A inflação dos próximos dois anos entrou na pauta dos maiores jornais do país. Não há mais dúvida sobre a disparada dos preços neste ano. Cada novo índice – e vários são divulgados a cada semana – confirma a aceleração e a difusão dos aumentos. O Banco Central ajustou para 6% a projeção do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 2008. Há três meses a aposta oficial ainda estava em 4,6%, pouco acima do centro da meta (4,5%). Mas esse não é o único indicador alarmante. Aluguéis e tarifas ainda são sujeitos a indexação. Parte da inflação de 2009 está sendo fabricada agora e o noticiário tem destacado esse fato.
A valorizar esse ponto, os grandes jornais definiram o próprio rumo e foram além da cobertura institucional e do mero registro de citações entre aspas. De alguma forma, todos chamaram a atenção para a indexação embutida nos índices gerais de preços (IGP-DI, IGPM etc.) produzidos pela Fundação Getúlio Vargas. O IGPM (Indice Geral de Preços de Mercado) subiu 13,44% nos últimos 12 meses. Foi a maior acumulação desde aquela observada em outubro de 2003. A Folha de S. Paulo deu manchete, no sábado (28/6) com o provável impacto nos aluguéis e tarifas de 2009.
No dia seguinte, o Estado de S.Paulo deu um passo adiante, chamando a atenção para o risco de um novo surto de indexação. Citado na matéria, o coordenador de Análise Econômica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros, mencionou as negociações salariais como possível fator de realimentação dos preços. O país, segundo ele, está num ‘estado de pré-inércia inflacionária’.
Categorias preguiçosas
Os brasileiros adultos na época do Plano Real, no meio dos anos 1990, conheceram bem a inflação inercial. Durante décadas, a correção monetária automática jogou a inflação de um período para o período seguinte. Com o crescente piora do quadro, os períodos de correção tornaram-se cada vez mais curtos, passando de anuais a semestrais, depois a trimestrais e assim por diante. Alguns valores chegaram a ser ajustados diariamente.
O Banco Central alertou para o risco de uma nova espiral preços-salários-preços-salários etc. em seu Relatório de Inflação, divulgado na quarta-feira (25/6). Esse relatório, produzido trimestralmente, contém um panorama da economia brasileira, uma boa descrição do cenário internacional e projeções de preços, atividade e contas externas. De modo geral, os jornais deram bom espaço às novidades contidas no documento, principalmente às estimativas da inflação e da conta corrente do balanço de pagamentos, mas não realçaram a advertência sobre a espiral.
Acabaram entrando no assunto por outro caminho, porque na mesma semana saíram os novos dados do IPCA e do IGPM. A discussão sobre a política antiinflacionária também tem mudado. Já não há muita controvérsia quanto à importância da demanda interna (a soma de consumo privado, investimento privado e gasto governamental) como fator de alimentação de aumentos e de repasses.
Numa entrevista a Miriam Leitão, os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gustavo Loyola concordaram quanto à necessidade de conter a demanda. Só discordaram seriamente em relação a um ponto. Belluzzo defendeu, contra a opinião de Loyola, um controle mais ativo do crédito.
Os dois apresentaram argumentos ponderáveis e sua divergência não se explica pela oposição entre ortodoxia e heterodoxia, entre monetarismo e desenvolvimentismo, categorias ainda usadas preguiçosamente em boa parte do material publicado. O desacordo entre os dois economistas, quanto ao controle do crédito, foi baseado essencialmente em considerações de eficácia.
Inflação desembestada
De algum modo, todo o material mais importante da semana envolveu o tema dos preços. Na quinta-feira (26), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou os dados mensais de emprego e renda nas seis maiores áreas metropolitanas. O desemprego apurado – 7,9% – foi o mais baixo para um mês de maio, desde 2002. Mas o rendimento médio real do trabalhador ocupado foi 1% menor que em abril.
Todos perceberam a informação implícita e o Globo resumiu em manchete a notícia positiva e a negativa: ‘Desemprego cai, mas inflação já causa diminuição de renda’. De modo geral, os grandes jornais souberam tratar com equilíbrio as duas informações.
A imprensa procurou também antecipar a meta de inflação para 2010. O novo alvo seria fixado na reunião do Conselho Monetário Nacional, marcada para segunda-feira (30). Tanto em matérias noticiosas quanto em comentários discutiu-se a conveniência de se manter 4,5% no centro da meta.
A maior parte dos editores, pauteiros e colunistas teve a experiência da inflação desembestada, conheceu vários planos de ajuste e sabe o suficiente para avaliar o tema da alta de preços. É razoável esperar uma cobertura atenta e cuidadosa do assunto.
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Jornalista