Juliano Basile, repórter do Valor, faz a cobertura jornalística do Supremo Tribunal Federal há 15 anos. Ele informou que os ministros pediram a interdição, entre 13h30 e 14h30, de uma passagem que liga seus gabinetes ao plenário da Corte, para evitar assédio de advogados e jornalistas. Como cada um dos trinta e oito réus tem vários advogados, os defensores são centenas. Estão credenciados nada menos do que 500 jornalistas. Mas o Supremo é hoje um tribunal completamente transparente, devido à transmissão das sessões pela TV Justiça, o que é bom por um lado, mas, por outro, às vezes estimula a veia cênica de alguns juízes.
Juliano Basile falou ao Observatório da Imprensa na quinta-feira (2/8) sobre a maneira como o STF recebe as pressões da opinião pública:
Juliano Basile − No Supremo existem modos diversos de encarar essa pressão que vem da opinião pública. O ministro Luiz Fux mudou o se0u voto no caso da lei da Ficha Limpa depois que leu nos jornais críticas ao que tinha votado; ele deu um voto que era na maior parte favorável à lei, mas incluía algumas restrições. Quando ele leu críticas às restrições que havia colocado na sessão do Ficha Limpa, na sessão seguinte mudou o voto. Só que, nesse caso do mensalão, o Fux entende que, como se trata de uma ação penal que envolve indivíduos, pessoas que podem até, eventualmente, ir para a cadeia, ele acha que nesse caso o Supremo não deve votar de acordo com a opinião pública; não é um caso em que tem que ouvir a população para julgá-lo, tem que votar de acordo com os fatos, as provas.
Na ocasião em que Fux mudou o voto, ele disse que tinha sido por causa da pressão da opinião pública?
J.B. − Sim, ele foi bastante sincero. Ele falou que leu nos jornais as críticas, absorveu isso. Mas ele fez uma diferença que é importante. Ele falou que quando o Supremo julga grandes teses com impacto para toda a sociedade – por exemplo pesquisas com células-tronco, cotas em universidades –, o Supremo tem sim que ouvir o que a opinião pública está dizendo. Mas quando o STF julga ação penal, não tem que ir atrás da opinião pública.
Tem ministro que pensa diferente. Por exemplo, o ministro Gilmar Mendes. Ele acha que não, ele acha que o Supremo sempre que está votando um processo está dando uma diretriz, uma orientação, para todo o Judiciário brasileiro. O Gilmar entende que mesmo em casos de ação penal, quando você está votando a vida de um réu, o STF está indo além do processo específico, está dando uma orientação geral de direito penal para toda a população.
“Pedagogia dos direitos”
Um exemplo disso foi o caso em que o STF baixou a súmula das algemas, onde eles definiram uma série de restrições. Vamos lembrar: era época da Operação Satiagraha, que aconteceu em julho de 2008. Algumas pessoas foram presas na operação e foram filmadas presas, e isso incomodou alguns ministros do Supremo, porque essas pessoas foram filmadas com algemas e elas ainda não haviam sido condenadas. O Supremo baixou uma súmula restringindo o uso das algemas – ele [o STF] se deixou, digamos assim, levar pela crítica que saiu na opinião pública a esse tipo de operação, encampou esse tipo de crítica, dando uma resposta para a opinião pública.
Mas a opinião pública, eventualmente, não pediria mais algemas? Porque se você botar para votar em plebiscito, hoje, o tema pena de morte, a pena de morte ganha. É que não pode fazer esse plebiscito.
J.B. − Aí é que vem um papel do STF que alguns ministros também costumam ressaltar, que há momentos em que a Corte tem que ser contramajoritária. O Gilmar Mendes é o maior expoente desse caso, no episódio das algemas ele falou isso; falou que o Supremo, em alguns momentos que toda a opinião pública ou a maioria da opinião pública está pedindo uma condenação, tem que ir lá e decidir de acordo com a lei, com o direito, com a Constituição, e dar uma resposta, falar: “Olha, aqui não”. Eles usam uma expressão também, eles falam que o Supremo faz a “pedagogia dos direitos fundamentais”, ou seja, quando a sociedade toda quer uma condenação nem sempre o Supremo aceita isso, porque ele tem que votar de acordo com a lei.