Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A visita da IV Frota a águas brasileiras

‘Ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que possuísse todos os bens.’ (Aristóteles, Ética a Nicomacos)

‘Não há poder humano que não promova, contra a própria vontade, outros planos que não os seus.’ (Bossuet, Discours sur l’histoire universelle)

No século passado, os EUA entravam em guerra a cada 15 ou 20 anos. Neste princípio de século 21, a cada quatro ou cinco anos os norte-americanos se atolam em novos conflitos militares. Neste exato momento, os EUA realizam duas campanhas militares de sucesso duvidoso (Afeganistão e Iraque) e já admitem publicamente que podem vir a começar outra (no Irã). Não bastasse tudo isto, a Casa Branca mandou sua IV Frota acintosamente navegar em águas territoriais brasileiras.

Com exceção dos blogs militares, a imprensa nacional deu pouca ou nenhuma atenção à visita da IV Frota às nossas reservas petrolíferas. O jornalismo global fez uma rápida cobertura sobre treinamentos realizados pela Marinha do Brasil em caso de ataque por mísseis norte-americanos, mas não relacionou este fato à presença militar norte-americana em águas brasileiras. O incidente repercutiu mais na imprensa argentina do que na brasileira (ver aqui).

O mesmo erro dos nazistas

Acabara de ler o primeiro ensaio do livro A promessa da política, de Hannah Arendt (Difel, 2008), quando me interei deste assunto espinhoso e desagradável referente à IV Frota em águas brasileiras. Foi desta obra que retirei as citações com as quais iniciei este texto.

Em suas especulações políticas, Arendt sugere que todas as ações dos homens e de suas comunidades geram conseqüências. Nem todas as conseqüências são desejadas e às vezes são as conseqüências indesejadas que prevalecem. O único remédio para o inesperado e para a culpa que resulta das ações humanas é a amizade.

A vida e a reflexão política de Hannah Arendt foram marcadas pelo nazismo, regime do qual ela fugiu em razão de ser judia. Hitler e seus nazistas levaram ao extremo o militarismo prussiano, acreditando que construiriam um Reich de 1.000 anos. No fim das contas, só conseguiram levar a Alemanha à destruição enterrando definitivamente – pelo menos é o que todos esperam – as ambições militares germânicas. Depois que a II Guerra Mundial terminou, os alemães precisaram contar com a amizade dos outros povos para reconstruir suas vidas e seu país.

O aumento das atividades militares dos EUA, inclusive no Cone Sul, onde sua IV Frota desafiou a soberania brasileira, é preocupante. Os norte-americanos estão prestes a cometer o mesmo erro que os nazistas?

Deveriam ler mais…

Os nazistas acreditavam que eram superiores e que não precisavam cultivar a amizade dos outros povos. Hitler e seus prosélitos fardados desejavam apenas dominar aqueles que julgavam inferiores e derrotar seus inimigos pelas armas. De certa maneira, o nazismo é a antítese da amizade, pois esta se conquista com base no sentimento de igualdade e se consolida com o respeito humanitário. O sentimento de superioridade e a coação militar não despertam nem conservam amizades.

Após o fim da Guerra Fria, os EUA emergiram como única superpotência militar inconteste do planeta. De maneira geral, todas as nações esperam que os EUA não abusem de seu novo status. O Brasil tem cumprido fielmente suas obrigações internacionais, inclusive as que se referem á não proliferação de armas nucleares. A insistência dos atuais ocupantes da Casa Branca em realizar demonstrações de força concretas ou simbólicas – como a que ocorreu em águas brasileiras – sugere que cresce entre os norte-americanos a nociva crença de que se pode fomentar a amizade através da força e da demonstração de superioridade.

Para não cometerem os mesmos erros que os nazistas, os governantes dos EUA deveriam ler mais Aristóteles, Bossuet e, sobretudo, Hannah Arendt. Só assim os EUA não destruirão suas amizades nem conquistarão novos inimigos.

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Advogado, Osasco, SP