Em nome dos funcionários do Senado que, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), recebiam em 2009 salários acima do teto constitucional, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis) foi derrotado em duas tentativas de determinar a não publicação de informações pelo Congresso em Foco. Duas ações ajuizadas contra o site pediam que fossem retiradas do ar imediatamente listas com o nome e o salário daqueles funcionários que ganharam mais que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). E pediam ainda que os juízes determinassem que o site se abstivesse “de publicar novas listas com os nomes dos servidores e as suas remunerações”. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, considerou “um absurdo” as ações contra o site. O Sindilegis não respondeu aos pedidos de entrevista.
Ambas as ações movidas pelo Sindilegis foram negadas pelo Judiciário. Na primeira, de 18 de agosto, o juiz da 13ª Vara Cível de Brasília, Tiago Fontes Moretto, afirmou que o Sindilegis não tinha competência para atuar em defesa de um grupo restrito de funcionários. Para Tiago Fontes Moretto, não se tratava de uma questão de “interesse coletivo” da categoria dos servidores públicos. Assim, o sindicato não tinha razões para requerer a ação. O sindicato foi condenado a pagar as custas do processo, que já foi arquivado.
Duas derrotas
Na segunda ação, o juiz substituto da 1ª Vara Cível Marco Antônio Costa considerou que “o interesse público tem que prevalecer sobre o particular”. Ou seja, diante do interesse público de se informar que há e quem são os servidores do Senado que recebem mais que os ministros do STF, que estabelecem o teto salarial do funcionalismo, não se justifica a argumentação de defesa dos eventuais interesses privados desses servidores. Assim, Marco Antônio Costa negou a liminar pretendida pelo sindicato. “O pagamento de vencimentos em desconformidade com o ordenamento jurídico interessa a toda coletividade”, considerou o juiz. “O direito à privacidade não se sustenta quando ela é invocada – para encobrir práticas contrárias à legislação”, continuou Marco Antônio Costa em sua sentença. O caso ainda vai ser julgado, já que apenas a liminar foi negada neste momento. Veja as decisões e as ações.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, disse não haver dúvidas de que o Sindilegis tentou usar de “censura prévia” contra o Congresso em Foco ao ajuizar estas duas ações. Ele classificou as ações do sindicato, incluindo aquelas movidas por funcionários com apoio da entidade, um “absurdo”. “É calar a imprensa. É um atentado contra a liberdade de imprensa”, disse Ophir.
Diante das duas derrotas iniciais, o sindicato mobilizou os funcionários que recebem acima do teto constitucional, hoje fixado em R$ 26,7 mil, a entrarem com processos individuais contra o site. Até o momento, são 43 ações idênticas feitas pelos advogados do próprio Sindilegis que, somadas, exigem quase R$ 1 milhão em indenizações.
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Eduardo Militão
Orientados pelo Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis), funcionários do Senado que em 2009 receberam – segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) – salários acima do teto constitucional abriram 43 ações individuais contra o Congresso em Foco.As ações são uma reação à série de reportagens que o site vem publicando sobre a existência dos supersalários nos três poderes da República.
Clique aqui e veja quem são os 43 servidores do Senado que estão processando o Congresso em Foco
Em uma das reportagens, o Congresso em Focopublicou a lista dos 464 servidores do Senado que, conforme o TCU, recebiam vencimentos que ultrapassavam os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal define que a remuneração dos ministros do STF, hoje fixada em R$ 26.723, é o teto do funcionalismo – ninguém pode receber acima disso.
Em vez de contestar a publicação da lista em uma única ação, o Sindilegis colocou à disposição dos servidores advogados para entrarem com ações individuais idênticas contra o site. Assim, os processos iniciados até agora já somam pedidos de indenização que beiram R$ 1 milhão. As ações estão sendo movidas no Juizado Especial, e todas elas pedem indenização no valor máximo permitido para os chamados tribunais de pequenas causas: R$ 21,8 mil cada uma.
Embora a Constituição brasileira vede expressamente pagamentos acima do teto do funcionalismo, diversas excepcionalidades foram distorcendo essa determinação nos vários poderes. O Ministério Público Federal condena a existência dessas distorções, e move ações para que a Constituição seja cumprida. As ações do MPF visam recuperar R$ 307 milhões pagos indevidamente nos três poderes. O assunto está próximo de chegar à esfera do Supremo Tribunal Federal.
Interesse público
Antes de decidir publicar a relação com os nomes dos 464 funcionários do Senado cujos vencimentos ultrapassaram o teto em 2009, o Congresso em Fococonsultou vários juristas, que defenderam ampla publicidade sobre o tema. “O princípio deve ser o da transparência e da publicidade. Não há por que esconder. Todos deveriam ter os seus salários divulgados”, opina o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante.
Fábio Konder Comparato e outros juristas manifestaram a mesma opinião que Ophir. O advogado trabalhista Roberto Donizetti, também defendendo a divulgação da lista, argumentou: “É uma informação de interesse público, porque visa preservar o patrimônio público, que está sendo indevidamente utilizado”.
Ao longo das últimas semanas, o Congresso em Foco procurou com insistência o Sindilegis para obter da entidade, por meio de entrevista ou mesmo de manifestação por escrito, a sua visão a respeito dos funcionários do Legislativo que ganham acima do teto. O sindicato jamais atendeu aos nossos pedidos de esclarecimentos.
Intimidade exposta
Nas 43 ações, os servidores alegam que a intimidade deles foi exposta. “O que ocorreu foi a obtenção de informações pessoais e sigilosas, não declaradas de interesse público (…), veiculadas de forma a expor alguns servidores a situações indesejáveis, constrangedoras e até de perigo”, afirmam os advogados Afonso Muniz Moraes, Márcia Rejane Ribeiro e Elaine Cristina Gomes. Eles dizem que houve “abalo emocional negativo” dos servidores que constavam na auditoria do TCU.
Clique aqui para acessar o PDF com a íntegra da ação proposta pelos servidores.
Mas, que ”situações constrangedoras” contribuímos para gerar? “Várias pessoas vieram e disseram: ‘Ah, você ganha tanto’. Você fica supervulnerável”, relatou ao site Mônica Bantim, uma das funcionárias que, conforme o TCU, ganhavam em 2009 acima do teto constitucional e que entraram com ação contra o Congresso em Foco.
As audiências foram marcadas pelo juiz Ricardo Faustini Baglioli para oito dias diferentes no final de janeiro e início de fevereiro, todas na Central de Conciliação dos Juizados Especiais Cíveis, em Brasília. Em alguns momentos, haverá sete audiências seguidas com cada um dos funcionários.
De acordo com o TCU, os 43 funcionários que movem as ações ganhavam, em média, R$ 1,4 mil a mais do que um ministro do STF em agosto de 2009. Os pedidos de indenização contra o Congresso em Focosomam, precisamente, R$ 937.400. Os custos do excedente ao teto pago aos 43 funcionários representam uma despesa adicional de R$ 818.320,36.
As seis primeiras citações dos 43 processos chegaram ao Congresso em Foco na tarde de quinta-feira passada (27). Logo em seguida, a reportagem voltou a procurar o Sindilegis em busca de esclarecimentos. Até domingo (30), o presidente do sindicato, Nilton Rodrigues da Paixão, e o diretor jurídico, José Carlos de Matos, sequer retornaram os pedidos de entrevista feitos por meio de seus assessores e de mensagens de correio eletrônico.
A situação persiste
Desde o final de julho, o Congresso em Foco publica série de reportagens sobre os supersalários pagos a políticos, autoridades e servidores no Executivo, Legislativo e Judiciário. Em agosto, o site revelou quem eram e quanto ganhavam os 464 funcionários do Senado que, de acordo com auditoria do TCU, já recebiam remunerações além do teto constitucional em 2009 (veja a lista). Àquela época, havia salários de até R$ 46 mil.
A situação perdura. Em maio deste ano, uma funcionária do Senado conseguiu receber R$ 55.475,07 brutos, conforme apurou o site. Em junho, a mesma funcionária recebeu R$ 106 mil. Descontados os valores referentes a outros meses, a servidora ganhou R$ 77.108,19. Em julho, a Justiça determinou o bloqueio dos pagamentos acima do teto na Câmara e no Senado, mas essa decisão está atualmente suspensa.