Soube que estudantes do Piauí queimaram em praça pública a revista Veja cuja capa mostra o candidato tucano Geraldo Alckmin. A revista havia espalhado pelo Brasil, também, outdoors com a capa – o que a Justiça Eleitoral considerou inadequado e ordenou a retirada.
Já tinha visto gente boa chamar a Veja de ‘golpista’ por ter publicado a foto de Alckmin na capa. Não vejo conexão lógica nisso, mas até agora imaginava que fosse apenas um arroubo retórico. A liberdade de queimar revistas, vá lá, faz parte da liberdade de expressão, mesmo que denote falta de argumento. Não é isso que me preocupa. O que me preocupa na notícia sobre o caso piauiense é este parágrafo que mostra o conceito de liberdade de imprensa de quem promove o protesto:
‘O estudante Marcos Oliveira, da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (Umes) disse que as entidades que participaram do protesto são a favor da liberdade de imprensa, mas que, nesse caso, a revista está tomando partido.’
Como se pode ser a favor da liberdade de imprensa e ao mesmo tempo queimar uma revista por ter tomado partido? Na mesma semana, a revista CartaCapital declarou sua preferência pela reeleição do presidente Lula. Tomou partido, portanto. Não consta que tenha ido parar na mesma fogueira. Ainda bem que não foi, mas o fato de uma ter ido e a outra não mostra dois pesos e duas medidas.
Quem ganhou?
Sistematizo abaixo, ponto a ponto, algumas idéias sobre liberdade de imprensa. Gostaria de ouvi-los a respeito.
a)
Numa democracia, a opinião é livre. Faz parte do jogo democrático haver idéias diferentes sobre como organizar e gerir o Estado. Antidemocrático é julgar que apenas a sua corrente favorita está correta e que as outras só podem ser formadas por imbecis ou golpistas.b)
Liberdade de imprensa significa, entre outras coisas, que qualquer publicação tem o sagrado direito de expor a opinião que seus responsáveis bem-entenderem. Desde que não fira a Constituição (que determina a punição de ‘qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’), toda opinião é válida. Quem não concorda, discorda. E todos vivem bem.c)
O fato de uma publicação jornalística ter uma opinião, porém, não justifica dar as costas às notícias importantes que nela não se encaixem. Também acho complicado editorializar o material. (Ainda sou daqueles antiquados que acreditam na diferença entre interpretação/análise e editorialização.) Não acredito que isso ‘manipule mentes influenciáveis’. Mas, por qualquer medida razoável, é mau jornalismo.d)
Publicar na capa a foto de um político em campanha não é ‘golpismo’, como li por aí. Aliás, o que estranhei foi a demora da revista em publicar na capa a foto do seu candidato favorito. Fazer outdoors a respeito pode ferir a draconiana lei eleitoral brasileira, mas isso a Justiça Eleitoral já julgou.e)
Já faz algum tempo que a Veja editorializa suas matérias de política. Chega a doer no fígado quando leio. Portanto, não faço questão de comprar. Desde que o Lula se tornou presidente, a CartaCapital faz o mesmo, com viés contrário. Também dói no fígado quando leio. Portanto, não faço questão de comprar. Já li estudos estrangeiros que analisam a editorialização como fator de diferenciação de nicho de mercado. Faz sentido, mas não me convence a comprar.f)
Uma revista vive de suas vendas, que garantem a receita dos anúncios. Qualquer leitor tem o sagrado direito de simplesmente não comprar uma publicação cuja opinião não lhe agrade e instar seus amigos a fazer o mesmo.g)
O gesto simbólico de queimar em praça pública uma revista cuja opinião não feche com a sua acaba sendo um tiro no pé de quem a queima. Primeiro, porque para garantir alimento à fogueira é preciso comprar a revista (e ela vai embolsar seus trocados da mesma forma, pelo que certamente o departamento de circulação será muito grato). Segundo, porque garante uma imagem forte para a revista se dizer perseguida por intolerantes. Há maneiras mais inteligentes de reclamar do conteúdo da revista – o jornaleiro gaúcho que deixou de vendê-la, por exemplo, é mais esperto.h)
Quem ganhou com o episódio todo? Possivelmente, a revista. Os estudantes sem-noção é que não foram…******
Coordenador do projeto Deu no Jornal, da Transparência Brasil; foi o editor do projeto Excelências e edita o blog do Deu no Jornal