Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A regulamentação das emissoras comunitárias

Introdução

Esta monografia é fruto de inquietações acerca da maneira como as rádios comunitárias são operadas no Brasil. Produto de uma luta de cerca de 20 anos, a regulamentação das estações comunitárias no país é uma conquista dos segmentos populares que entenderam que essas emissoras podem contribuir, e muito, para o desenvolvimento de pequenas localidades.

A nossa pesquisa baseou-se num estudo de caso. Uma estação do tipo, que tem concessão de funcionamento desde o ano de 2002, na cidade de Picuí-PB, serviu como modelo para a nossa avaliação.

Delimitamos a nossa abordagem nos seguintes eixos: análise da existência de comercialização de espaços na emissora comunitária sob estudo; verificação da quantidade de programas pagos na sua grade de programação; quantificação do número exato de anunciantes comerciais da emissora; projeção do rendimento ilegal da rádio comunitária e análise da forma de controle da estação por uma pessoa não autorizada legalmente.

Para a consecução da nossa proposta, gravamos por cinco dias, as transmissões da rádio comunitária Sisal FM. Os registros de áudio foram feitos entre as 6 horas e 30 min., e às 22 horas em ponto dos dias 27, 28, 29, 30 e 31 de outubro de 2008. Também analisamos a programação da emissora publicada no sítio eletrônico ‘Picuí minha terra’ (www.picuiminhaterra.com.br) e comparamos as gravações ao que encontramos no endereço citado.

Para fazermos a projeção do rendimento da Rádio Sisal FM, levamos em conta a somatória de alguns contratos obtidos junto a pessoas que mantiveram programas na estação comunitária. Feitos os cálculos, indicamos uma primeira projeção global de rendimento.

Para a projeção do rendimento com anúncios comerciais, procedemos de maneira semelhante a anterior e obtivemos a segunda projeção global. A soma das duas projeções nos deu a projeção global total.

Quanto à seqüência argumentativa da presente monografia, dividimos o texto em três capítulos: o primeiro contextualiza a história das rádios comunitárias, suas generalidades e características do meio, bem como as primeiras emissoras no Brasil e os sistemas de alto-falantes que as antecederam na década de 1980. No segundo capítulo abordamos a problemática que cerca as rádios comunitárias no País, o processo de legalização, as atribuições das emissoras do tipo, as principais infrações, a instrumentalização dos veículos comunitários, a participação, gestão coletiva e a gratuidade que devem estar presentes no contexto das rádios comunitárias e, ainda, a questão do conceito de apoio cultural. No terceiro e último capítulo está o estudo de caso. Ancorada nas assertivas dos capítulos anteriores, a nossa proposta metodológica se desenvolve e é subdividida em três momentos: o primeiro é um breve histórico da Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão comunitária; o segundo é a análise dos programas pagos batizados de apoio cultural e, o último é o exame das propagandas comerciais disfarçadas de apoio cultural.

Capítulo 1

Contextualização histórica das Rádios Comunitárias

‘Enquanto o tempo acelera e pede pressa

Eu me recuso, faço hora, vou na valsa’ (Lenine)

1.1 – Generalidades

A história das rádios comunitárias no país é marcada por debates e desentendimentos entre Estado, empresários da comunicação e sociedade. O Estado defende o monopólio da comunicação. Os empresários, a comunicação como um produto à venda e restrito à classe dominante. A sociedade, por meio dos movimentos sociais, afirma ser a comunicação um bem que dever ser partilhado e refletir as necessidades do povo.

A comunicação comunitária não se diferencia, do ponto de vista da técnica jornalística, da comunicação de massa. As técnicas que permeiam a comunicação comercial, como sonoras, vinhetas, spots e jingles, por exemplo, devem ser usadas na comunicação comunitária. A diferença entre uma e outra está na produção das mensagens.

Na comunicação comunitária a produção é horizontal. Quem é receptor pode torna-se emissor e vice-versa. É com esse pensamento que devem ser norteadas as programações das rádios comunitárias. Embora haja distorções na prática, do ponto de vista teórico, este deveria ser o fazer comunicativo entre as emissoras ditas comunitárias. Rádio comunitária precisa produzir informação comunitária.

Uma rádio comunitária é um ambiente voltado para a inclusão das mensagens dos segmentos populares nas ondas do dial. Quem não tem espaço na grande mídia, preocupada com acontecimentos econômicos e políticos de grandes proporções, tem, nas estações comunitárias, a chance de ouvir coisas que lhe diz respeito diretamente e, ainda, de ser ouvido por quem lhe é próximo.

Há algumas nomenclaturas que designam as rádios comunitárias. Todas, no entanto, referem-se ao mesmo tipo de proposta de comunicação. Um desses termos, porém, enquadra as rádios comunitárias como um tipo ilegal de comunicação, que afronta a integridade jurídica de outros meios. São os donos das empresas de comunicação que se referem às emissões comunitárias pelo termo ‘pirata’.

Contrapondo-se ao termo ‘pirata’, surgiu o vocábulo ‘rádio livre’. Ferrareto (2001) afirma que o termo rádio livre é usado em oposição à palavra pirata, preferida pelos empresários do setor de radiodifusão. Para os articulistas dos movimentos populares, são livres as iniciativas comunicacionais que não compartilham das amarras que circunstanciam as emissões da grande mídia, comprometidas com o capital e com o controle social das suas audiências.

A expressão ‘rádio pirata’ surgiu de uma iniciativa ousada. Na década de 1950, para desvencilhar-se das limitações legais impostas pela Inglaterra às transmissões radiofônicas independentes, as rádios eram instaladas em barcos que emitiam as irradiações em águas internacionais.

A expressão rádio pirata (…) origina-se das primeiras emissoras instaladas em barcos na costa da Grã-Bretanha no final dos anos 50. Fora das águas territoriais, transmitiam em direção ao Reino Unido, tentando furar o bloqueio imposto pela legislação. Os radialistas erguiam bandeiras piratas para identificar suas embarcações de onde surgiria esta denominação. (Ferrareto, 2001, p. 186)

Os termos foram, aos poucos, evoluindo conforme o processo histórico das rádios de baixa potência. Até hoje, ainda são chamadas de piratas pelos donos da mídia nacional. Para os movimentos sociais, elas são comunitárias. Peruzzo (1998, p. 7) assevera essa dualidade:

Dessa dinâmica surge a expressão rádio comunitária. Porém, pelo que pudemos observar com este estudo, são chamadas dessa maneira apenas por seus idealizadores e simpatizantes. Para seus opositores, para cujo pensamento a grande mídia proporcionou grandes espaços, elas são ‘rádios piratas’, ou clandestinas. Essas expressões estão carregadas de conotações ideológicas. Quando são chamadas de comunitárias normalmente se lhes atribui um caráter público. São vistas enquanto engajadas nas atividades comunitárias e, portanto, portadoras de potencial para contribuir para o desenvolvimento social e na construção da cidadania. Ao serem taxadas de piratas elas são tidas como ilegais, invasoras e perversas.

1.2 – Características do meio

Há algumas características que devem ser consideradas para que uma rádio seja, de fato, chamada de comunitária. Cicilia Peruzzo (1998) lista as seguintes: 1. diversificação dos meios; 2. apropriação de meios e técnicas; 3. conquista de espaços; 4. conteúdo crítico; 5. autonomia institucional; 6. articulação da cultura; 7. reelaboração de valores; 8. formação das identidades; 9. mentalidade de serviço; 10. presença da memória; 11. democratização dos meios e conquista da cidadania.

1. Diversificação dos meios. A delimitação teórica da autora insere-se no contexto amplo que norteia a comunicação comunitária. Os meios de comunicação desta categoria podem se valer de vários instrumentos para chegar à sua audiência (panfleto, jornal, CD, DVD, fotografia, alto-falante, rádio comunitária). Aí reside o primeiro ponto listado acima.

2. Apropriação de meios e técnicas. Depois temos que atentar para a necessidade da conquista do meio e do domínio da técnica para a veiculação dos produtos midiáticos comunitários. A comunicação comunitária não pode ser realizada de qualquer forma. Um jornal deve conter as técnicas editoriais consagradas nos manuais de redação e estilo: pirâmide invertida, lead, sonora, off, etc. Numa rádio comunitária, as equipes de produção devem saber essas técnicas e adaptá-las para a realidade da radiodifusão. Também devem saber quanto custa a produção de notícias, a manutenção de uma rádio e compreender a logística que envolve as atividades comunicacionais.

3. Conquista de espaços. Denota a necessidade de luta por lugares na mídia. A inserção de mensagens em meios de massa, a concessão pública de freqüências moduladas, são exemplos dessa dimensão apresentada. A própria autora se explica:

A comunicação popular consegue lugar nos meios massivos, para divulgar informações dos movimentos e apresentar programas elaborados em seu âmbito. Trata-se aqui de uma conquista, porque na realidade os espaços não foram doados, mas descobertos e alcançados num processo de luta, a partir da constatação de uma necessidade e da possibilidade de sua viabilização. Em alguns casos, os movimentos chegam mesmo a ter seus veículos próprios, mediante concessão oficial. (Peruzzo, 1998, pp. 155-156)

Para ilustrar a assertiva da autora tomemos como base o vídeo Falcão – meninos do tráfico. Produzido por MC Bill, cantor de rap da Favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. O documentário foi exibido pelo programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, a partir de19 de março de 2006:

A primeira transmissão, um especial de 58 minutos, correspondeu à metade do programa descontando-se os comerciais. Foi exibido em três blocos, sendo interrompidos apenas por intervalos. Desde 1973, o Fantástico nunca havia dedicado tanto tempo de sua programação à uma produção independente. (Wikipédia, 2007)

TV Câmara e Globo News também exibiram o documentário produzido por MC Bill, através da Central Única das Favelas (CUFA), nos dias 25 e 27 de março de 2006, respectivamente. A repercussão do trabalho fez com que, em 23 de março, o produtor do vídeo fosse recebido no Palácio do Planalto pelo Presidente Luiz Inácio da Silva.

4. Conteúdo crítico. Este ponto evocado por Peruzzo, também está contido no exemplo dado acima e caracteriza-se pela presença de uma dimensão na qual a realidade local está inserida nos contextos simbólicos da comunicação comunitária, nas transmissões das rádios comunitárias, se este for o veículo utilizado pelas pessoas da localidade. A análise crítica das necessidades que envolvem a todos circunscreve o que se pretende contemplar no que ela chamou de conteúdo crítico.

5. Autonomia institucional. Os meios de comunicação massivos são presos às interferências econômicas dos seus financiadores. Por isso, a ordem institucionalizada é a mercantilização dos conteúdos. Vão ao ar os anúncios publicitários, veiculados em forma de propaganda comercial ou, mais perigosamente ainda, mensagens enlatadas subjetiva e ideologicamente, dentro dos produtos midiáticos intitulados de informativos.

O mundo empresarial constitui hoje o principal vetor de informações do planeta. Gasta cerca de 500 bilhões de dólares por ano em publicidade, e com isto assume uma presença dominante no próprio conteúdo das informações, pela influência que exerce nos meios de comunicação. O resultado prático é que somos literalmente inundados por mensagens repetitivas destinadas a influenciar comportamentos aquisitivos, mas muito pouco informados sobre os produtos, sobre as empresas, sobre a própria responsabilidade social e ambiental do mundo econômico. (Dowbor, 2004. p. 9)

Romper essa tendência passa ser um compromisso das rádios comunitárias. O que é levado ao ar, deve, verdadeiramente, ser de interesse da audiência do veículo. O conteúdo irradiado tem de ser independente e, essa liberdade, deve ser buscada, com vigor, para nortear a linha editorial da emissora. Isso é autonomia institucional.

6. Articulação da cultura. Artistas locais, como cantores, pintores, poetas e, ainda, as metodologias medicinais próprias da cultura popular, merecem também, inserção nas programações das rádios comunitárias. Esse conjunto de habilidades e vocações é o conteúdo endógeno do povo de uma localidade, bairro, favela, cidade. Ele precisa está integrado à comunicação que se pretende fazer numa estação comunitária.

7. Reelaboração de valores. Convém destacar que o receptor, nas rádios comunitárias, pode transformar-se num emissor. Não há a unidirecionalidade da mensagem como nos meios massivos. A velha estrutura emissor-código-mensagem-receptor, ganha novos contornos e, esta ordem comunicacional, não é uma regra intransponível dentro da programação comunitária de uma rádio. A reelaboração dos valores indica a mutação desse paradigma e, quem está no ponto final da comunicação (receptor) pode reconfigurar a sua postura e se deslocar para a outra ponta da mensagem, transformando-se assim num emissor dos conteúdos apresentados.

8. Formação das identidades. Nas emissoras comunitárias os assuntos abordados têm ligação direta com a localidade para onde se emite as irradiações. Isso permite ampliar o grau de interesse por parte de quem é alvo dessa comunicação. O interesse de quem ouve as mensagens desperta a vontade em participar da elaboração dos conteúdos, ou até mesmo, na apresentação dessas mensagens. Esse processo, verificado com maior ou menor intensidade nas comunidades, é o que caracteriza essa formação.

9. Mentalidade de serviço. Esse ponto se afina com o que ela chamou de autonomia institucional (item 5). Trata-se do interesse público que reclama a comunicação das rádios comunitárias. O importante para ser levado ao ar é aquilo que tem utilidade para as comunidades. Todos devem ter o direito de ouvir o que lhes interessam e, também, de informar o que acreditam ser de utilidade pública.

10. Preservação da memória. Registrar o que ocorre na comunidade, a mutação do processo histórico, das reivindicações populares, suas lutas e conquistas, seus personagens e desejos coletivos, trazer à tona o que já foi conquistado e contextualizar com as necessidades do presente, engloba a pretensão configurada neste ponto.

11. Democratização dos meios. Característica fundamental das rádios comunitárias e da função social da comunicação, a democratização dos meios significa a ampliação do direito de comunicar que a base da sociedade tem e, infelizmente, não é garantido pelos veículos comerciais. É nas comunidades, conjuntos habitacionais, movimentos artísticos, periferias dos grandes centros que esta democratização faz mais sentido.

O que importa não é o meio de comunicar, mas o que se comunica. O que importa não é a propriedade da emissora ou do jornal, mas a maneira como ela é gerida. O que importa não é a qualidade estética da mensagem, mas quem a produz e como quem a recebe se identifica. O que importa não é o lucro com o anúncio, mas uma forma de dar continuidade àquele projeto. Uma boa rádio comunitária é aquela na qual a comunidade está presente não só na ponta do radinho de pilha, mas também dentro do estúdio ou na assembléia da associação que decide os rumos da emissora. (Görgen, s/d, p. 25)

Essa característica não pode deixar de ser exaustivamente buscada nas rádios comunitárias. A comunicação social é geradora de crises, dissenso, debate. Não há estabilidade política na sociedade. A grande mídia tenta passar a imagem de tranqüilidade dentro dos processos sociais em curso. Porém, é preciso mostrar as instabilidades inerentes às questões sociais.

A omissão do real é característica da mídia de massa. A deformação dos fatos é a meta da lógica de mercado impregnada na comunicação de massa.

(…) A comunicação de massas é um negócio definido pelas convenções e regras, que são estabelecidas pela lógica do mercado, ou seja, ela é uma atividade empresarial como qualquer outra, sustentada pelos aportes da publicidade e da propaganda (…) Dessa forma, qualquer consideração a ser feita sobre os produtos da comunicação de massa deve partir desse seu caráter capitalista essencial: na condição de negócio, ela deve retornar lucro a quem investe em sua produção. (Ferreira, 2003, p. 169)

Nas mensagens dos meios comunitários, onde o rádio é um tipo de veículo, o real consigna a retórica e não pode condescender dessa maneira de agir. A comunicação comunitária, praticada nas rádios de baixa potência no Brasil, precisa ter utilidade para quem a escuta.

É essencial (…) levar em conta, (…) que o cidadão busca informações que iluminem a sua ação. E a ação cidadã se dá em grande parte no universo onde vive, essencialmente na sua cidade, no seu município. É onde as mais variadas informações, sobre quanto dinheiro existe para investir na prefeitura, sobre as necessidades essenciais da população, sobre o potencial sub-utilizado, sobre a qualidade de vida local, podem se transformar em iniciativas práticas e convergentes de líderes comunitários, sindicalistas, empresários, secretários municipais, igrejas, rádios comunitárias e outros atores sociais. (Dowbor, 2004, p. 13)

12. Conquista da cidadania. Ser cidadão significa atuar na sociedade, acompanhar os processos políticos e históricos nos quais se está envolvido. A cidadania requer participação.

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. (Freire apud Melo, 1998, p. 281)

Comunicação de massa tem um único sentido de emissão para suas mensagens. Este sentido é, invariavelmente, do emissor para o receptor. Quem ouve não pode emitir. Conseqüentemente, quem emite não está disposto a ouvir. Impossível haver cidadania nessa relação.

A dimensão cidadã é o ponto forte das rádios comunitárias. É o que forma lideranças, políticos comprometidos com o povo, desenvolvimento social. Homens em silêncio não reclamam os seus direitos. Meios de comunicação distantes da realidade concreta das pessoas, não estimulam a cidadania. É nesse sentido que as rádios comunitárias devem operar.

1.3 O início: primeiras emissoras no Brasil

1.3.1 Alto-falantes

As rádios comunitárias como as conhecemos hoje, bem estruturadas, com computador, microfones modernos, equipamentos de gravação no estúdio, telefone e tudo o que é necessário à sua operação, inclusive concessão pública, nasceram de tecnologias menos modernas e relações conflituosas com o Estado. As emissoras de baixa potência da atualidade são a evolução dos antigos sistemas de alto-falantes ou rádios-poste que povoaram o país na década de 1980.

Elas foram criadas e operadas pelos movimentos populares a fim de divulgar as demandas sociais que envolviam os segmentos menos favorecidos da sociedade. Sindicatos, artistas populares e trabalhadores tinham, nesses veículos, a expressão de reivindicação de suas necessidades básicas.

A transmissão de programas através de alto-falantes, foi, e continua sendo em muitos lugares, o veículo de comunicação a que as organizações comunitárias tiveram acesso para poderem levar suas mensagens aos habitantes de determinadas localidades. São chamados de ‘rádio do povo’ ou de ‘rádio popular’. (Peruzzo, 1998, p. 5)

Há quatro modelos de operação destas ‘rádios do povo’ onde elas ainda existem. O primeiro é administrado pela comunidade de forma que as pessoas do lugar têm acesso ao veículo, cuidam de sua programação, informam e são informadas, externam as suas lutas e reivindicações. Nesse caso, moradores trabalham na rádio-poste voluntariamente e não há cobrança de taxas para o uso da emissora.

O segundo modelo é semelhante ao primeiro. A diferença consiste no fato de poucas pessoas gerenciarem a rádio popular. Enquanto no primeiro há uma gestão coletiva e ampla, no segundo a gestão, mesmo sendo comunitária, é feita por representantes dos segmentos, geralmente não mais do que três ou quatro pessoas.

O terceiro modelo é caracterizado pelo fato de as pessoas que tomam conta da difusora serem motivadas por interesses meramente particulares. Apesar de se colocar no ar as demandas da localidade onde está inserida, seus administradores almejam ascender aos estúdios de rádios comerciais.

No quarto e último modelo, o interesse de quem gerencia a difusora é comercial. A inserção de anúncios, jinlges, informações e todos os produtos midiáticos veiculados na rádio são precedidos de pagamento. Mesmo nesses casos, algumas informações relativas ao lugar onde o sistema de alto-falantes está inserido chegam a ser transmitidas na programação.

Foi e ainda é assim que as rádios comunitárias são criadas no Brasil. A explosão desse modelo aconteceu na década de 1980. São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo, Ceará, Paraíba e os outros estados da federação têm exemplos desse tipo de rádio em sua história.

Em São Paulo podemos citar a criação dos Sistemas de Alto-falantes na Zona Leste. Em 1983 surge o Proconel (Projeto de Comunicação Não-Escrita da Zona Leste II). Em 85 é a vez do Cemi (Centro de Comunicação e Educação Popular) que, em 1987, deu origem a coordenação das Rádios do Povo.

No estado de Pernambuco, em 1984, no bairro de Guabiraba (Casa Amarela), Grande Recife, vai ao ar a Rádio Sabiá, primeira emissora de alto-falantes da capital pernambucana.

Em 1985, no Espírito Santo, nasce a Rádio Popular de São Pedro que, na verdade, era um sistema de alto-falantes do Bairro São Pedro I, em Vitória. Esse sistema evoluiu e se transformou na Rádio Popular de São Pedro em 2 de agosto de 1986.

Na capital do Ceará, Fortaleza, o Sistema de alto-falantes de Iracema funcionava desde 1982. Já em 1987, a própria Prefeitura de Fortaleza estimulou a criação de rádios comunitárias. Em 1988, Mondubim (Acarape), Antônio Bezerra (Conjunto São Francisco), Parangaba (Serrinha), Barra do Ceará (Buraco do Céu), Mucuripe (Jardim Nova Esperança) e Messejana (Lagoa Redonda) foram as localidades cearenses que inauguraram mais seis sistemas de alto-falantes.

Na Paraíba, a cidade de Boa Vista tem uma difusora que opera até hoje. Matéria da TV Paraíba levada ao ar em 14 de janeiro de 2008, mostrou a Difusora Voz do Cariri (DVC). Sua história está se transformando num filme. A rádio de alto-falantes é, até hoje, o único meio de comunicação da cidade. Durante a Ditadura Militar sofreu pressões por causa do nome Voz Libertadora que era usado na época. O locutor da rádio, Moacir Sampaio, chegou a ser interrogado e foi obrigado a mudar o nome da estação. A acusação que pesava contra a Voz Libertadora era de que ela seria comunista. A DVC está no ar desde 1950.

Os sistemas de alto falantes proliferaram-se a partir de 1980. Mas há exemplos que começaram a operar a partir da década de 1940.

Em Muqui (ES), existiu uma emissora desse tipo em 1948 para divulgar as promoções de uma loja. Com o tempo, passou a desenvolver um serviço de utilidade pública. Transmitia música, debate político, jogos de futebol e festas. Em outros municípios do Espírito Santo, como Castelo, Alegre e Guaçui também existiram serviços semelhantes. Com o Golpe Militar de 64 foram extintos. (Peruzzo, 1998, p. 6)

1.3.2 Rádios comunitárias

É nessa conjuntura que, a partir da década de 1970, surgem transmissões radiofônicas independentes e identificadas com as necessidades do povo brasileiro.

No Brasil, as rádios livres começaram a aparecer nos anos setenta, numa época em que o regime militar estava em vigor e os meios de comunicação de massa estavam, de forma predominante, nas mãos de pessoas ou grupos privilegiados com a concessão de canais, por decisão unilateral do Poder Executivo Federal. (Peruzzo, 1998, p. 3)

Ainda de acordo com a mesma autora, nessa época nascia a Rádio Paranóica FM, de Vitória (ES). Em 1976, veio a Rádio Espectro, da cidade de Sorocaba, estado de São Paulo. Em 1978, a RGC-Rádio Globo de Criciúma (SC) também iniciou suas transmissões. A partir de 1985, na cidade de São Paulo, as rádios Totó, Xilik, Livre-gravidade e Trip, povoaram o ‘dial’. Nesse mesmo ano, os bancários da capital paulista operaram a Rádio Teresa. Em 1987, na biblioteca da Universidade Federal do Espírito Santo, os alunos de comunicação social mantiveram no ar, por um mês, a Rádio TX-107,3.

Nos anos 1980 surgiram em São Paulo inúmeras rádios livres. Em 1985, além da Xilik e da Rádio Totó Ternura, havia mais cinco no ar: a rádio Patrulha, de Ermelino Matarazzo, na zona Leste – emissora da comunidade voltada para os problemas do bairro que se iniciou a partir da utilização do sistema de alto-falantes com a programação elaborada pelos próprios moradores do bairro –; a Bruaca, na zona Sul; a Ilapso, na zona Oeste; a Neblina, no município de Guarulhos, e a rádio Tereza. (Nahra apud Nunes, 2004, p. 5)

Na década de 1990, em Piracicaba (SP) nasce a Rádio Livre Paulicéia. Esta emissora era controlada pelos moradores de um bairro da cidade com o mesmo nome da rádio. Através de um centro comunitário, a estação foi criada para mobilizar as pessoas para um mutirão da prefeitura e, em seguida, ganhou vida independente, operando por um ano e oito meses. Tinha potência de 10 watts e a veiculação de programas era gratuita.

Nessa época, na capital paulista, aparece a Rádio Reversão. Fechada pela Polícia Federal em 1991, a estação comunitária tornou-se foi uma referência em produção radiofônica, pelo fato de estimular a participação da comunidade na criação de programas e levar políticos ao seu estúdio a fim de promover debates com os seus ouvintes.

A Frívola City nasceu em 1986. Foi a primeira rádio livre do estado do Rio de Janeiro (Nahra apud Nunes, 2004). Em 90, na cidade de Queimados (RJ), a Rádio Novos Rumos entra no ar. Quase todos os seus programas eram realizados ao vivo. Os religiosos eram produzidos pelas próprias igrejas. Não havia o monopólio da Igreja Católica. Além dessa, batistas e pentecostais tinham espaço na programação. Um dos melhores resultados da atuação da Novos Rumos foi a diminuição da violência na localidade onde estava instalada.

A ‘reforma agrária no ar’, como apelava a Cooperativa de Rádio-Amantes em 1985, defendia a democratização da comunicação radiofônica. Com ela, todas as emissoras criadas por comunidades e sociedade civil organizada, lutavam por uma popularização da comunicação através desse veículo. Em 1995 houve uma explosão do movimento com até 5 rádios sendo instaladas por dia no estado de São Paulo (Janes, 2007, p. 81).

O Brasil acompanhou o ritmo. De acordo com Cogo apud Nunes (2004) no início da década de 1990 foram contabilizadas um total de vinte rádios comunitárias em funcionamento na periferia de Fortaleza.

Foi assim que as rádios comunitárias nasceram e se consolidaram. Hoje há experiências importantes, com esses veículos, espalhadas pelo país.

A Rádio Favela FM 104,5, localizada na favela Nossa Senhora de Fátima, de Belo Horizonte (MG), é uma dessas referências que fortalecem o movimento das rádios comunitárias no Brasil.

Breguês apud Nunes (2004) afirma que a Favela FM é uma das mais importantes experiências de rádio comunitária atualmente em operação. Esta emissora já ganhou dois prêmios internacionais outorgados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2000, na cidade de Milão (Itália), foi a única representante brasileira no Congresso Mundial de Rádios Comunitárias e, o Sindicato de Jornalistas da Alemanha, afirma que a Favela FM é uma revolução nos meios de comunicação da América Latina.

A emissora foi criada em 1981. Associação de moradores e Igreja Católica se uniram, planejaram e deram início às suas transmissões.

O sucesso foi tão grande que a rádio transformou-se na terceira maior audiência de Belo Horizonte. Com uma programação musical variada, um jornalismo realista e com denúncias, a Favela FM conquistou a confiança dos ouvintes. (Nunes, 2004, p. 7)

A Favela FM, pela maneira de atuar junto à sua audiência, pela diversificação de atores que ocupam o seu estúdio, pelo compromisso comunitário intrínseco à sua programação, torna-se uma unidade de medida para a avaliação de outras rádios comunitárias que operam no Brasil.

A realidade da Favela FM é tão importante que a sua história já se transformou em filme. Um drama de 92 minutos, lançado em 2002 pela Quimera Produções e distribuído pela Mais Filmes, conta como foi criada a rádio e o contexto no qual os seus idealizadores viviam.

É uma história de obstáculos, vontade e perseverança, que demonstra a capacidade de realizar que as comunidades têm. Com organização, desinteresse financeiro e vontade de desenvolver-se, o povo constrói os seus instrumentos de reivindicação e consolida-se como categoria que merece respeito e atenção por parte de quem ocupa as instâncias públicas de decisão.

O título do filme é Uma onda no ar, a direção é de Helvécio Ratton. Uma onda no ar recebeu a indicação de Melhor Direção de Arte no Grande Prêmio Cinema Brasil e foi agraciado, no Festival de Gramado, com dois Kikitos de Ouro nas categorias Prêmio Especial e Melhor Ator.

Capítulo 2

Os dilemas inerentes à radiodifusão comunitária

‘A arte de viver se compõe de 90% da capacidade de se enfrentar pessoas que não se pode suportar’.

Samuel Goldwin

2.1 Legalização

A luta pela legalização das rádios livres no Brasil durou cerca de 20 anos. Com o reconhecimento das rádios comunitárias pelo governo brasileiro, através da Lei nº. 9.612 de 19 de fevereiro de 1998, enfim, aquelas emissoras chamadas de piratas pelas rádios comerciais, ganharam um marco legal para a proteção de suas transmissões.

O marco inicial da regulamentação da radiodifusão comunitária aconteceu em 1995, quando o então ministro das Comunicações Sérgio Motta reconheceu publicamente a existência de milhares de emissoras de baixa potência não-outorgadas. Segundo Motta, havia a necessidade urgente de serem criados regulamentos que pudessem tornar tal fenômeno legalmente reconhecido. (Lima e Lopes, 2007, p. 16)

No dia 19 de fevereiro de 1998, a Lei nº. 9.612 foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Porém, o conjunto legal que norteia o funcionamento das emissoras comunitárias não se encerra nessa lei. Em 3 de junho do mesmo ano foi à sanção o Decreto 2.615 que regulamentou a Lei 9.612. Em 7 de agosto de 1998, o Diário Oficial da União publicou a Portaria 191, emitida pelo então ministro das comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros. A Portaria citada aprovava a Norma Complementar no 2/98 e arquivava os pedidos para execução do serviço de Radiodifusão Comunitária retroativos à existência desta Norma.

O quadro abaixo sintetiza, cronologicamente, as publicações dos diplomas legais, bem como a finalidade de cada um deles.

[Tabela 01]

Diplomas legais sobre Radiodifusão Comunitária

Dispositivo legal – Data de Publicação – Finalidade

Lei 9.612 – 19/2/1998 – Define o Serviço de Radiodifusão Comunitária, suas finalidades e princípios.

Decreto 2.615 3/6/1998 – Regulamenta o Serviço de Radiodifusão Comunitária

Portaria 191 6/8/1998 – Aprova a Norma Complementar do Serviço de Radiodifusão Comunitária nº. 2/98 e arquiva as solicitações para execução do serviço de Radiodifusão Comunitária anteriores à publicação da mencionada Norma

Norma 2/98, instituída pela Portaria 191 – 6/8/1998 – Complementa as disposições da Lei nº. 9.612; detalha as regras que cercam a atividade e estabelece as condições técnicas de operação das estações comunitárias

Portaria nº. 83 19/7/1999 – Altera o texto da Norma 2/98 e muda algumas regras da regulamentação do Serviço de Radiodifusão Comunitária como: definição de localidade de pequeno porte, escala de planta de arruamento, residência de dirigentes, manutenção do conselho comunitário, restrição de apoio cultural a estabelecimentos localizados na área de cobertura da rádio, condições técnicas de instalação, separação mínima entre duas estações que ocupam o mesmo canal, aterramento do transmissor, placa de identificação do transmissor, módulo de amplificação de potência e lacre de segurança

Portaria 131 19/3/2001 – Aprova o termo de liberação de funcionamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária

Medida Provisória 2.143-32 – 2/5/2001 – Autorizada a execução do serviço, o Poder Concedente, expedirá licença de funcionamento, em caráter provisório, que perdurará até a apreciação do ato de outorga pelo Congresso Nacional

Portaria 244 8/5/2001 – Aprova a regulamentação do Serviço de Radiodifusão Comunitária, aprovado pelo Decreto 2.615, de 3/6/1998, e o disposto no art. 30 da Medida Provisória 2.143-32, de 2/5/2001

Medida Provisória 2.143-33 31//5/2001 Autorizada a execução do serviço e, transcorrido o prazo previsto no art. 64, §§ 2º. e 4º. da Constituição, sem apreciação do Congresso Nacional, o Poder Concedente, expedirá autorização de operação, em caráter provisório, que perdurará até a apreciação do ato de outorga pelo Congresso Nacional

Lei 10.597 – 11/12/2002 – Altera o parágrafo único do art. 6º. da Lei 9.612 para aumentar o prazo de outorga de três para dez anos

Norma Complementar nº. 1/2004

Complementa as disposições da Lei 9.612 e estabelece o ritual burocrático que os interessados devem cumprir para operar uma rádio comunitária; fixa os parâmetros técnicos para a operação da estação comunitária

De acordo com a legislação mencionada acima, as rádios comunitárias devem assegurar o amplo acesso da população às suas dependências. Isso significa a democratização do veículo, a gestão coletiva do meio, a formação profissional dos atores envolvidos na atividade de radiodifusão comunitária entre outras garantias.

Em 20 de fevereiro de 1988, com a Lei nº. 9.612, as rádios comunitárias passaram a ter existência legal. […] estas emissoras devem atender a comunidade onde estão instaladas, difundindo idéias, elementos culturais, tradições e hábitos locais, além de estimular o lazer, a integração e o convívio, prestando ainda serviços de utilidade pública. (Ferrareto, 2001, p. 50)

Há também uma série de exigências que o Estado faz às emissoras comunitárias. Os deveres impostos pela legislação visam evitar o uso de equipamentos fora das especificações técnicas, a cobertura maior do que 1 Km de raio, os proselitismos, o cerceamento do uso do espaço comunitário pelas entidades sociais locais etc.

A radiodifusão comunitária nasceu oficialmente no Brasil com a Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998. De acordo com essa legislação, seria um serviço de rádios locais de baixa potência (limite de 25 watts) e com cobertura restrita (posteriormente estabelecida pelo Decreto 2.615/98 em um raio máximo de 1 km). Poderiam se habilitar à prestação do serviço exclusivamente associações ou fundações comunitárias com atividade na área na qual seria instalada a emissora. (Lima e Lopes, 2007, p. 16)

Os itens abaixo resumem as regras que uma Rádio Comunitária (RadCom) deve cumprir para poder operar:

2.2. Atribuições de uma Rádio Comunitária

• Ter alcance máximo de 1 Km de raio

• Dar preferência para finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas

• Promover atividades jornalísticas locais

• Respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família

• Dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais

• Oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social

• Prestar serviços de utilidade pública

• Contribuir para o aperfeiçoamento profissional dos jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislação profissional vigente

• Permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de expressão, da forma mais acessível possível

• Garantir espaço na sua programação para a divulgação de planos e realizações de entidades ligadas, por suas finalidades, ao desenvolvimento da comunidade

• Garantir os princípios da pluralidade de opinião em caso de matérias polêmicas

• Ter um Conselho Comunitário para definir e coordenar a sua programação

• Manter, em dia, os registros da sua programação em textos e fitas

• Garantir a gratuidade dos horários da sua programação para todos os cidadãos da localidade onde se encontra instalada

• Sempre desenvolver a integração da comunidade atendida

2.3 Infrações na operação de uma RADCOM

• Usar equipamentos fora das especificações autorizadas pela concessão

• Ser proselitista (fazer propaganda pessoal)

• Promover discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias

• Instituir a cessão ou arrendamento da emissora ou de horários de sua programação

• Transferir a terceiros os direitos ou procedimentos de execução do serviço de RADCOM

• Infringir qualquer dispositivo da legislação que regulamenta o seu serviço

• Deixar de assegurar, em sua programação, espaço para divulgação de planos e realizações de entidades ligadas ao desenvolvimento da comunidade

• Manter, na sua direção, pessoas residentes fora da área da comunidade atendida

• Dissolver ou não respeitar o Conselho Comunitário

• Manter vínculos que a subordinem à orientação de outra entidade ou pessoa, ou patrocinador, mediante a compromissos financeiros, religiosos, familiares, político-partidários ou comerciais

• Formar redes na exploração do serviço de RADCOM

• Impor dificuldades à fiscalização do serviço

• Alterar as características constantes da Licença para Funcionamento de Estação, sem observância das formalidades estabelecidas

• Alterar o horário de funcionamento

• Obter lucro com a execução do serviço de RADCOM

O atual estágio de desenvolvimento das rádios comunitárias deve-se ao movimento político que articulou a sua legalização e o seu reconhecimento público.

Muitas outras reivindicações ainda são feitas ao governo. O movimento político das rádios comunitárias acusa o Estado de limitar a operação das rádios de baixa potência que detém concessões públicas de funcionamento. Por causa dessa dialética há algumas iniciativas que visam à garantia de outros direitos reclamados pelas rádios comunitárias, bem como, tentativas nítidas de afrouxamento das regras para o proselitismo, a comercialização de espaços e, ainda, o financiamento público para o funcionamento das estações comunitárias.

De acordo com o suplemento Cidadania, da edição 1.969, do Jornal do Senado (dia 5 de julho de 2004), tramitavam, no Congresso Nacional, 15 projetos de lei (PL) que versavam sobre o Serviço de Radiodifusão Comunitária:

1998 – PL 4.186/98 – aumenta a potência permitida das estações de 25 para 50 watts e possibilita o funcionamento de mais de um canal de rádio comunitária em cada localidade.

2000 – PL 3.155/00 – institui o dia 16 de junho como o Dia da Rádio Comunitária.

2001 – PL 4.156/01 – disponibiliza para serviços de radiodifusão comunitária canais de freqüência situados na faixa de 88,1 MHz a 108 MHz.

PL 4.165/01 – obriga as emissoras de rádio e televisão, educativas e comunitárias, a reservar espaço para a programação local e regional.

2002 – PL 6.136/02 – propõe isenção do pagamento de direitos autorais ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

PL 6.810/02 – prevê o cancelamento de multas aplicadas às rádios irregulares.

PL 6.851/02 – suprime o dispositivo que proíbe o proselitismo na programação das rádios comunitárias.

2003 – PL 594/03 – autoriza as emissoras a veicularem publicidade e divulgação oficial da União.

PL 1.263/03 – propõe a dedução no Imposto de Renda das pessoas físicas ou jurídicas que realizarem doações para rádios e televisões comunitárias.

PL 1.665/03 – propõe o patrocínio e a realização de programas religiosos nas rádios comunitárias.

PL 1.771/03 – normatiza a anistia de emissoras que se encontram em funcionamento irregular.

PL 2.105/03 – autoriza a veiculação de propaganda de micro e pequenas empresas, isentando as rádios comunitárias da cobrança de direitos autorais.

PL 2.189/03 – autoriza as emissoras a veicularem publicidade e divulgação oficial da União.

PL 2.801/03 – estabelece que instituições de ensino superior possam executar serviço de radiodifusão comunitária.

PL 3.269/03 – propõe a criação do Fundo de Apoio à Radiodifusão Comunitária.

Pelo que se denota a partir das ementas destes projetos, há alguns que, de fato, visam o interesse público. Porém, muitos deles, têm a inaceitável pretensão de tornar comercial um instrumento que surgiu da luta de comunidades comprometidas com a utopia de uma sociedade mais justa e inclusiva.

2.4 Instrumentalização

Mesmo sabendo que há uma gama de necessidades que envolvem o funcionamento das rádios comunitárias no Brasil, há que se reconhecer também que, a liberalização das normas pode ocasionar o não cumprimento de preceitos básicos como o acesso das pessoas aos estúdios dessas emissoras. A sociedade deve atentar para o fato de que isso não é muito difícil de acontecer no país.

A literatura sobre comunicação comunitária já assevera a instrumentalização das rádios comunitárias como um problema crescente. Nunes (2004) afirma: por instrumentalização entende-se o uso do espaço comunitário para a promoção de propósitos individuais deliberados de caráter político-partidário, comercial ou religioso.

Com a mobilização e o crescimento das rádios comunitárias no Brasil, o que mudou foi que, na década de 1990, as rádios livres, posteriormente chamadas de rádios comunitárias, passaram a ser uma iniciativa não mais de jovens amantes da tecnologia, restrita ao eixo Sul e Sudeste do Brasil, mas constituíram-se em experiências existentes por todo o território brasileiro, envolvendo também iniciativas dos movimentos sociais e culturais populares; houve também o aparecimento de emissoras financiadas e promovidas por políticos, comerciantes e religiões evangélicas. (Oliveira apud Nunes, 2004, p. 8)

O que Márcia Vidal Nunes questiona, ao citar a tese de doutoramento ‘Escuta sonora: educação não-formal, recepção e cultura popular nas ondas das rádios comunitárias’, de Oliveira (2002), é também evocado por Venício Lima e Cristiano Aguiar Lopes, no trabalho intitulado ‘Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2000): as autorizações de emissoras como moeda de barganha política’, publicado pelo Projor em 2007:

Já no início do processo de obtenção da outorga no Ministério das Comunicações fica claro que a existência de um ‘padrinho político’ é determinante não só para a aprovação do pedido como para a sua velocidade de tramitação. (Lima e Lopes, 2007, p. 49)

A instrumentalização das rádios é uma coisa tão almejada que grupos interessados nela, articulados com deputados, já apresentaram um projeto de lei (PL 6.851/02) que suprime o dispositivo que proíbe o proselitismo na programação das rádios comunitárias. Houve também uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (nº. 2.566-0), movida no Supremo Tribunal Federal, sobre a parte da Lei 9.612/98 que o proíbe.

Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já foi questionado acerca da constitucionalidade do que prevê este § 1º do Artigo 4º. A decisão do STF foi pela manutenção do que previu o legislador, pois ele não viu na proibição do proselitismo qualquer afronta à liberdade de expressão, como era argumentado na ação. Pelo contrário, o relator da matéria, ministro Sidney Sanches, ressaltou justamente a importância da proibição do proselitismo para o atendimento dos princípios mais importantes da radiodifusão comunitária: o desenvolvimento da comunidade, e a capacitação de cidadãos no exercício do direito de expressão (Lima e Lopes, 2007, p. 51)

Esse fenômeno, segundo Dioclécio Luz (2007), ocorre por uma falha dos movimentos sociais que defendem a radiodifusão comunitária:

É preciso reconhecer, porém, que o movimento nacional errou ao não investir na base, capacitando as rádios comunitárias, cristalizando junto ao povo o conceito de rádio comunitária, identificando as mobilizações mais honestas e denunciando as desonestas, as picaretárias. Infelizmente, alguns líderes não quiseram dar o saber e o poder ao povo. (…) Por conta desses erros, proliferaram as picaretárias, nas mãos de empresários, espertalhões, igrejas, políticos – coisas que o movimento não aceita. (Luz, 2007, p. 3)

Descobrir a origem da falha pouco importa para a mudança dessa realidade. O importante é o combate à instrumentalização dos veículos, como forma de devolver às comunidades aquilo que o governo afirma pertencer a elas, e evitar que a gratuidade, a participação na produção das mensagens e a gestão coletiva sejam negadas por um ‘dono’ ou um ‘chefe’, que se ‘apropriou do veículo de comunicação sem ter lei, escritura ou qualquer outro instrumento reconhecido pelo Estado para lhe dar poderes sobre o que é público.

A igreja católica lidera a instrumentalização das emissoras comunitárias no Brasil. Em seguida vêm as igrejas protestantes e, por último, os espíritas e as religiões afro. De 120 rádios comunitárias pesquisadas por Lima e Lopes (2007) 83 (69,2%) estão ligadas à igreja católica, 33 (27,5%) têm relação com igrejas protestantes, 2 (1,66%) mantém vínculos com os católicos e protestantes juntos, 1 (0,8%) está ligada aos espíritas e, a mesma quantidade 1 (0,8%), tem influência do umbandismo.

Do total de 2.205 rádios pesquisadas, exatamente 120 (5,4%) sofrem ingerências religiosas e 1.106 (50,2%) têm vínculo político.

(…) os dados revelam que existe uma intensa utilização política das outorgas de radiodifusão comunitária em dois níveis: no municipal, em que as outorgas têm um valor no ‘varejo’ da política, com uma importância bastante localizada; e no estadual/federal, no qual se atua no ‘atacado’, por meio da construção de um ambiente comunicacional formado por diversas rádios comunitárias controladas por forças políticas locais que devem o ‘favor’ de sua legalização a um padrinho político. (Lima e Lopes, 2007, p. 49)

Os dados de pesquisas colhidos no Brasil demonstram que as rádios comunitárias estão sob controle de políticos e da igreja católica. É assim em todos os estados da federação. O que ocorre na grande mídia está se reproduzindo nas rádios comunitárias.

As rádios comunitárias, na sua maioria, são controladas, direta ou indiretamente, por políticos locais – vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes partidários – vindo num distante segundo lugar o vínculo religioso, predominantemente da Igreja Católica. (Lima e Lopes, 2007, pp. 6-7)

Pesquisa realizada no estado da Paraíba, por Alberto Símplício, também dá conta dessa dimensão consignada no texto de Lima e Lopes.

Contrapondo-se ao papel e a importância que possui esse veículo, as emissoras comunitárias, apesar de concedidas a associações e a grupos da sociedade organizada, estão servindo, na maioria dos casos, para beneficiar determinados grupos políticos locais. Ou seja, há o interesse particular se sobrepondo ao público. (Simplício, 2006, p. 4)

2.5 Participação e gestão coletiva

É para se contrapor à instrumentalização indicada acima, que os atores envolvidos nos processos de comunicação, por meio de rádios comunitárias, devem participar da gestão e programação desses veículos.

Os autores que tratam da comunicação comunitária afirmam que, em todo tipo de instrumento de comunicação oriundo das comunidades (panfleto, jornal, alto-falante, rádio), a participação é o ingrediente que diferencia as iniciativas desse segmento dos projetos dos grupos comerciais.

A participação da comunidade na programação dos veículos, na seleção do que vai ou não se transformar em notícia, entrevistas, jingle, vinheta ou spot, por exemplo, depende da gestão coletiva, da relação de poder horizontal desses meios. É por esse motivo que resolvemos tratar da participação e da gestão coletiva neste trabalho em um único tópico, por entendermos que um conceito está ligado ao outro. Não há participação onde não existe gestão coletiva.

A comunicação comunitária é efetivada com a comunidade, e não tão-somente para a comunidade. Para que ela funcione efetivamente é preciso que os entes que se utilizam dela participem da sua construção. Seu principal esforço se dá no sentido de democratizar a comunicação e livrá-la do rótulo da falsidade, bem como, do serviço prestado ao controle social dos poderosos sobre o conjunto da sociedade, sobre a maioria despolitizada e desapropriada dos bens de produção material e cultural. (Oliveira, 2007, pp. 5-6)

A grande mídia serve a interesses comerciais, geram dados e informações de forma unilateral e tem, na construção de uma ideologia de dominação e no ganho financeiro, os seus objetivos principais.

Na comunicação comunitária é diferente:

(…) a produção da mensagem popular corre por conta dos próprios grupos, das comunidades, sindicatos e organizações de base, utilizando para isso a linguagem que lhes é própria, também dissonante com o estilo e formato comercial. (Uranga, 1989, p. 122)

As estruturas de poder intensamente verticalizadas das emissoras comerciais, não permitem a participação dos segmentos sociais em suas programações. De acordo com Pesquisa encomendada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) à Fundação Getúlio Vargas (FGV), e publicada em 23 de setembro de 2008, a ocupação das rádios por programações de utilidade pública, voluntariamente inseridas nas emissões, representou 3,6% nas rádios AM. Nas emissoras FM, o percentual cai para 1,9%.

Fica clara a necessidade de ocupação dos meios de comunicação pelo povo. É preciso criar um sentido de participação que, de fato, faça a diferença nos media comunitários.

A instrumentalização das emissoras tende a criar um sentido comercial dentro das estações comunitárias. Isso deve ser combatido, a todo custo. Silverstone (2002) defende que precisamos constantemente de que nos lembrem, nos reassegurem de que nosso sentimento de pertencimento e nosso envolvimento valem a pena.

A comunicação comunitária […] simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um processo em que todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de se tornar sujeito da comunicação, um emissor. (Peruzzo, 2003, p. 250)

A alternância das funções emissor/receptor dá o sentido da participação nas rádios comunitárias. Porém, para haver essa característica, a gestão coletiva do meio precisa estar presente nas instâncias de decisões das emissoras.

A própria Lei 9.612 prevê a participação da comunidade na gestão das rádios comunitárias. O artigo 8º. determina que:

A entidade autorizada a explorar o Serviço deverá instituir um Conselho Comunitário, composto por no mínimo cinco pessoas representantes de entidades da comunidade local, tais como associações de classe, beneméritas, religiosas ou de moradores, desde que legalmente instituídas, com o objetivo de acompanhar a programação da emissora, com vista ao atendimento do interesse exclusivo da comunidade e dos princípios estabelecidos no art. 4º. desta lei.

Os princípios sobre os quais o artigo 4º. versa são estes: (I) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade; (II) promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida; (III) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, favorecendo a integração dos membros da comunidade atendida; (IV) não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias; (§ 1º.) proibição de proselitismo; (§ 2º.) adoção do princípio da pluralidade nas matérias polêmicas de opinião e informação; (§ 3º.) garantia do direito de os cidadãos atuarem na rádio emitindo opiniões, idéias, propostas, sugestões, reclamações ou reivindicações.

Peruzzo (1998), afirma que as rádios comunitárias são geridas através de conselhos e assembléias e, isso, é o caráter essencial da gestão coletiva desses meios:

[A rádio comunitária] É produto da comunidade. Sob o ponto de vista da programação, que tende a ter um vínculo orgânico com a realidade local, tratando de seus problemas, suas festas, suas necessidades, seus interesses e sua cultura. E ainda por possui sistemas de gestão partilhado, ou seja, funciona na base de órgãos deliberativos coletivos, tais como conselhos e assembléia. Favorece uma programação interativa com a participação direta da população ao microfone e até produzindo e transmitindo seus próprios programas, através de suas entidades e associações. Portanto, é garantido o acesso público ao veículo de comunicação. (…) Democratiza o poder de comunicar proporcionando o treinamento de pessoas da própria comunidade para que adquiram conhecimentos e noções técnicas de como falar no rádio, produzir programas etc.

Havendo estas características na emissora comunitária, certamente a participação fica garantida em sua programação. A própria gestão coletiva é um tipo de participação.

Há quatro tipos de participação de acordo com Merino Utreras apud Peruzzo (1998): o da produção, o do planejamento, o da gestão e o das mensagens.

1. Produção: o ‘povo’ se envolve na elaboração de programas e mensagens, contando com a ajuda profissional, facilidades técnicas e recursos;

2. Planejamento: toma parte tanto na definição de políticas, objetivos, princípios de gestão, planos, atividades e financiamentos quanto na formulação de projetos nacionais, regionais e locais;

3. Gestão: tem acesso às decisões relativas à programação (conteúdo, seleção de horários), bem como ao controle, à administração e ao financiamento da organização comunicacional;

Neste caso a autora dá o seu entendimento:

(…) a participação das pessoas pode tanto concretizar-se apenas em seu papel como ouvintes (…) quanto significar o tomar parte dos processos de produção, planejamento e gestão da comunicação. Os níveis mais avançados postulam a permeação de critérios de representatividade e de co-responsabilidade, já que se trata de exercício do poder de forma democrática e compartida. (Peruzzo, 1998, p. 145)

4. Mensagens: o envolvimento é ocasional, sem interferência direta nos demais processos. ‘Compreende a participação pura e simples nas mensagens, representadas por entrevistas, depoimentos, denúncias, avisos, pedidos de músicas, envio de sugestões e inscrição em concursos, entre outras possibilidades.’ (Peruzzo, 1998, p. 144)

Entendemos que a participação e a gestão coletiva são dois elementos intimamente ligados na dimensão do fazer comunicativo nas emissoras de rádio comunitárias. Por isso, abordamos estes pontos de forma articulada neste trabalho. Peruzzo (1998) conclui: a gestão coletiva garante a participação no processo de administração e controle do veículo ou da instituição de comunicação como um todo, requerendo-se também aqui o exercício conjunto do poder.

2.6 Gratuidade

Um princípio fundamental da comunicação comunitária é a garantia de as pessoas se expressarem sem ter que desembolsar qualquer quantia para ocupar um espaço na programação.

A mídia massiva vive dos aportes de recursos financeiros que alimentam as contas de seus proprietários. Dowbor, já citado neste trabalho, assegura que a publicidade gasta 500 bilhões de dólares por ano para ocupar as grades de programação da grande mídia no mundo todo.

Assalariados, desempregados, estudantes, artistas locais, não têm essas reservas para investir na mídia. A saída para esses grupos é a comunicação comunitária. São as rádios comunitárias.

A pesquisa encomendada pela Abert à FGV apontou uma receita de R$ 1.673 milhões nas rádios brasileiras em 2007. Deste total, o faturamento foi de R$ 767, 2 milhões. Um universo de 3.006 emissoras comerciais nas mãos de alguns empresários arrebatou esses valores de maneira concentrada.

O lucro concentrado nas mãos de poucos retira da comunidade o direito mais elementar de uma democracia: a liberdade de expressão.

A propaganda comercial gera, nos receptores de suas mensagens, o impulso de consumir. Não há compromissos com o desenvolvimento, com a cidadania, com os direitos humanos. Só há uma finalidade nas mensagens institucionalizadas pela publicidade: o aumento do consumo.

Estamos diante de um novo ‘encantamento do mundo’, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e outro, pelo qual ela busca convencer. Este é o trabalho da publicidade. Se a informação tem, hoje, essas duas caras, a cara do convencer se torna muito mais presente, na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a produção. Brigando pela sobrevivência e hegemonia, em função da competitividade, as empresas não podem existir sem publicidade, que se tornou o nervo do comércio. (Santos, 2003, pp. 39-40)

A comunicação nas rádios comunitárias deve adquirir outro sentido. Deve se contrapor à essa lógica mercadológica facilmente perceptível na grande mídia. Para Peruzzo (1998) a comunicação popular é predominantemente um serviço de interesse público, com benefícios reais para a população envolvida, que encontra nela uma forma de ‘proteger-se’ do mercantilismo da mídia.

A comunicação popular, salvo em casos isolados, pauta-se pela autonomia em relação às instituições privadas e públicas. Via de regra, essa independência é perseguida em relação tanto ao conteúdo quanto à sustentação técnica e financeira. Talvez seja por isso que, geralmente, se usam os veículos mais baratos. Mas, mesmo quando alguém custeia os mais onerosos, há todo um esforço para se fugir da tutela ou de interferências em sua linha política. (Peruzzo, 1998, p. 156)

A própria Lei 9.612/98 e os outros diplomas relacionados a ela, garantem a gratuidade nas emissoras de radiodifusão comunitária. É preciso registrar que, até as entidades que detém concessões de rádios comunitárias já devem ter, em seus estatutos, a não-finalidade de fins lucrativos.

[Tabela 02]

Proibição de comercialização da emissora

Assunto – Referência legal/Fonte – Texto

Outorgas para entidades sem fins lucrativos Lei 9.612 de 19 de fevereiro de 1998

Art. 1º. Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço

Decreto 2.615 de 03 de junho de 1998 – Art. 1º. Este Regulamento dispõe sobre o Serviço de Radiodifusão Comunitária – RadCom, instituído pela Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, como um Serviço de Radiodifusão Sonora, com baixa potência e com cobertura restrita, para ser executado por fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do Serviço

Norma nº. 2/98 (instituída pela Portaria 191 de 06 de agosto de 1998) – 1. Esta Norma tem por objetivo complementar as disposições relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária – RadCom, instituído pela Lei nº. 9.612 de 19 de fevereiro de 1998, como um Serviço de Radiodifusão Sonora, com baixa potência e com cobertura restrita, para ser executado por fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do Serviço, detalhando essas disposições e estabelecendo as condições técnicas de operação das estações do Serviço

Norma Complementar nº. 1/2004 – 1. Esta Norma tem por objetivo complementar as disposições relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária, instituído pela Lei nº. 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, como um serviço de radiodifusão sonora, em freqüência modulada, com baixa potência e cobertura restrita, para ser outorgado a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, sediadas na localidade de execução do Serviço, e estabelecer as condições técnicas de operação das respectivas estações

Lei 9.612 de 19 de fevereiro de 1998 – Art. 7º. São competentes para explorar o Serviço de Radiodifusão Comunitária as fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, desde que legalmente instituídas e devidamente registradas, sediadas na área da comunidade para a qual pretendem prestar o Serviço, e cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos

Decreto 2.615 de 03 de junho de 1998 – Art. 11. São competentes para explorar o Serviço de Radiodifusão Comunitária as fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, desde que legalmente instituídas e devidamente registradas, sediadas na área da comunidade para a qual pretendem prestar o Serviço, e cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos

Norma nº. 2/98 (instituída pela Portaria 191 de 06 de agosto de 1998) 6.2. São competentes para executar o RadCom fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, desde que legalmente instituídas e devidamente registradas, sediadas na área da comunidade para a qual pretendem prestar o Serviço, e cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos

Proibição de manutenção de relações financeiras

Lei 9.612 de 19 de fevereiro de 1998 – Art. 11. A entidade detentora de autorização para execução do RadCom não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais

Decreto 2.615 de 03 de junho de 1998 – Art. 43. A entidade detentora de autorização para execução do RadCom não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais

Norma nº. 2/98 (instituída pela Portaria 191 de 06 de agosto de 1998) – 10.8. A entidade autorizada a executar o RadCom não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais

A lei também define como infração, a manutenção de relações financeiras na programação e a propaganda comercial sob qualquer título.

Decreto 2.615/98:

Art. 40. São puníveis com multa as seguintes infrações na operação das emissoras do RadCom:

VI – estabelecimento ou manutenção de vínculos que subordinem a entidade ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais;

XIII – cessão ou arrendamento da emissora ou de horários de sua programação;

XIV – transmissão de patrocínio em desacordo com as normas legais pertinentes;

XV – transmissão de propaganda ou publicidade comercial a qualquer título.

2.7 Apoio cultural

Ponto polêmico no contexto de discussão da radiodifusão comunitária é, sem dúvida, o apoio cultural. É aqui que as rádios comunitárias se comercializam, viram pequenas empresas nas mãos de poucos, bodegas radiofônicas à disposição do lucro.

Um manual publicado pela então senadora Heloísa Helena em 2000, com texto de Dioclécio Luz, afirma (p. 9):

A RC deve captar recursos para pagamento dos salários dos que nela trabalham, para compra de equipamentos ou de CDs, aluguel da sala… Enfim, se sustentar. O fato de ser ‘sem fins lucrativos’ não impede que ela capte recursos. Ela não se torna uma rádio comercial se conseguir dinheiro para pagar suas contas. Cada comunidade decide como viabilizar a captação. Mas ela deve existir. A emissora não deve depender exclusivamente de doações e trabalho voluntário. Ela deve buscar um ‘profissionalismo’ que garanta sua atividade. Para isso há várias opções: 1) Publicidade. A lei fala em ‘apoio’ cultural (mas não há lei que diga o que é isso). Faça propaganda e dê prioridade – cobrando pouco – aos pequenos negócios de sua comunidade (sapateiro, doceira, lanchonete).

O autor, embora reconhecidamente seja uma autoridade sobre rádios comunitárias no País, comete a irresponsabilidade de incitar o crime. Na época em que o texto dele foi escrito, de fato, não existia lei que definisse o apoio cultural. Hoje já existe. Norma 1/2004 (item 19.6.1): Entende-se por apoio cultural o pagamento dos custos relativos a transmissão da programação ou de um programa específico, mediante a divulgação de mensagens institucionais da entidade apoiadora.

Apoio cultural é isso: uma mensagem institucional. É preciso atentar para o que sempre esteve na legislação: a proibição de propaganda comercial a qualquer título (Decreto 2.615, art. 40, incisos VI, XIII, XIV e XV).

Outro problema encontrado no texto de Luz citado acima, é o fato de ele aconselhar que se cobre pouco por propagandas de pequenos comerciantes. Do mesmo modo que não existia definição para o termo apoio cultural, até hoje, não existe consenso para o que se pode considerar pouco ou muito. Os advérbios de intensidade são usados para situações onde reina a imprecisão. Numa determinada comunidade R$ 50,00 pode ser pouco (Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília, por exemplo). Em outras (Picuí, Areial, Alagoinha) os mesmos R$ 50,00 é muito. Portanto, quem não tem esse dinheiro não pode participar da programação da emissora, não pode ter o seu apoio cultural inserido na programação da rádio que tem concessão pública de funcionamento. O aconselhamento, sem dúvida, é um perigo para quem o considera e um acinte quando sua origem é a gráfica do Senado Federal. O manual ‘Como montar rádios comunitárias e legislação completa’, foi publicado em maio de 2000 pela então senadora do PT Heloísa Helena e Coletivo Nacional Petista de Rádios Comunitárias. Na Paraíba, o então deputado federal Avenzoar Arruda também assinava o documento.

Embora não houvesse definição na lei para o termo ‘apoio cultural’, já naquela época, o site do Ministério das Comunicações, na parte ‘Perguntas freqüentes’, no ar até hoje, afirmava:

Entende-se por apoio cultural o pagamento dos custos relativos à transmissão da programação ou de um programa específico, sendo permitida, por parte da emissora que recebe o apoio, apenas veicular mensagens institucionais da entidade apoiadora, sem qualquer menção aos seus produtos ou serviços.

Não havia e ainda não há, circunstância alguma que justifique a incitação ao crime no movimento pela democratização da comunicação no Brasil. Esse tipo de encaminhamento empobrece as argumentações dos que lutam, com ética, pela ampliação do número de estações comunitárias no país.

(…) nas emissoras comunitárias não existe nenhuma razão para se operar em uma perspectiva econômica. Ao contrário, essas emissoras devem estar engajadas em um projeto de dignificação da pessoa humana, de desalienação política e social. Daí que as rádios comunitárias devem insistir em sua diferenciação. Porém, o grande problema é que esses meios estão absorvendo os vícios e as manias da grande mídia. (Simplício, 2006, pp. 9-10)

O Estado garante, na forma da lei, o patrocínio por meio de apoio cultural. Mas também diz o que é isso e, ainda, que não pode haver a comercialização da emissora.

[Tabela 03]

Caracterização de Apoio Cultural

Definição

Norma Complementar nº. 1/2004 – 19.6.1. Entende-se por apoio cultural o pagamento dos custos relativos a transmissão da programação ou de um programa específico, mediante a divulgação de mensagens institucionais da entidade apoiadora

Site do Ministério das Comunicações

Entende-se por apoio cultural o pagamento dos custos relativos à transmissão da programação ou de um programa específico, sendo permitida, por parte da emissora que recebe o apoio, apenas veicular mensagens institucionais da entidade apoiadora, sem qualquer menção aos seus produtos ou serviços.

Lucca (s/d, p. 85) – Entende-se por apoio cultural o pagamento dos custos relativos à transmissão da programação ou de um programa específico, mediante a divulgação de mensagens institucionais da entidade apoiadora (…) as mensagens, por serem institucionais, devem mencionar apenas o estabelecimento ou instituição que está patrocinando ou dando o apoio cultural à programação ou a um programa específico. Portanto, na mensagem, não podem ser citados produtos, condições de pagamento, ofertas etc.

O apoio cultural deveria ser uma ferramenta para ajudar na manutenção das rádios. Porém, estamos verificando que se tornou uma oportunidade de se fazer concorrência com as rádios comerciais.

Na visão da Abert a concorrência das comunitárias é desleal pelo fato de a operação delas ter apenas 10% dos custos de uma comercial. Reportagem da revista Imprensa nº. 226, edição de agosto de 2007, traz à tona a problemática da comercialização das rádios comunitárias. É nela que Flávio Cavalcanti, representante da Abert, declara (p. 35): ‘A presença de uma rádio comunitária prejudica mais o radiodifusor comercial do interior, de pequena receita publicitária. E é uma concorrência desleal, porque o custo de uma comunitária é 10% de uma rádio normal.’

Na mesma matéria, o repórter Gabriel Kwak, cita um texto do jornal O Estado de S. Paulo:

Editorial explosivo de O Estado de S. Paulo reclamou punições mais severas contra as rádios piratas e não poupou críticas às estações que se fazem passar por comunitárias: Na prática, são emissoras comerciais que se valem de um texto legal politicamente correto para praticar uma competição predatória, pois não pagam impostos e encargos trabalhistas, e fugir dos controles rotineiros das autoridades do setor de telecomunicações. (Kwak, 2007, p. 35)

Deixar de observar a comercialização de emissoras que se dizem ‘comunitárias’ é um erro que os comunicólogos não podem cometer. Há que se diferenciar as rádios comunitárias das que se dizem comunitárias. Há que se separar as ilegais, das legais. Há que se mostrar as que são, de fato, um veículo de comunicação feito pelo povo e para o povo. Há que se denunciar as falsas experiências. Há que se ‘separar o joio do trigo’.

Não temos dúvidas que para fazer essa diferenciação, um parâmetro seguro é a análise do uso do apoio cultural como propaganda comercial. No capítulo três deste trabalho, abordaremos a questão do apoio cultural na Rádio Comunitária Sisal FM de Picuí-PB, contabilizaremos a quantidade de inserções dessas propagandas camufladas na programação da emissora e faremos uma projeção dos ganhos obtidos por ela, com base nos dados obtidos durante 5 dias de gravações.

Capítulo 3

Rádio Sisal FM de Picuí, PB:

A teoria diferente na prática

‘Na prática, a teoria é outra’ (Millôr Fernandes)

Neste capítulo faremos um estudo de caso com base na explanação teórica feita nos capítulos anteriores. A primeira parte conta a história da rádio Sisal FM de Picuí-PB e da associação que detém a sua concessão.

O controle da emissora por um sujeito não autorizado legalmente é analisado nesta etapa. As infrações decorrentes dessa relação também são mostradas no nosso estudo.

A receita ilegal da emissora é calculada em dois momentos: no primeiro, mencionamos e analisamos os programas independentes veiculados pela emissora comunitária. Em seguida, as propagandas comerciais rotuladas de ‘apoio cultural’ passam pelo mesmo processo de análise.

3.1 A Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária e a Rádio Sisal FM

A rádio comunitária Sisal FM é uma emissora controlada pela Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária (APARC). Esta associação, na verdade, não integra nenhum artista. É tão-somente uma formalização burocrática para que a estação de rádio funcione com uma concessão comunitária.

É importante lembrarmos que, para as rádios comunitárias existirem, é preciso que sejam vinculadas a uma entidade comunitária sem fins lucrativos e que tenha, em seu estatuto, expressamente, a missão de prestar serviços de radiodifusão comunitária. É por esse motivo que existe em Picuí a APARC.

Um spot veiculado pela emissora transmite as seguintes informações:

ZYP 691 – Rádio Sisal FM. Operando na freqüência 87,9. Estúdios e transmissores instalados à Rua Ferreira de Macedo, nº. 7, Centro, Picuí, Paraíba. Site: www.sisalfm.com.br. Uma emissora pertencente a APARC – Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária. Picuí tá ficando legal!

No site mencionado no spot transcrito acima, havia a informação de que o Sr. José Onildo de Negreiros criou a associação e, em seguida, a rádio. Cabe mencionar que, após a publicação de um artigo sobre a Rádio Sisal FM, no Observatório da Imprensa, o endereço eletrônico citado foi retirado da rede.

Sobre a criação da associação e da rádio, no tópico ‘Ibópe’ (sic), o site dizia o seguinte:

O jovem idealista picuiense José Onildo de Negreiros, apesar de não ser jornalista, sempre foi admirador do rádio.

Em novembro de 1999, criou a APARC-Associação Picuiense Artística e Cultural de Rádio Difusão Comunitária, com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento artistico e cultural do nosso Picuí. Logo depois, realizou seu sonho, e criou a Rádio Sisal FM, através da Lei Federal n.º 9612 de 19 de fevereiro de 1998, que instituiu o serviço de rádio-difusão comunitária.

Depois de 04 anos de muita luta e obstinação do Idealista José Onildo de Negreiros, nasceu a Rádio Sisal FM em 11 de Novembro de 2002, seu nome veio da planta do sisal, cultura tradicional no Município de Picuí, maior produtor do Estado.

O slogan da Rádio Sisal desde a sua fundação, foi a imparcialidade jornalística, fazendo a população picuiense exercer a sua verdadeira cidadania, sendo esta uma de suas bases para a conquista da credibilidade que detém.

Erros gramaticais e personalização da iniciativa dominam o texto. ‘O jovem idealista picuiense José Onildo de Negreiros (…) sempre foi admirador do rádio’. No segundo parágrafo lê-se: ‘Em novembro de 1999, criou a APARC (…)’. E conclui: ‘Logo depois, realizou seu sonho, e criou a Rádio Sisal FM’. No terceiro parágrafo, o arremate: ‘Depois de 04 anos de muita luta e obstinação do Idealista José Onildo de Negreiros, nasceu a Rádio Sisal FM em 11 de Novembro de 2002’.

No sentido literal da palavra, associação quer dizer agrupamento de pessoas com interesses afins. Uma entidade desse tipo não pode ser patrimônio de uma pessoa. Sozinho, não se pode criar associação.

Esse fenômeno de se fazer as coisas coletivas de maneiras isolada e ‘heróica’, talvez dê conta de explicar a apropriação da rádio pelo ‘idealista’ mencionado.

Em 1999 surgiu a APARC. Três anos mais tarde, a rádio Sisal FM. De acordo com o sítio eletrônico do Ministério das Comunicações (MC), o representante legal da Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária, é o Sr. Diego Bruno de Araújo Negreiros. Portanto, o sujeito responsável, legalmente, pela rádio comunitária.

A emissora, seu sistema irradiante e a própria associação localizam-se na Rua Ferreira de Macedo, nº. 7, no centro de Picuí.

Uma exigência legal para os dirigentes de uma associação que detenha a concessão de rádio comunitária e opere uma emissora do tipo, é a manutenção de residência na área da comunidade atendida pelo serviço ou na área urbana do município onde o realiza.

O Parágrafo único do artigo 7º. da Lei 9.612 afirma: Os dirigentes das fundações e sociedades civis autorizadas a explorar o Serviço, além das exigências deste artigo, deverão manter residência na área da comunidade atendida.

O mesmo texto é encontrado no Parágrafo único do artigo 11 do Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária, anexo ao Decreto 2.615 de 3 de junho de 1998. Também no item 6.3 da Norma nº. 2/98, aprovada pela Portaria 191 de 6 de agosto de 1998.

A Norma 2/98 ainda afirma que:

6.7 As entidades interessadas na execução do RadCom, inclusive aquela cuja petição originou o comunicado de habilitação, deverão encaminhar à Delegacia do Ministério das Comunicações na jurisdição onde será instalada a estação, no prazo fixado, requerimento acompanhado dos documentos a seguir indicados:

(…)

IV – declaração assinada pelo representante legal da entidade de que todos os seus dirigentes residem na área da comunidade a ser atendida pela estação ou na área urbana da localidade, conforme o caso.

O representante legal da emissora comunitária de Picuí reside em João Pessoa, onde é funcionário comissionado do governo do estado. O Diário Oficial do Estado (D.O.E.) do dia 31 de março de 2007, traz dois atos governamentais: um (0878) dispensa o funcionário citado do cargo de chefe do núcleo gestor do Sistema de Custos Administrativos e, outro (0879), o recoloca na função de gerente operacional do mesmo sistema. O texto está na página 6 do D.O.E.:

Ato Governamental nº. 0878, João Pessoa, 30 de março de 2007

O governador do estado da Paraíba, no uso das atribuições que lhe confere o art. 86, inciso II, da Constituição do Estado, e combinado com o Decreto nº 27.972, de 06 de Janeiro de 2007,

Resolve dispensar Diego Bruno de Araújo Negreiros, matrícula nº. 153.764-4, de responder pelo cargo em comissão de Chefe do Núcleo Gestor do Sistema de Custos Administrativos, Símbolo DAS-4, da Secretaria de Estado da Administração.

Ato Governamental nº. 0879 João Pessoa, 30 de março de 2007

O governador do estado da Paraíba, no uso das atribuições que lhe confere o art. 86, inciso X, da Constituição do Estado, e tendo em vista o disposto no art. 9º, inciso II, da Lei Complementar nº. 58, de 30 de dezembro de 2003, e na Lei no 8.186, de 16 de março de 2007,

Resolve nomear Diego Bruno de Araújo Negreiros para ocupar o cargo de provimento em comissão de Gerente Operacional do Sistema de Custos Administrativos, Símbolo CGF-2, da Secretaria de Estado da Administração.

Nota-se, pelo exposto, que o Sr. José Onildo de Negreiros, e não Diego Bruno Araújo de Negreiros, é quem controla a rádio. Isso, de acordo com a legislação, é uma infração:

[Tabela 04]

Transferência da autorização de exploração do serviço

Fonte – Texto

Lei 9.612/98 Art. 12. É vedada a transferência, a qualquer título, das autorizações para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária

Art. 21. Constituem infrações na operação das emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária:

(…)

II – transferir a terceiros os direitos ou procedimentos de execução do serviço

Decreto 2.615/98 Art. 34. É vedada a transferência da autorização para execução do RadCom, a qualquer título, nos termos do art. 12 da Lei nº. 9.612, de 1998.

Art. 40. São puníveis com multa as seguintes infrações na operação das emissoras do RadCom:

I – transferência a terceiros dos direitos ou procedimentos de execução do Serviço

Norma 2/98 12.1 É vedada a transferência da autorização para execução do RadCom, a qualquer título, nos termos do art. 12 da Lei nº. 9.612, de 1998.

15.3 São puníveis com multa as seguintes infrações na operação das emissoras do RadCom:

I – transferência a terceiros dos direitos ou procedimentos de execução do Serviço

Percebe-se também, pelo que podemos investigar até aqui, que a criação da Rádio Sisal FM não foi obra milagrosa do sujeito que a controla atualmente.

Para que uma entidade possa conseguir uma concessão para explorar o serviço de radiodifusão comunitária, é preciso que ganhe o apoio de outras instituições. Este apoio é formalizado em um documento conhecido como Manifestação em Apoio à Iniciativa.

Para que possamos compreender a finalidade deste documento, é preciso que entendamos o processo pelo qual passa uma entidade que concorre a uma concessão de RADCOM.

Em primeiro lugar a entidade preenche um formulário de demonstração de interesse em instalar rádio comunitária. Feito isso, o MC fornece o número do processo de habilitação para esta referida instituição e, em seguida, ela passa a aguardar a publicação do aviso de habilitação no Diário Oficial para, em seguida, começar a apresentar os documentos que comprovem a viabilidade da instalação da emissora na comunidade.

A Manifestação em Apoio à Iniciativa serve para que a entidade interessada em executar o serviço de RADCOM se diferencie de outras agremiações que atuem na localidade na qual a futura rádio será instalada, isso porque o MC não privilegia a entidade que formalizou o pedido de concessão.

Ora, quem pretende prestar o serviço de RADCOM pode, eventualmente, não conseguir preencher os requisitos mínimos exigidos pelo MC para que consiga a concessão do serviço e, outra instituição, pode pleitear a autorização no lugar da primeira pretendente, ou ainda, mesmo a primeira atendendo todas as exigências do órgão concedente, uma outra entidade pode simplesmente concorrer para a mesma concessão. Quem tiver mais apoio, vence a concorrência.

Para que entendamos melhor esse processo de concessão, vamos ver o que diz a Lei nº. 9.612 de 19/02/1998:

Art. 9º – Para a outorga da autorização para execução do serviço de radiodifusão comunitária, as entidades interessadas deverão dirigir petição ao poder concedente, indicando a área onde pretende prestar o serviço.

§ 1º – Analisada a pretensão quanto a sua viabilidade técnica, o poder concedente publicará comunicado de habilitação e promoverá sua mais ampla divulgação para que as entidades interessadas se inscrevam.

§ 2º – As entidades deverão apresentar, no prazo fixado para habilitação, os seguintes documentos:

I – Estatuto da entidade, devidamente registrado;

II – Ata da constituição da entidade e eleição dos seus dirigentes, devidamente registrada;

III – Prova de que seus diretores são brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos;

IV – Comprovação de maioridade dos diretores;

V – Declaração assinada de cada diretor, comprometendo-se ao fiel cumprimento das normas estabelecidas para o serviço;

VI – Manifestação em apoio à iniciativa, formulada por entidades associativas e comunitárias, legalmente constituídas e sediadas na área pretendida para a prestação do serviço, e firmada por pessoas naturais ou jurídicas que tenham residência, domicílio ou sede nessa área.

§ 3º – Se apenas uma entidade se habilitar para a prestação do serviço e estando regular a documentação apresentada, o poder concedente outorgará a autorização à referida entidade.

§ 4º – Havendo mais de uma entidade habilitada para a prestação do serviço, o poder concedente promoverá o entendimento entre elas, objetivando que se associem.

§ 5º – Não alcançando êxito a iniciativa prevista no parágrafo anterior, o poder concedente procederá à escolha da entidade levando em consideração o critério da representatividade, evidenciada por meio de manifestações de apoio encaminhadas por membros da comunidade a ser atendida e/ou por associações que a representem.

§ 6º – Havendo igual representatividade entre as entidades, proceder-se-á à escolha por sorteio.

Com o exposto, ficam nítidos que não foi o ‘idealista’ José Onildo de Negreiros quem conseguiu, sozinho, a concessão da rádio comunitária de Picuí e, também, que o Sr. Diego Bruno Araújo de Negreiros, na verdade, é o ‘laranja’ da APARC, o representante legal apenas nos papéis da entidade, não na prática.

3.2 Programas Pagos Batizados de Apoio Cultural

A Rádio Sisal FM exibe uma grade de programação, no sítio eletrônico ‘Picuí minha terra’, que oferece 25 programas à sua audiência. Contudo, há divergências entre o que é mostrado no espaço eletrônico e o que é evidenciado no dia-a-dia da emissora, bem como, com o que é verificado usando-se o Sistema de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade (SAGRES), do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Há programas que são citados e não existem. Outros não são citados, contudo, são transmitidos pela estação comunitária de Picuí.

As transmissões começam às 5 horas e 30 min., e encerram-se às 22 horas, de segunda à sexta. No sábado o horário é alterado. A emissora entra no ar às 6 horas da manhã, e encerra a programação às 22 horas. No domingo, ela entra no ar às 6 horas e 30 min., e termina as transmissões às 20 horas.

Entendemos por programas produzidos e transmitidos pela rádio comunitária Sisal FM aqueles que não são pagos. Os gratuitos, especificamente da Igreja Católica, os que são mencionados na grade de programação e não são transmitidos, aqueles destinados somente para o grupo de vereadores da situação, os transmitidos por força de contrato, os programas pagos dos poderes locais e, o obrigatório dos poderes legislativo, executivo e judiciário, previsto na Lei 9.612/98, no nosso entendimento, são programas independentes, com produção a cargo de quem compra o horário, o recebe de graça, ou ainda, em troca de apoio político para o Sr. José Onildo de Negreiros, vereador pelo PPS até 31 de dezembro de 2008.

É por aqui que começa a comercialização de espaços na rádio comunitária Sisal FM de Picuí-PB. Prefeitura Municipal, Câmara Municipal, igrejas ‘O Brasil para Cristo’, ‘Caminho Novo’ e ‘Assembléia de Deus’, um vereador de oposição, além de locutores independentes, foram ou ainda são, clientes da rádio sob estudo.

Ao verificar a programação da Rádio Sisal FM, disponível no sítio eletrônico www.picuiminhaterra.com.br, verificamos a existência de 7 programas independentes: Momento de fé, apresentado pelo padre Antônio Anchieta; Rompendo em fé, apresentado pelo presbítero Genílson Silva; A voz do Brasil, transmitido em cadeia nacional pela Radiobrás; Informativo da Câmara Municipal, apresentado pelo locutor Lima Barros; Associativismo e cidadania, que está na programação, mas não é levado ao ar; Programa Igreja Católica de Picuí, apresentado por membros da Renovação Carismática e, por último, Programa Espaço Aberto, destinado aos vereadores da base do prefeito de Picuí e que também já não é transmitido.

Cabe mencionar que, embora tenhamos verificado os programas citados acima na grade atual da emissora comunitária de Picuí, outros programas, todos pagos, já foram ao ar pela mesma estação. É o caso dos programas Tribuna do povo, do vereador Aldemir Alves de Macedo, Picuí é do povo, apresentado pela assessoria de comunicação da Prefeitura de Picuí e Resenha toque de bola, do desportista Walmir Araújo. Há também um espaço administrado pela igreja Caminho novo, diariamente na rádio Sisal FM.

Destes, atualmente, pelo menos três ainda são transmitidos pela emissora comunitária: Caminho novo, Informativo da Câmara Municipal de Picuí e Rompendo em fé. Todos são pagos, fato público e notório entre a população.

A Igreja Católica de Picuí dispõe de 1 hora e 50 min., semanalmente, na rádio comunitária Sisal FM. Todas as manhãs, das 06 horas e 50 min., às 7 horas em ponto, o padre local, Antônio Anchieta Cordeiro, apresenta um pequeno programa intitulado ‘Momento de fé’. Aos domingos, entre 11 horas e meio-dia, integrantes da Renovação Carismática, se revezam na apresentação do programa Igreja Católica de Picuí.

As igrejas evangélicas dispõem de dois programas diários: Rompendo em fé, apresentado por Genílson Silva, presbítero da Igreja ‘O Brasil para Cristo’, e Caminho novo, apresentado pela pastora Creuza.

O programa Caminho novo vai ao ar diariamente das 7 às 8 horas em ponto. Cabe registrar aqui uma informação errada na grade publicada no endereço www.picuiminhaterra.com.br: neste horário, o texto do site indica a existência de dois programas produzidos pela rádio comunitária Sisal FM. O primeiro seria o Momento sertanejo 87,9, com horário de transmissão das 7 horas às 7 horas e 30 min., o segundo seria o programa Pagode e Cia., levado ao ar entre 7 horas e 30 min. e 8 horas.

Na verdade neste horário é a Igreja Caminho Novo, que apresenta um programa evangélico com o mesmo nome.

Sabe-se que os programas das igrejas evangélicas são levados ao ar por força de contrato. As comunidades religiosas que produzem essas inserções pagam para que elas sejam irradiadas pela emissora comunitária. Já a Igreja Católica tem os seus espaços garantidos gratuitamente por quem controla a estação sob estudo.

A Rádio Sisal FM, por conta da legislação federal, transmite diariamente o programa A voz do Brasil. Entre 19 e 20 horas, a programação é interrompida para que a emissora entre em cadeia com a Radiobrás para a transmissão dos jornais dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Esta regra vale para todas as rádios do Brasil, tanto comerciais quanto comunitárias. Aliás, é um dos poucos casos em que as emissoras comunitárias podem entrar em cadeia.

Na estação comunitária de Picuí há algumas inserções ligadas à política local. Não há na legislação, proibição à existência de programas políticos nas emissoras comunitárias. Porém, para que eles sejam transmitidos, é necessário observar a proporcionalidade de partidos e/ou grupos políticos na programação. Ou seja: é proibido o proselitismo político e não os programas políticos. Também é proibida a propaganda partidária, exceto nos casos previstos em lei.

O que ocorre em Picuí é o seguinte: Prefeitura e Câmara compram espaços na emissora com duas finalidades: a primeira é a difusão de projetos pessoais dos vereadores e, a segunda, é o controle da emissora contra qualquer tipo de movimento que, eventualmente, possa contestar o poder dos que controlam o executivo e o legislativo. A segunda meta é a censura explícita.

A Prefeitura, pelo que se pôde verificar a partir da análise dos balancetes no SAGRES, já pagou, até junho deste ano, a quantia de R$ 21.000,00 à Rádio Sisal FM de Picuí. Nas notas de empenho, há a seguinte descrição: ‘Valor que ora se empenha, referente ao apoio cultural, relativo as divulgações das atividades juninas no período de 10 a 29/06/08,incluindo inserções ao vivo, conforme contrato’.

Os pagamentos, na atual gestão, começaram a partir de 2006, momento no qual o vereador José Onildo passou a fazer parte da bancada de situação no município.

Sabe-se, pelo acompanhamento da programação da emissora, que a Prefeitura de Picuí, na verdade, mantinha um programa intitulado Picuí é do Povo na grade da Sisal FM. O produto midiático era levado ao ar todas as sextas-feiras durante uma hora.

A Câmara municipal também tem um programa na Rádio Sisal FM. Este está registrado na lista que encontramos no site ‘Picuí minha terra’. Durante 40 minutos, todas as quartas-feiras, o Informativo da Câmara Municipal vai ao ar.

Ao invés de trazer notícias sobre o conjunto de atividades da câmara, o programa apresenta uma entrevista com dois vereadores a cada semana. Na última edição de cada mês, o espaço é reservado para a mesa-diretora. Na prática, o presidente do Poder Legislativo, ou algum outro vereador que compõe a mesa-diretora, é entrevistado sozinho.

O programa Tribuna do povo, mencionado anteriormente, era fruto de um contrato entre a associação que controla a rádio e o vereador Aldemir Alves de Macedo. Era apresentado todos os domingos a partir do meio-dia e ficava no ar por 40 minutos.

Para realizá-lo, o vereador Aldemir Alves de Macedo, inicialmente, pagava uma quantia R$ 250,00 pelo espaço na rádio. Posteriormente, o valor foi elevado para R$ 300,00.

Por fazer oposição ao governo municipal, bloco político do vereador ‘proprietário’ da rádio, houve a tentativa de se retirar o programa do ar. Uma liminar expedida pelo juiz Mário Lúcio Costa, da comarca de Picuí, garantiu a sua permanência na rádio Sisal FM até o término do contrato.

Com base nos dados do site já mencionado, há ainda a menção de um programa voltado, exclusivamente, para os vereadores da base do prefeito de Picuí que seria levado ao ar aos domingos, das 12 horas e 45 min., às 14 horas em ponto. Esse programa, na verdade, não está mais no ar. Foi transmitido por algum tempo, mas teve curta duração. O programa Associativismo e cidadania também se enquadra na mesma situação.

Com o exposto, e considerando os valores de pagamentos à Rádio Sisal FM encontrados no SAGRES, no Termo de Parceria de Apoio Cultural do programa Tribuna do povo, que já não é transmitido, bem como do programa Resenha toque de bola, também fora do ar, obtivemos a média de custo dessas inserções na Sisal FM.

Como a nossa meta é fazer uma projeção dos valores cobrados ilegalmente pela emissora comunitária para transmissão destes programas ao longo do seu período de existência, de 2002 à 2008, consideramos os pagamentos de programas que foram ou ainda são transmitidos durante esse período na programação da Rádio Sisal FM.

Contudo, como base para o cálculo do rendimento ilegal, usamos somente a quantidade de programas independentes levados ao ar no ano de 2008, e os programas institucionais com despesas empenhadas nos cofres públicos do município para considerarmos o número de contratos da emissora.

Com isso temos: programas Caminho novo, Rompendo em fé, Informativo da Câmara Municipal e Picuí é do povo.

A Média Contratual (MC) foi de R$ 812,50. O contrato do programa Resenha toque de bola, no ano de 2003, era de R$ 100,00. A partir dos dois valores pagos para transmissão do programa Tribuna do povo, fizemos uma média para fixarmos um só valor no seu contrato e estabelecemos a quantia em R$ 275,00.

A Câmara Municipal, em 2008, pagou R$ 3.500,00 referentes a 4 meses de transmissão do programa Informativo da Câmara Municipal. Portanto, R$ 700,00 por cada programa transmitido. Porém, no mês de junho, houve dois pagamentos, de R$ 700,00, à APARC. Com um valor global de R$ 3.500,00, dividido por 4, obtivemos a média de R$ 875,00. O mês de junho, no nosso entendimento, teve o valor contratual dobrado. O que elevou um pouco a média do contrato.

A Prefeitura de Picuí tem apenas um empenho, no valor de R$ 2.000,00, destinado à APARC no mês de junho de 2008. Com esse valor, fixamos o preço do contrato para a transmissão do programa Picuí é do povo.

Somando-se os valores médios de cada programa e dividindo-os pela quantidade verificada no ano de 2008, obtivemos a média fixa para a transmissão de um produto do tipo na rádio comunitária de Picuí. Com isso, desconsideramos as variações de preço entre os exemplos de programas pagos existentes na rádio comunitária.

Com essa convenção chegamos à nossa primeira projeção de rendimento ilegal proposta pelo nosso trabalho. O primeiro aspecto a ser analisado é o Rendimento Médio Mensal (RMM) da emissora sob estudo.

Para isso consideramos a Média Contratual e a multiplicamos pela quantidade de programas independentes verificados na Rádio Sisal FM (4). Com essa metodologia obtivemos o RMM de R$ 3.250,00.

O passo seguinte foi a obtenção do Rendimento Médio Anual (RMA). Para isso adotamos metodologia semelhante à anterior. Multiplicamos o RMM (R$ 3.250,00) pelo número de meses de um ano (12). O valor encontrado foi de R$ 39.000,00.

O último passo foi estabelecer a Projeção Global (PG) de rendimento ilegal da emissora. De posse do RMA (R$ 39.000,00), o multiplicamos pelo tempo de existência da rádio (6 anos). Com isso, temos o valor de R$ 234.000,00.

3.3 Propagandas Comerciais Disfarçadas de Apoio Cultural

Os comerciais veiculados pela Rádio Sisal FM são chamados de ‘apoio cultural’. Lojas, mercadinhos, distribuidores de gás, franquias comerciais, empresas de transporte alternativo interestadual, padarias, pequenas concessionárias de crédito e veículos, fábrica de cimento, lojas de material de construção, postos de combustível, entre outros empreendimentos comerciais anunciam na emissora.

O padrão nesta modalidade de comercialização de espaços é bem definido. Em textos que anunciam produtos, serviços, formas de pagamento, promoções e tudo o que se relaciona à propaganda comercial, compõem o conteúdo dessas inserções. Para considerá-las desvirtuadas da proposta legal, tomamos como referência o conceito de apoio cultural tratado no capítulo anterior.

A quantificação desses comerciais foi possível graças às gravações da programação da emissora. O valor das inserções ilegais foi obtido por meio de uma pesquisa anterior que obteve dois contratos de Parceira e Apoio Cultural, como são chamados os documentos. Um fato que merece ser destacado aqui é que as entidades detentoras de concessão de radiodifusão comunitária não podem ter fins lucrativos.

Cabe mencionar que, de acordo com a época do ano, o número de comerciais pode elevar-se ou diminuir. Um exemplo disso é o spot do bloco ‘Os triunfantes’. Por ocasião da Festa da Carne de Sol, realizada no período da nossa pesquisa, conseguimos registrar o marketing dos seus organizadores para conseguirem clientes. O bloco veicula um anúncio nos intervalos da Rádio Sisal FM. Passada a festa, o anúncio sai do ar.

Com o exposto acima e utilizando a mesma metodologia para a projeção do rendimento ilegal da Sisal FM no caso dos programas independentes, podemos ter uma noção segura do faturamento da emissora com a veiculação de spots comerciais.

Cada spot, indistintamente, custa R$ 50,00 ao comerciante interessado em anunciar na emissora. Esta é a nossa MC. Com as gravações foi possível identificar 57 spots comerciais na Rádio Sisal FM de Picuí-PB. Assim temos o primeiro parâmetro: Rendimento Médio Mensal (RMM = MC x número de spots). O valor é de R$ 2.850,00.

Multiplicando o RMM pelo número de meses do ano, temos o Rendimento Médio Anual de R$ 34.200,00.

O último passo, nessa segunda etapa de cálculos, foi obter a PG. O padrão foi o mesmo: PG = RMA x tempo de existência da rádio (6 anos). Com isso, obtemos o valor de R$ 205.200,00.

O resultado desses cálculos nos conduz a uma projeção de rendimento ilegal total de R$ 439.200,00. Este número é o resultado da soma das duas projeções globais. A primeira obtida com a análise da comercialização de programas e, a segunda, por meio da observação da comercialização de spots comerciais.

Com o resultado acima entendemos que há uma viabilidade econômica nas rádios comunitárias do Brasil. A emissora que estudamos obteve, no período mencionado, uma receita mensal de R$ 6.274,28, sem contarmos com o que não foi possível pesquisar. Com a quantidade de veículos do tipo espalhada pelo País percebemos o potencial econômico dessas estações, bem como, a necessidade de fazermos delas mecanismos verdadeiros de comunicação das classes subalternas, livres de instrumentalizações de todo tipo e disponíveis às categorias excluídas dos grandes meios de comunicação.

4. Considerações finais

A comercialização de espaços na Rádio Comunitária Sisal FM de Picuí-PB é um fato. Negá-lo é um ato de conivência e um reforço a privatização de um instrumento que o Estado define como público.

O nosso trabalho se pautou em analisar o rendimento financeiro ilegal da emissora obtido pelas suas práticas comerciais ao longo de todo o seu período de atividade (2002 a 2008). Especificamente, buscamos analisar a existência dessa comercialização, quantificar o número de programas pagos existente na emissora, bem como, verificar a quantidade de seus anunciantes comerciais. Com isso, fizemos uma projeção do rendimento ilegal da rádio comunitária sob estudo e mostramos como uma pessoa não autorizada legalmente controla, de maneira livre, a RADCOM que investigamos.

De acordo com a Pesquisa de informações básicas municipais: perfil dos municípios brasileiros, publicada em 2007 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as rádios comunitárias estão presentes em 48,6% dos municípios do Brasil. As FM´s comerciais estão em 34,3% e, as AM´s, se situam em 21,2% dos municípios brasileiros.

Essas emissoras comunitárias estão mais presentes no Nordeste brasileiro. Maranhão e Piauí são os estados líderes na existência desses veículos de comunicação. Só a Paraíba tem 112 autorizações de funcionamento de estação de RADCOM. A quantidade de emissoras do tipo expõe a necessidade de estudos mais aprofundados acerca da temática.

Pesquisadores asseguram que os dados sobre rádios comunitárias no país são poucos e difíceis de se obter. Lima e Lopes (2007) asseveram que o universo das rádios comunitárias constitui uma enorme ‘caixa preta’ onde são pouquíssimos os dados oficiais disponíveis e onde, portanto, qualquer levantamento de dados constitui uma verdadeira corrida de obstáculos.

A conjuntura exposta demonstra a importância do presente trabalho. Procuramos delimitar a análise nos eixos apresentados por entendermos que outros problemas existentes nas emissoras comunitárias merecem estudo mais aprofundado.

Com isso findamos por reconhecer o potencial estratégico das emissoras comunitárias, tanto do ponto de vista econômico quanto pelo seu poder transformador da realidade.

Uma emissora desse tipo é um mecanismo de capacitação de atores sociais. A legislação que regula as RADCOM enfatiza essa característica como fundamental para o desenvolvimento da comunidade atendida pelo serviço dessas estações.

A comercialização da Rádio Sisal FM de Picuí-PB e sua subordinação aos interesses pessoais de um sujeito, exprimem o grau de vulnerabilidade das entidades que detém as concessões no país.

Uma coisa é certa: quanto menor é o ente federativo, mais ausente é o Estado e mais segura é a prática das irregularidades comentadas aqui. Este trabalho pretende contribuir para que realidades como a que estudamos possam ser compreendidas e mudadas no processo histórico das estações de rádio de baixa potência de todo o país.

5. Referências bibliográficas:

Legislação consultada:

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BRASIL. Lei 10.597 de 11 de dezembro de 2002. Altera o parágrafo único do art. 6º. da Lei nº. 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária, para aumentar o prazo de outorga. On line. Disponível em: Acesso: 3/4/2003

Artigos da internet:

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Livros e outros impressos:

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Reportagem de TV:

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Filme:

RATTON, Helvécio. Uma onda no ar. Belo Horizonte: Quimera produções, 2002.

Jornais e outros periódicos:

Diário Oficial do Estado, nº. 13.481. 31/3/2007

Jornal do Senado. Ano X – nº. 1.969. 5/7/2004

KWAK, Gabriel. Discórdia via antena. Imprensa nº. 226, agosto de 2007.

Sites consultados:

www.mc.gov.br

www.wikpedia.com.br

www.picuiminhaterra.com.br

Anexos

Detalhamento das despesas da Câmara e Prefeitura empenhadas em nome da Rádio Sisal FM de Picuí-PB

PREFEITURA MESES VALOR EMPENHADO (R$)

2003 0 00,00

2004 1 50,00

2005 0 00,00

2006 7 7.000,00

2007 12 12.000,00

2008 1 2.000,00

TOTAL 21 21.050,00

CÂMARA MESES VALOR EMPENHADO (R$)

2003 10 6.500,00

2004 6 3.000,00

2005 1 150,00

2006 6 5.500,00

2007 12 7.200,00

2008 4 3.500,00

TOTAL 39 25.850,00

SOMA DOS TOTAIS 60 46.900,00

Fonte: Sistema de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade (SAGRES)

Contratos dos programas independentes e dos spots comerciais

Certidão de Inteiro Teor do registro da última Ata de Eleição de Diretoria da Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária

Representante legal da Associação Picuiense Artística e Cultural de Radiodifusão Comunitária

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Jornalista, Picuí, PB