O assunto parecia morto, mas ‘O presidente de pavio curto’, de Wladir Dupont, publicado neste Observatório, fez com que eu o sentisse reacender. O ex-correspondente da Veja no México compartilha seu conhecimento da conjuntura latino-americana, mas se restringe a narrar fatos relevantes ocorridos, exclusivamente, no México. O texto sugere que há um preocupante movimento hegeliano de índole ditatorial em curso acelerado, nestas terras tropicais. Cresce, e preocupa, a chiadeira de presidentes latino-americanos com a imprensa e os jornalistas. No entanto, do movimento não são dados mais do que dois exemplos e, destes, apenas o caso mexicano é desenvolvido porque o outro é o da azia. De fato, se o texto fosse escrito sob a gramática grega, o ‘s’ plural em ‘presidentes’ seria conservadoramente traduzido para o dual de ‘os (dois) presidentes’.
Não tenho qualquer contribuição a dar sobre o que acontece ao norte do Canal do Panamá. Das minhas janelas térreas e florianopolitanas não enxergo Brasília, mas apenas o belo morro sem nome que separa os bairros Rio Vermelho e Vargem Grande. Por que, então, estou em posição de dizer algo sobre a azia que o próprio Wladir não disse? Note-se que, segundo o constatar geral, o citado autor, como jornalista (que eu não sou) é um dos responsáveis pela moléstia.
Quem não lê, não pensa
Talvez por estas instruções fosse possível chegar a alguma reposta: entrevistar o bem sucedido Mario Sergio Conti, diretor-responsável da revista piauí – o nome não está errado, segundo o próprio Mário, a certidão de nascimento da revista humorística confirma o ‘p’ minúsculo. Perguntar como brotou e, principalmente, como cresceu o famoso mal biliar. Ele poderia esclarecer melhor que o Wladir, melhor até que o próprio acometido. Considerando isto, fica claro que as garatujas que seguem são provisórias.
A edição de janeiro da piauí foi ricocheteada pela Agência France Press no dia 9 de janeiro. No dia 10, o MSNBC vaticinava que o presidente nunca lê jornais ou revistas. Pouco tempo depois, uma miríade de veículos jornalísticos sem criatividade papagaiavam o inglês da AFP. O mote anglófono francês obviamente não foi a repressão ao quarto poder que o viajado Wladir revela-nos ocorrer no México. Tampouco havia ali o bom humor de uma revista em grande parte humorística. O mote da AFP, que exibiu a imagem ridícula, dado o contexto, do Lula com a mão na cabeça, era a triste figura encenada por um presidente sem educação formal. Quem põe a mão na cabeça, ou pensa ou sofre. Quem não lê, não pensa. Então, deduza-se. Simples assim.
A origem do boato
A evolução disto tudo fica mesmo parecida com a evolução do jogo do telefone sem fio. Comediógrafos brincam com um presidente, todos se divertem. Alguém que passa as férias no frio decide debochar. Outros comediógrafos, sem tanta graça quanto os primeiros, sentindo-se solitários, inventam, menos para si mesmos do que para o público, que eram, eles mesmos, os alvos do deboche. Inventam também que o deboche, de certa forma bem humorado, vá lá, não fora feito pelo dito alguém ao presidente, mas pelo presidente e contra eles mesmos. Dá para acreditar? Uma reviravolta digna de Molière.
Era compreensível que a AFP usasse o texto humorístico da piauí para, ela também, fazer humor. Afinal, convenhamos, haver um presidente não-escolarizado é mesmo uma situação risível para qualquer mente minimamente reacionária: todas. Apenas não me parece tão compreensível que desde a fonte tropical do informe francês, a inteligência não se tenha dado ao trabalho de verificar a verdadeira e humorística origem do boato.
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Doutorando em lingüística e professor substituto do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina