dez feridos em uma única noite, número maior que o dobro das mortes violentas que ocorrem em períodos normais.

A Folha de S. Paulo anota o dia 24 de outubro como a data inicial da escalada de crimes, mas os registros da imprensa apontam para algum dia entre o final de maio e começo de junho o ponto de partida do recrudescimento das chacinas e dos assassinatos de policiais militares.

O que não se lê na imprensa é reportagem pura, investigação jornalística que esclareça para o leitor o que há por trás dessa guerra.

Os assassinatos coletivos, que a imprensa chama de chacinas, são uma marca registrada da violência paulista há mais de trinta anos. Começaram no tempo dos “esquadrões da morte” e quase sempre foram atribuídas a policiais, que usavam a estratégia da eliminação em massa de delinquentes como forma de controle da criminalidade em determinados bairros.

Ações desse tipo são tidas pelos especialistas como uma forma de “higienização social” promovida geralmente por agentes do Estado e, eventualmente, por grupos de terroristas movidos por preconceito social.

“Autoria desconhecida”

Nas últimas décadas, houve surtos desse tipo de violência no Espírito Santo, na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, onde o caso mais conhecido é o da igreja da Candelária, quando um grupo de policiais disparou contra cerca de 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias e calçadas na madrugada de 12 de setembro de 1994. Oito morreram, o menor deles com onze anos de idade e o mais velho com 19 anos.

Iniciativas do Ministério Público têm levado a julgamento alguns autores desses crimes, mas o mais comum é a permanência da impunidade. Eventualmente, esse tipo de ação ainda se repete contra indivíduos ou pequenos grupos em outros lugares, como ocorreu na madrugada de segunda-feira (19/11) na cidade paulista de Presidente Venceslau, onde um morador de rua foi encontrado queimado e com uma suástica riscada na pele de suas costas.

No entanto, é na região metropolitana de São Paulo que a palavra chacina representa um fato comum. Curiosamente, a imprensa sempre ignorou esses acontecimentos, exceto nas raras ocasiões em que os massacres em série compunham boas histórias com protagonistas interessantes.

Desde os “esquadrões da morte” que foram combatidos pelos promotores de Justiça Hélio Bicudo e Dirceu de Mello nos anos 1970 – e que tinham como suposto líder o falecido delegado Sérgio Paranhos Fleury – até o advento do cabo Bruno, que nos anos 1980 foi acusado de mais de 50 assassinatos, foram poucos os eventos desse tipo que mereceram dos jornais uma atenção maior.

Em geral, os assassinatos coletivos entram na crônica policial na categoria dos crimes de autoria desconhecida. Essa é uma das características de muitos dos casos que compõem a atual onda de violência que assusta os habitantes da região metropolitana de São Paulo.

Apenas números

Estranhamente, a imprensa paulista parece não ter absolutamente nenhuma curiosidade em investigar essas mortes. O silêncio do Estado, embora constrangedor, levanta a suspeita de que alguns ou muitos desses casos estejam relacionados a atos de vingança e tenham agentes públicos como autores.

Por outro lado, também deveria causar estranheza o silêncio escandaloso do Ministério Público, de cujos quadros eventualmente brotam personagens interessados nos holofotes da imprensa. Recorde-se, por exemplo, certos protagonistas de campanhas contra a violência das torcidas organizadas de futebol, que saltaram dos discretos gabinetes da promotoria para a fama e daí para a carreira política.

Seria esse fenômeno uma “síndrome do holofote”, uma espécie de atração fatal capaz de tirar da imobilidade certos agentes públicos, como mariposas atraídas para a luz dos refletores da televisão?

Seja qual for o elemento inibidor, o fato é que a imprensa não parece interessada em avançar no esclarecimento dos detalhes dessa guerra que diariamente deixa cadáveres pelo chão, a maioria dos quais nunca são identificados publicamente.

Não se sabe se são criminosos ou inocentes, se autores de crimes violentos ou meros transeuntes. São apenas dados estatísticos. No conjunto, formam números preocupantes, mas apenas números.