Os meios de comunicação de massa (MCM) só existem através de sua realização em sociedade. Os processos desencadeados pela sua atuação no cenário social não terão reflexo senão nos indivíduos que compartilham desse mesmo ambiente. A afirmação, que aparentemente parece natural, é constitutivamente complexa e fundamental para a compreensão da realidade social, que passou por profundas rupturas proporcionadas principalmente pela formação e desenvolvimento da sociedade capitalista.
A realidade social existe independentemente de nossa vontade, mas os mecanismos utilizados por cada sujeito para realizar a sua apreensão na tentativa de um consenso quanto à sua objetividade é que se configura numa problemática que é cada vez mais abrangente e se realiza em torno de duas dimensões fundamentais para o reconhecimento da existência de um mundo: o tempo e o espaço.
Dessa forma, é possível perceber que a presença do indivíduo nessas dimensões o coloca numa experiência de interação social que, principalmente a partir do desenvolvimento dos suportes midiáticos (rádio, TV, revistas, jornais, cinema etc.), passou por uma problematização conceitual ainda mais profunda. É preciso ressaltar que o desenvolvimento dos MCM acompanhou as demais modificações ocorridas na sociedade, como o desenvolvimento industrial e as conseqüentes alterações urbanas e nas relações de trabalho, a racionalização dos valores humanos, a penetração do capital na esfera cultural etc. Enfim, não foi um processo isolado, mas um acontecimento dinâmico e relacional que também contribuiu para rupturas no espaço público.
Abrangência restrita
Contudo, a interação face-a-face, que nas comunidades tradicionais era proporcionada por uma experiência comum e considerada a mais importante expressão da interação social, passa a compartilhar esse espaço público com um novo conceito de interação onde os atores sociais participam do espaço e do tempo em situações cada vez mais distintas, o que produz a reunião de indivíduos com expressivas diferenças de experiência de vida através da mediação dos aparatos tecnológicos de comunicação. Neste sentido, não há como respeitar as diferenças, discussão tão em voga atualmente, sem considerar a importância e a influência dos meios de comunicação de massa nesse processo.
As alterações no modo de como os indivíduos passam a compartilhar o mundo refletem em transformações sociais acentuadas na medida em que sujeitos que antes, em comunidades tradicionais, só tinham acesso a experiências partilhadas em comum num mesmo espaço físico, agora, com o advento da mídia e das novas tecnologias de informação, estão expostos às mais diversas formas de representações sociais difundidas em espaços e tempos distintos. Dessa forma, a partir dos séculos 19 e 20, instituições, representantes políticos e diversos grupos e segmentos sociais foram capazes de expor suas idéias diante de um número considerável de pessoas nos mais diferentes lugares do mundo. É suficiente salientar que a tomada desses séculos como marco não desconsidera a existência de publicações datadas do início do século 16 ao século 19, porém esse material impresso não tinha uma abrangência comparável ao que acontece atualmente, principalmente devido ao número elevado de analfabetos existentes naquela época na Europa moderna, restringindo o público leitor às elites urbanas, aos altos escalões da Igreja e do Estado. A sociedade dos dois últimos séculos não descobriu a comunicação, apenas a problematizou e complexificou seu desenvolvimento e suas conseqüências.
Tempo de exposição
A publicidade dos acontecimentos sociais, que antes estava restrita ao compartilhamento de experiências presenciais dos sujeitos, com a emergência dos MCM toma uma nova configuração e passa a operar de forma distinta em diferentes campos, principalmente o político, o econômico e o cultural. Dito isso, não podemos reduzir a explicação do real ao que é experimentado e divulgado pela mídia, mas também é necessário compreender que, apesar desses acontecimentos pertencerem a outros campos, para se tornarem conhecidos por um grande número de pessoas é preciso que passem pelo campo midiático. Além disso, devido ao lugar contemporâneo na construção e mediação do real, os indivíduos e instituições conferem indiscutível importância aos MCM e, sendo assim, para que um fato social seja credenciado e assuma o estatuto de realidade é fundamental que ele faça parte da agenda da mídia. A mídia não é responsável, por exemplo, pelos desmandos políticos que acontecem em nosso país, pois estes existem independentemente da mídia, mas ela participa do processo de abordagem e divulgação desses acontecimentos, influenciando no processo interpretativo da recepção.
Nesse aspecto, a interdependência com outros campos e a reconstrução da dimensão do real através da utilização de suportes midiáticos atrai para a mídia pressões inerentes ao modo de produção capitalista e obedientes à lógica mercadológica. Pois a mídia contribui para o estabelecimento de contratos sociais e conseqüente eleição dos representantes da sociedade civil, assim como para o agendamento de temas a serem discutidos, a criação de imagens públicas, composição de atmosferas sociais, divulgação de produção simbólica e etc. Sendo que a cada abordagem factual dos meios de comunicação é destinado um tempo de exposição específico e as apresentações se dão a partir de um foco previamente estabelecido e de fatos previamente selecionados que serão responsáveis pelo alcance do índice de audiência desejável.
Valores e crenças
Por certo, a exposição de diferentes formas e representações do social pela mídia acontece diante dos atores sociais e num ambiente onde serão formulados os múltiplos entendimentos e significados acerca do mundo. E é nesta seara que agem os sistemas simbólicos difundidos pelos MCM, dando visibilidade a fatos sociais pré-selecionados e interferindo no modo de como os sujeitos percebem o que está acontecendo ao seu redor em situações que fogem do alcance dos seus olhos.
Sendo assim, há nos meios midiáticos processos de elevada complexidade e que estão sendo alvo de investigações científicas que tentam demonstrar uma possível separação entre o mundo que contém os fatos do cotidiano e o mundo imaginário. Mas os elementos que representam os dois mundos são sustentados por representações coletivas baseadas em valores, comportamentos e modos de pensar da sociedade. Dessa forma, os discursos produzidos e divulgados pelos meios de comunicação são conseqüência de uma relação dialógica entre aquilo que a sociedade apresenta e o que é revelado no interior da mídia, o que corrobora para a assertiva de que há uma relação simbólica intimamente construída que satisfaz, de alguma forma, a tese de que a mídia se apóia na realidade vivida pelos sujeitos para depois recriá-la.
A partir dessa concepção relacional entre a mídia e os fatos sociais, pode-se salientar que o papel dos meios de comunicação vai além da simples narração fatídica. A reprodução social não requer apenas a reprodução das condições materiais da vida social, mas também a reprodução de valores e crenças socialmente partilhados que podem influenciar as ações e as atitudes dos indivíduos.
Disputas de poder
Com a expansão prodigiosa das modernas tecnologias da comunicação e do campo midiático, o alcance dessas reproduções acontece de forma considerável, fazendo com que, a cada instante, os entes sociais convivam cada vez mais com construções simbólicas organizadas e difundidas pelos meios de comunicação de massa. É necessário ressaltar que nesta seara em que ocorrem esses processos os mecanismos de apropriação do real utilizados pela mídia são complexos e não escapam da interferência dos próprios meios sobre os fatos sociais. Pois, como já foi dito anteriormente, trata-se do estabelecimento de um diálogo, quase que tácito, onde são postas à mesa relações que condicionam o modo como os sujeitos tomam ciência dos acontecimentos, dos problemas sociais emergentes, da realidade circundante.
Portanto, a intervenção da mídia no processo de reconstrução da realidade social não acontece de forma transparente, perceptível aos olhos de um observador comum. É um processo erigido e sustentado por tensões que proporcionam amplos desdobramentos no curso da vida social.
Todo o esforço realizado pela mídia para que suas construções simbólicas pareçam o verdadeiro reflexo do real é um processo que envolve tensões sociais, conflitos internos e externos, uma relação de poder com a participação dos diversos atores que dialogam com os meios de comunicação e que vai resultar no material divulgado, mas não quer dizer que as disputas se encerraram e que houve um vencedor. As disputas de poder são constantes e a cada momento é evidenciado um parâmetro ideológico para que elas ocorram e não se esgotem.
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Graduado em Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb)