Reportagem na edição de sexta-feira (4/2) do Estado de S.Paulo altera o curso do noticiário assumido até aqui pela imprensa brasileira sobre o caso do italiano Cesare Battisti. Saindo da corrente que condena a priori o ex-ativista, sentenciado à prisão perpétua em seu país, e das reportagens e artigos que defendem explicitamente sua extradição, o Estadão faz o que recomendam os manuais básicos de jornalismo: investiga a outra possibilidade, a de que Battisti tenha sido injustiçado.
O texto em questão é uma entrevista da historiadora e escritora francesa Fred Vargas ao correspondente do jornalão paulista em Paris. Conhecida por seus romances policiais, Fred Vargas se dedicou a pesquisar o caso Battisti e é uma das principais defensoras da tese de que ele foi incriminado e condenado a partir de depoimentos inconsistentes e com uso de documentos forjados.
Ainda que no final se demonstre que Battisti é culpado de tudo que lhe foi imputado e que teve um julgamento justo, admitir a dúvida é sinal de vida inteligente no jornalismo.
Dois lados
Segundo a entrevistada do Estadão, os acusadores de Battisti manipularam folhas de papel em branco assinadas e deixadas por ele para um ex-companheiro de militância ao fugir para o México, e que teriam sido usadas para forjar procurações que permitiram seus julgamentos, em 1982 e 1990.
Sem essas procurações, a condenação não teria validade e, como se sabe, a defesa de Battisti alega que ele foi julgado à revelia, quando estava incomunicável no México. Fred Vargas contratou uma grafologista francesa, perita do Tribunal de Recursos de Paris, que questionou a autenticidade daquelas procurações.
Por mais que todos os cidadãos em pleno senso desejemos que os assassinos sejam condenados às penas previstas em lei, a Justiça precisa seguir rigorosamente os devidos processos.
A imprensa brasileira já havia publicado, em outras ocasiões, informações que levantam dúvidas sobre a correção dos julgamentos de Battisti. Numa delas, por exemplo, é citado o fato de que ele foi condenado por dois homicídios ocorridos quase simultaneamente em duas cidades diferentes. Em outra, são citadas divergências entre a descrição do assassino e a aparência de Battisti na época.
Mas a entrevista publicada pelo Estadão nesta sexta-feira é a primeira oportunidade para os leitores tomarem conhecimento de que há argumentos a serem levados em conta nos dois lados da questão.
Como se sabe, o bom jornalismo também busca a verdade levantando dúvidas.