Os principais jornais do país voltam a destacar a questão da violência nas grandes cidades paulistas.
O tema é manchete sem concessões na Folha de S. Paulo (sexta, 26/10): “Dispara número de homicídios na capital paulista”.
O Estado de S. Paulo, no mesmo dia, mais contido, coloca o título sobre fotografia da cena do assassinato de um policial: “Homicídios dobram em São Paulo”.
Nas páginas internas do Globo, abaixo do título “Homicídios dobram em SP no período de um ano”, informa-se que “na última semana, Grande São Paulo registrou 14 assassinatos”.
Em todos os textos, a imprensa enfim enfatiza, sem meias palavras, que está em andamento uma “guerra não declarada” entre a Polícia Militar e a principal organização criminosa em ação em território paulista.
Ataques em série
Os números são chocantes: o índice de homicídios dolosos, ou intencionais, aumentou 96% entre setembro de 2011 e setembro de 2012. Também subiu muito (27%) o volume de latrocínios, ou roubo seguido de morte, o tipo de crime que mais assusta a sociedade e produz mais impacto na imprensa.
O caso de maior repercussão, recentemente, foi a morte da adolescente Caroline Silva Lee, baleada por assaltantes na madrugada do domingo, dia 21, no bairro paulistano de Higienópolis. Sem mais reservas, os jornais decidem abandonar as ambiguidades.
“Capital paulista enfrenta explosão de assassinatos”, diz a Folha.
“Guerra não declarada entre PM e PCC faz homicídio crescer 96% na capital”, afirma o Estadão.
A realidade quebra, pela primeira vez, uma longa omissão por parte da imprensa diante da falência explícita da política de segurança pública no estado.
Não há mais como esconder que a estratégia de tolerar o domínio de uma facção criminosa em presídios e nos bairros abandonados pelo poder público produziu um equilíbrio apenas superficial e difícil de manter: a violência nunca foi reduzida nos bairros periféricos e só vinha sendo contida porque o governo investiu pesado na presença ostensiva da polícia na região central.
Lá onde os criminosos impõem suas regras, a polícia só entra em situações extremas, em confrontos que quase sempre produzem como efeitos colaterais as costumeiras cotas de vítimas inocentes. Jornalistas e pesquisadores em geral só conhecem esses lugares nos mapas de seus tabletsesmartphones.
De acordo com o noticiário, não há mais como esconder que a onda de violência tem como cenário e causa central um conflito generalizado entre a Polícia Militar e integrantes do chamado Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que ganhou o controle dos presídios, depois da sucessão de rebeliões ocorridas há dez anos.
Depois dos conflitos de 2006, quando o crime organizado levou o caos à capital e outras cidades paulistas com uma série de ataques a policiais e incêndios de ônibus, houve uma acomodação entre setores da segurança pública e a quadrilha. Mas recentemente, quando a PM recebeu ordens de atirar para matar sempre que houver uma suspeita de reação armada, o conflito se alastrou.
Círculo vicioso da violência
Ainda segundo os jornais, grupos de policiais passaram a cometer execuções pontuais de criminosos ou suspeitos, e a organização criminosa reagiu ordenando assassinatos de policiais militares, de preferência quando eles estão de folga e na presença de familiares.
Esse contexto aterroriza muitos policiais, que são obrigados a viver nas proximidades de bairros e favelas controlados pelos criminosos. Ao mesmo tempo, recrudescem os atos de vingança, que incluem vítimas inocentes e aceleram o círculo da violência.
Postos policiais passaram a ser protegidos por barreiras nas ruas, o que prejudica o trânsito e passa para a sociedade a impressão de que até mesmo a polícia se sente desprotegida.
O que há de novo nas edições de sexta-feira (26/10) é que pelo menos parte da imprensa começa a contestar o próprio governador, divulgando opiniões de especialistas segundo as quais o discurso oficial estimula a violência policial e inibe estratégias mais elaboradas.
Na entrevista em que responde aos questionamentos do Estadão, por exemplo, o governador Geraldo Alckmin repete frases típicas dos programas policiais da televisão, do tipo “ir pra cima do criminoso”, ou “tolerância zero”.
Mas esse questionamento ainda é tímido e o leitor fica sem saber se a estratégia do governo é correta e os indicadores são apenas um desvio estatístico, ou se a política de segurança está provocando insegurança.