Bem que os jornais, os leitores e até alguns observadores tentaram fazer de conta que a normalidade estava ao alcance, pois, afinal, nos números absolutos alguns analistas afinados com o governo paulista demonstravam que a violência na região metropolitana de São Paulo não é, assim, historicamente, um fenômeno desastroso.
Apanhando-se algumas planilhas e comparando-se com a última década do século passado, realmente se pode concluir que, num prazo bastante longo, a violência vem sendo gradualmente reduzida.
Se incluirmos o tempo dos bandeirantes, também.
Como diria o filósofo da comunicação Vilém Flusser, dê-me um punhado de informações e eu moverei a verdade de seu lugar. De fato, informações consistentes manipuladas da forma adequada são capazes de deslocar o tempo e o espaço e, consequentemente, alterar o sentido da realidade.
Jovem executado
Foi o que a imprensa tentou fazer, aparentemente, no fim de semana, ao tratar como rotina os sucessivos relatos de novos assassinatos em São Paulo. De novo, apenas, uma referência à possibilidade de que alguns policiais, na zona Sul da capital paulista, estivessem aproveitando a ocasião para de livrar de desafetos.
Houve também alguma especulação sobre uma iminente mudança no comando da Segurança Pública, mas não se sabe ao certo quanto desse noticiário foi inspirado por adversários políticos do atual secretário, que tem desavenças públicas com seu antecessor. Aliás, essa possibilidade autoriza outra ainda mais grave: quanto da própria crise poderia estar sendo insuflado de dentro do próprio sistema estatal, para derrubar o secretário e o comando da Polícia Militar?
Alguns jornalistas têm sido municiados com sugestões e insinuações que colocam em situação de fragilidade essas autoridades. Mas os jornais não têm interesse em afirmar que o governador perdeu o comando de seus homens.
Assim, pressionados pelos fatos a começarem a questionar a autoridade estadual, com a qual sempre mantiveram relação de absoluta vassalagem, os jornais simplesmente haviam relaxado, e o noticiário sobre a violência vinha entrando naquele limbo do qual os acontecimentos tendem a escorregar para o esquecimento.
Mas os fatos se impõem e, na segunda-feira (12/11), a imprensa se vê obrigada a encarar a realidade, sem deslocamentos para o campo dos relativismos.
A Folha de S. Paulo traz como manchete a informação de que a “violência tem escalada e mortes chegam a 31”. Ainda na primeira página, o jornal afirma que a região metropolitana de São Paulo teve o fim de semana com mais mortes desde o começo da onda de crimes. Foram dez homicídios entre a noite de sexta-feira (9/11) e a tarde de sábado, mais 21 até o início da noite de domingo (11).
No Estado de S. Paulo, o assunto não é manchete mas volta à primeira página, com a denúncia de que, pelo menos em uma dessas mortes, o que houve foi a execução de um suspeito já dominado pela Polícia Militar. Citando reportagem exibida pela TV Globo,com imagens, o Estadão e a Folha contam que um jovem de 25 anos foi preso em sua casa, no sábado, conduzido para fora e executado com um tiro dentro da viatura policial.
Ficção mortífera
A pergunta que os jornais não fazem – e deveriam fazer – é: quantas dessas dezenas de mortes relatadas ultimamente foram resultado de execuções sumárias promovidas por policiais descontrolados? Quantas outras mortes seriam assassinatos de jovens meramente ruidosos ou de comportamento reprovado pela moral particular de um policial?
O Estadão faz uma conta diferente daquela que a Folha apresenta e, em vez de 31 vítimas, diz que o total de assassinados no final de semana chega a 25. No entanto, a não ser no caso documentado pela TV Globo,a imprensa ainda trata o surto de violência em termos meramente quantitativos, sobre os quais sempre se pode construir realidades diversas, como se disse no começo desta conversa.
O Estadão traz, na segunda-feira (12), resultados de uma avaliação sobre movimentação financeira de agentes do crime organizado, mostrando que o grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital (PCC) quase triplicou nos últimos seis anos e conta com um exército de 4 mil associados.
Contudo, ao mesmo tempo os jornais dão crédito a declarações de autoridades paulistas segundo as quais o PCC é apenas uma ficção.
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