“É a pior forma de governo, salvo todas as demais.” Quem ofereceu este diagnóstico sobre o sistema democrático foi um campeão no combate contra o nazifascismo, a mais infame tirania dos últimos 500 anos: Winston Churchill, em 11 de novembro de 1947, há quase 66 anos.
Os seis ministros do Tribunal Superior Eleitoral que vetaram a criação de mais um partido, a Rede Sustentabilidade, cumpriram estritamente o ritual da legalidade: a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva não conseguiu o número mínimo de assinaturas exigidos pelos estatutos eleitorais. Faltaram 50 mil. A letra da lei não pode ser desrespeitada, esta é uma cláusula pétrea do Estado de Direito.
Os radicais do Partido Republicano que controlam a Câmara dos Deputados dos EUA têm o direito de impedir o aumento do teto da dívida pública, de exigir a revogação do plano de saúde do presidente Obama, de levar o país ao calote e a uma recessão ainda maior do que a de 2008. Foram eleitos num pleito livre, controlam uma das câmaras legislativas e o equilíbrio entre os poderes é um dos pilares do sistema representativo.
E, no entanto, esses dramáticos episódios exibem de forma clara e perturbadora as penosas contradições da democracia quando a obediência às leis nas instâncias máximas passa ao largo das ilegalidades e aberrações instaladas em sua base.
Triunfo do fascismo
O símbolo da justiça deveria mudar, mais apropriado substituí-lo pela jarra de água para lavar as mãos. Os meritíssimos do TSE alegam que não cabe a eles verificar a validade das assinaturas, o questionamento dos cartórios eleitorais deve ser feito de baixo para cima – pelos líderes da agremiação que pretendem fundar ou pelos eleitores cujas assinaturas foram embargadas. Correto: porém o mesmo sistema cartorial e a máquina burocrática onde se aninha acabam de aprovar, sem restrições, em uma incrível coincidência, a criação de dois novos partidos, o PROS e o Solidariedade, um deles ostensivamente pró-governo, o outro intransigentemente solidário com o poder.
Uma minoria fanática, irresponsável, pode levar uma poderosa democracia como a americana à beira do abismo. Os radicais do Tea Party abominam o Estado, endeusam o mercado, acreditam que só ele é capaz de reparar injustiças. A maioria dos despossuídos e remediados sabe que não é verdade, sujeitam-se. A chantagem que a direita está fazendo com o presidente Obama ao exigir que abra mão da implantação do seu plano de saúde em troca da ampliação do teto da dívida é uma das maiores imoralidades que a democracia já ofereceu.
André Malraux, brilhante intelectual, combatente antifascista em diversas frentes e ministro da Cultura da França, na mesma época também debruçou-se sobre os sistema políticos: “Vi as democracias intervirem contra quase tudo. Menos contra os fascismos”. Ele sabia o que dizia: viu o fascismo triunfar na Espanha e entregar a França ao facínora Hitler.
Calendário do voto
A derrota de Marina Silva e de seus “sonháticos” frente aos pragmáticos não é propriamente ideológica. Candidata à Presidência da República pela Rede, a ambientalista evangélica – tão intransigente em matéria de ética e coerência que não consegue adaptar-se ao jogo político – teria condições de enfrentar a herdeira do imbatível Lula da Silva.
A democracia dará a última palavra. Se não agora, para 2014, certamente em 2018. Churchill e Malraux, nos seus respectivos ceticismos, não levaram em conta a inexorabilidade do calendário eleitoral.