Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa no papel de vítima

Em meio ao noticiário sobre a disputa eleitoral, a imprensa brasileira deixou em segundo plano a 70ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa, que se realizou entre os dias 17 e 21 deste mês, em Santiago, no Chile. Algumas notas ao longo da semana reproduziram discursos e a tradicional “resolução” final, que costuma resumir os relatórios feitos pelas entidades nacionais que representam as empresas de comunicação.

O relatório brasileiro registra que a situação da liberdade de imprensa apresentou uma melhoria em relação ao levantamento do ano anterior, “posto que nenhum caso de assassinato de profissional de imprensa foi registrado”. Mas o mesmo não se pode dizer sobre episódios de agressão – foram 48 anotados entre abril e setembro deste ano.

A leitura do documento mostra que a maioria dos casos se refere a hostilidades, ameaças ou arbitrariedades cometidas por policiais, quase todos ocorridos em meio a tumultos, greves ou manifestações de protesto. O relatório da imprensa brasileira também registra casos de censura judicial relacionados aos períodos eleitorais. Foram 138 pedidos de retirada de conteúdo de 11 empresas jornalísticas, por via judicial, que a SIP considera como atos de censura, quase todas decisões de juízes de primeira instância, reformadas pelas instâncias superiores do Judiciário.

O relatório detalha apenas sete desses casos; foram enquadrados o jornal Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul, duas vezes; o Sistema Beija-Flor de Comunicação, do Amapá; o jornal O Paraense, de Belém; a revista IstoÉ; o site Consultor Jurídico e o site Veja.com.

Para a instituição que representa a imprensa no continente americano, tudo é censura, inclusive determinações judiciais sobre direito de resposta e medidas da Justiça para coibir casos de injúria e difamação. Toda ação de controle dos abusos da imprensa é considerada censura, mesmo quando um jornal ou emissora de rádio ou TV pertencente a determinado candidato passa a atuar como extensão do comitê de campanha, ou quando uma revista de circulação nacional se transforma em panfleto político.

Medo do controle social

Agora, vamos a outra interpretação possível do relatório sobre a situação da imprensa brasileira em 2014. Conhecendo o teor do documento, qual seria a síntese que o leitor atento faria de seu conteúdo?

Seria razoável que os primeiros parágrafos comemorassem a redução da violência contra jornalistas, mesmo porque o período compreendido pelo relato é posterior ao das manifestações que paralisaram as principais cidades do Brasil a partir de 2013. Em segundo plano, também era esperado que aumentassem os casos de tentativa de controle do noticiário durante disputas eleitorais, porque nesses períodos também aumenta a manipulação dos fatos em favor deste ou daquele candidato.

O relatório da SIP começa registrando que nenhum jornalista brasileiro foi assassinado em 2014, fala da queda no número de agressões a jornalistas e depois se refere às ações judiciais contra empresas de mídia. Mas em seguida, sem qualquer relação entre os assuntos, passa a atacar o governo federal.

O texto diz o seguinte, no terceiro parágrafo:

“Após uma série de denúncias da imprensa sobre corrupção envolvendo a maior empresa estatal brasileira – a Petrobras – membros do partido do governo passaram a falar em ‘golpe midiático’ e ‘conspiração midiática’ para influenciar o resultado eleitoral no Brasil. A presidente Dilma Rousseff se reuniu no dia 13 de outubro com movimentos sociais que exigem uma reforma política que inclui o chamado ‘controle social da mídia’. Em entrevista a blogs, ela confirmou que, se reeleita, pretende fazer no segundo mandato uma ‘regulação econômica da mídia’, o que abriria caminho para intervenções do governo sobre os meios de comunicação livres”.

O Estado de S. Paulo publica na quinta-feira (23/10) um editorial intitulado “Imprensa livre sob ameaça”, no qual destaca esse trecho do relatório.

Então é assim: a mídia tradicional, transformada em corporação política, atua sobre a agenda pública com um viés partidário sem disfarces. Diante da possibilidade de ver frustrada mais uma vez sua tentativa de controlar o poder central, se faz de vítima.