Não foi por acaso que, fazendo uma pesquisa na rede, ao buscar dados sobre o documento ‘Uma nova agenda para a educação pública’, anunciado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em agosto de 2007, cheguei à matéria publicada no último sábado (16/5), na revista IstoÉ, ‘Computadores sob suspeita‘.
A reportagem denuncia que o megaprojeto ‘Computador na Escola’ corre o risco de ‘travar’ em função de irregularidades em licitações investigadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pela Polícia Federal (PF) na Operação Mainframe. Segundo a revista semanal, a CTIS, empresa vitoriosa na disputa para o fornecimento dos computadores, é acusada pela Polícia Federal de liderar o maior cartel de informática do país.
A Secretaria de Educação publicou em seu site uma resposta à IstoÉ (ver aqui), em que evoca seu direito enquanto citada de se pronunciar na matéria. Afirma que o contrato é regular e legal e que…
‘…a contratação do consórcio Educat, que fornecerá por aluguel computadores e softwares pelo período do contrato, não é objeto de investigação. O Tribunal de Contas do Estado analisa o referido contrato em procedimento de rotina, por força de seu valor. Além disso, é equivocado afirmar que o contrato tem valor de 1,5 bilhão de reais e apenas 400 milhões de reais serão utilizados no programa Computador na Escola. Esse último valor é o teto do contrato, válido por 48 meses, e foi amplamente divulgado na mídia quando de sua assinatura, em março último. O valor de 1,5 bilhão de reais é, portanto, mais um dos erros da reportagem’.
Práticas educativas
O que menos interessa aqui é entrar em pormenores do bate-boca da secretaria com a revista. O fato é que a matéria evoca mais um dos casos de entrada das mídias – e de seus discursos, valores, relações políticas – na escola de forma oculta.
De acordo com a IstoÉ, o programa ‘Computador na Escola’ é uma das metas mais ambiciosas do governo paulista e consiste em equipar com computadores os quase quatro mil colégios estaduais de São Paulo, que atendem cerca de cinco milhões de alunos. Isso tudo, segundo a revista, pode custar cerca de R$ 1,5 bilhão. A reportagem afirma que só os contratos para a locação de 100 mil microcomputadores têm um custo estimado em R$ 400 milhões.
As tramas da rede são – às vezes – inexplicáveis. Alguns atribuem a isso seu caráter fascinante. A gente entra, cai nos seus links e viaja por relações que não conseguiríamos fazer por conta própria. Seria o mesmo princípio da imaginação humana. Por vezes, nos deixamos passear e chegamos a caminhos que desvirtuam nosso pensamento.
Mas no caso desta minha pesquisa, fui mais pragmática em relação aos sentidos das conexões da internet. Não foi o acaso que me levou à matéria. O projeto de modernização das escolas paulistas é parte integrante de um projeto mais amplo que vem sendo construído desde 1995 pelas gestões do PSDB à frente do estado.
Basta entrar na página do governo estadual, na seção ‘Trabalhando por você’, que traz as metas da gestão até 2010. No tema ‘Educação’, de seis chamadas que havia no site no domingo (17/5), quatro versavam sobre propostas de modernização das escolas, do ensino e das práticas educativas. Uma delas dizia ‘Acessa Escola promove inclusão digital na capital’. Outra, ‘Modernização de escolas pode motivar alunos’. E ainda: ‘Computador do Professor: Objetivo é ajudar classe a adquirir notebook de qualidade com preço baixo’. Por fim, ‘Secretaria lança o Sempre. Pronto-atendimento via 0800 agilizará início de obras nas escolas’. É ou não é a tecnologia a serviço da qualidade na educação? Um discurso extremamente plausível.
Bem na foto
Mas qual o preço desta modernização? O que está por trás dela? Por enquanto, a lógica do ‘choque de gestão’ vem custando caro à rede, às escolas, aos profissionais da educação e aos alunos. O dinheiro investido nessa modernização está de fato sendo bem empregado? Ou toda essa modernização está encontrando entraves à sua implantação, porque o discurso é muito bonito mas a realidade, no chão da escola, é outra?
A modernização exige uma agilidade, uma prontidão. E o custo disso é fazer política sem fazer política. Ou seja: políticas públicas de modernização sem debate político, sem participação da comunidade escolar nas decisões, sem discussão para saber quais são as prioridades das redes. Mas é uma modernização que sai bem na foto, que dá visibilidade. E que já está legitimada no senso comum como uma ‘boa ação’, prova de que tal ou qual governo investe de fato na educação.
Condições adequadas
É preciso desnaturalizar esse discurso. O preço dele é muito alto. Um dos preços são as irregularidades averiguadas tanto em relação aos computadores quanto em relação às assinaturas dos jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo, ou à distribuição da revista Nova Escola. A pressa do mundo moderno permite que sejam atropeladas leis e procedimentos?
Aquelas metas estabelecidas em 2007 pelo governo estadual para a educação paulista são o pano de fundo de toda essa ação modernizante. Na base do discurso modernizador, está uma concepção de qualidade que, por um lado, justifica a precarização das condições de trabalho do professorado e, por outro, reforça a responsabilização dos profissionais da educação pelos problemas da educação pública. Afinal de contas, segundo este discurso, os professores estariam despreparados para lidar com o mundo das tecnologias e recursos midiáticos (ver matéria da Folha de S.Paulo ‘Professor sem preparo trava uso de computador em escola‘)
Este mesmo discurso é o que exime a secretaria da necessidade de garantir condições adequadas para o desenvolvimento do trabalho escolar. É o que a promove enquanto grande artífice da modernização e da qualidade da educação, que acompanha os desafios do nosso tempo, enquanto o professorado precisa correr atrás e se qualificar.
Projeto oculto
É importante pontuar que a escola não deve ser antimoderna. Não defendo que o ambiente escolar se isente do mundo marcado centralmente pelas mídias e pela tecnologia. É justamente por que vivemos nesta ‘era digital’ que faz tanto sentido o discurso da modernização.
É preciso pensar nas formas democráticas de garantir esta modernização, com a participação dos profissionais da educação no debate; com a formação destes profissionais para lidar com os novos recursos e com o uso destes recursos de acordo com os níveis e modalidades da educação em que eles podem estar presentes sem comprometer a formação presencial; com regulamentação e legislações que garantam a transparência e a idoneidade nos processos de confecção e contratação de materiais e recursos, entre uma infinidade de possibilidades.
Só não podemos naturalizar a entrada das mídias na escola como se as escolas sem mídias fossem atrasadas. As mídias e as tecnologias na sala de aula não são uma questão meramente técnica. E ainda se fossem, sabemos que as tecnologias não são neutras (e muito menos são as mídias).
A entrada das mídias e tecnologias nas escolas é uma questão política, então devemos politizá-la. Ela não está solta no vento e se localiza em um tempo histórico marcado pelas políticas e reformas neoliberais. Sem fazer esta conexão, vamos seguir permitindo que, disfarçadas de técnica no contexto da modernidade, elas cheguem e levem para as escolas – além de jogos, relações e interesses políticos – um projeto oculto de socialização.
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Jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutoranda em educação (USP), integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e assessora de comunicação da ONG Ação Educativa.