Com o título ‘Lamentável!’, Antônio Ermírio de Moraes escreveu na Folha de S.Paulo (25/05) sobre a realidade educacional no estado mais rico do país. Seu lamento baseia-se no Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), cujos resultados mostram o que já sabíamos: ‘a má qualidade do ensino público em São Paulo’.
Suas frases reforçam a perplexidade: ‘o quadro é escandaloso’, ‘uma calamidade’, ‘a realidade do ensino médio é dramática’. Nosso ilustre empresário detecta na ‘deterioração do respeito humano que reina nas escolas públicas brasileiras’ uma das mais importantes causas da situação calamitosa. Como trabalhar conteúdos, por exemplo, onde falta a possibilidade de convivência entre alunos e professores?
A questão seria de ordem moral, portanto. E de ordem moral, a solução: ‘Faz-se urgente uma grande campanha de recuperação dos valores.’ Uma campanha capaz de envolver toda a sociedade.
Mais do que a palavra ‘valores’, porém, chama a atenção a que a antecede: ‘recuperação’. Subentende-se que outrora esses valores estavam em alta. Subentende-se que na escola do passado esses valores existiam e os professores, respeitados, desempenhavam seu papel.
Número de anos de estudo
Onde estaria esse passado a ser recuperado? No Império, a instrução pública era quase inexistente. O ‘século da escola’ no Brasil, o século 20, viveu uma explosão, um crescimento extraordinário, desorganizado, carregado de contradições e improvisações, planos ideais e fracassos, medidas de emergência e soluções eternamente adiadas.
A partir de meados do século, os problemas materiais e didáticos se tornaram visíveis no fraco desempenho escolar, especialmente em relação à repetência e à evasão. Em 1962, o Brasil era ‘campeão latino-americano’ em abandono escolar e, na repetência, ‘vencia’ apenas o Haiti e a Nicarágua. Três décadas depois, em 1991, a nossa taxa de repetência continuava alta: um terço do total dos estudantes matriculados na educação básica reprovados, ou seja, 9 milhões de estudantes. Em 1998, melhora significativa, apesar dos pesares: 7 milhões e meio.
A educação brasileira foi e continua sendo calamitosa. Alguns dos progressos mais recentes por vezes são tão minúsculos que precisamos de uma lupa. Ao menos são reais! Como a média do número de anos de estudo do brasileiro, conforme quadro abaixo:
Desaprendendo a respeitar
Em 2002, a média total chegou a 6,2 anos de estudo. Em 2003, outro pequeno salto: 6,4 anos. Em 2006, a passo de tartaruga, mas sempre caminhando, chegamos aos 6,8 anos de estudo.
Contudo, os números devem ser esmiuçados, pois podem ocultar a realidade. Dados de 2007 mostram que para os 20% dos brasileiros mais ricos a média de estudo é de 10 anos, ao passo que entre os 20% mais pobres, a média é de apenas 3,9 anos.
Pesquisas e teses hão de explicar esses e outros números. E se é preciso falar de respeito, seria bom lembrar que, antes de serem desrespeitados pelos alunos, os professores foram lamentavelmente desrespeitados inúmeras vezes pelo poder público. Também os alunos mais pobres, a maioria, foram desrespeitados durante décadas, de mil e um modos.
E quem não é respeitado perde a noção do respeito. Desaprende a respeitar os outros e a si mesmo.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br