Dois testes ligeiros para os analistas históricos de calças curtas, Willam Waack, Miriam Leião e Carlos Alberto Sardenberg, o trio atacante mecanicista da Globo, depois das apreciações super-apressadas que fizeram sobre a renúncia de Fidel Castro, mandando-o, sem maiores considerações, para o fundo do abismo da história, econômica e política:
1 – O investidor descarta Cuba porque:
a – Tem medo do comunismo, que come criancinha, empresários e capital
b – Tem medo do bloqueio comercial imposto por Tio Sam em Cuba
c – Não acredita em oportunidades econômicas em terras socialistas
2 – O investidor abraça a China porque:
a – Adora o comunismo
b – Não há bloqueio comercial, ao contrário, muito incentivo fiscal
c – O capital não tem pátria
A história é a mãe que registra os fatos. Não há, em tempo de paz, bloqueio-embargo comercial tão longo como o que os Estados Unidos impõem a Cuba. As empresas, principalmente, de tecnologia da informação se coçam para instalar na Ilha. Por que? Alí está o insumo básico mais importante que passa a predominar na economia do conhecimento: saúde e educação. Esses dois atributos garantem, certamente, a auto-estima humana necessária para vencer os desafios.
Diante de mão de obra tal fundamental preparada pelo socialismo, por que o capitalismo deixaria de interessar-se por evidente eficiência marginal do capital, o lucro, sabendo que o trabalho é valor que se valoriza no mundo do conhecimento, por meio da fabricação de patentes?
Esse, evidentemente, é primeiro ponto: os empresários, dificilmente, deixariam de ganhar nessa oportunidade, se pudessem. Não podem, não porque Fidel Castro e sua turma não deixam ou porque o socialismo assuta os capitalistas. Pelo contrário, a barreira do bloqueio é que impede que cheguem lá. Não existe a fantasia ideológica que permeou os comentários dos três analistas globais de calça curta – acompanhados dos editorialistas da grande mídia, tudo formando uma só pasta indiferenciável – para concluir, indisfarçadamente, que o atraso cubano se deve ao socialismo.
Aí estaria a fonte de atraso. E o outro lado? Não seria a orientação do próprio governo capitalista americano o fator principal a impedir que os capitalistas dos Estados Unidos faturem em cima do regime cubano, assim como faturam em cima do regime chinês, de mesmo viés ideológico, graças a ausência de bloqueios econômicos imperialistas?
O empresário, que tem negócios globais, vai atender ao chamado de Fidel Castro ou de W. Bush, na hora de decidir pelo seu investimento, cuja realização em lucro precisa enfrentar milhares de riscos, todos fatais para a reprodução ampliada do capital?
Os interesses generalizados das empresas, especialmente, as de tecnologia da informação, gostariam de instalar-se na ilha. Dali, no paraíso, poderiam dispor do maior mercado consumidor do mundo. Ou não? Vem aí, como destaca o jornalista Marco Antônio, os tigres centro-americanos, como prosperam os tigres asiáticos. Alguém tem dúvida disso?
O mercado já está invadido pelas empresas multinacionais, disputando as excelentes oportunidades. Cuba, sem dúvida, com educação e saúde sobrando, finda a abertura, pode deitar e rolar. Mas não, o embargo esta aí, concebido, como foi, imperialmente, para tentar destruir a sociedade cubana, enquanto, também, destrói interesses norte-americanos.
Fatos escondidos
Os fatos não comparecem nas análises históricas dos calça curta, especialmente, os relativos ao periodo de 2000 em diante, quando os governos americanos, todos poderosos, depois da queda do Muro de Berlim, intensificaram o bloqueio, que, na prática, começou em 12 de fevereiro de 1959. Naquela ocasião, Washington, pela primeira vez, negou a concessão de modesto crédito solicitado por Cuba, para manter a estabilidade da moeda nacional. Em seguida, vieram as porradas, como demonstram levantamentos realizados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), junto às autoridades cubanas e embaixadas latino-americanas em Cuba.
Em 1992, com Cuba economicamente exausta por conta da perda de 85% do comércio com a União Soviética e com o campo socialista europeu, o Congresso americano aprovou a Lei Torricelli. Imediatamente, foram interrompidas as importações cubanas procedentes de subsidiárias norte-americanas para terceiros países. Prejuízo cubano: 718 milhões de dólares, dos quais 91% eram constituídos por alimentos e medicamentos. A lei impôs graves disposições extraterritoriais, severas proibições à navegação marítima desde e para Cuba.
Alguém leu na grande mídia maiores informações sobre a legislação especial norte-americana, para tentar destruir Cuba, como parte do noticiário geral publicado depois da ‘renúncia’ de Fidel? Ficou apenas no rala-rala, na tentativa de confundir as coisas, passando para os leitores que Cuba não vai para frente, porque a proposta socialista é atrasada.
Mas, não explica o óbvio, o socialismo chinês, colocado no poder por Mao Tse Tung, em 1949, da mesma forma em que foi colocado em Cuba, a partir de 1956, ou seja, na ponta da fuzil, é uma conseqüência histórica do desenvolvimento do capital, cujo interesse, nesse novo campo – socialista – não está descartado, muito pelo contrário. Seria considerar os capitalistas, frente aos socialistas, incapazes de reagirem competitivamente, num cenário em que ambos estejam disputando espaço sem bloqueio comercial. A educação e a saúde, certamente, terão peso enorme como fator de produtividade.
Mais fatos não revelados pela grande mídia: a lei Helms-Burton, 1966, recrudesceu o bloqueio. Ampliou as disposições de efeito extraterritorial e impôs a perseguição e sanção para investidores em Cuba. Além disso, autorizou o financiamento de ações hostis, subversivas-terroristas. Navio de terceiro país que toque porto cubano não poderá entrar em porto nos Estados Unidos.
Desde final de 2001, graças a lei aprovada no Congresso por exigência dos agro-exportadores dos Estados Unidos, Cuba passara a comprar alimentos no comercio de Tio Sam, desembolsando, anualmente, 500 milhões de dólares. Essa grana, num momento em que a economia americana bate biela, é fundamental em qualquer parte do mundo para o exportador, independentemente das ideologias. Dependente, no entanto, do bloqueio…
Tal lei não se livrou das circunstâncias essencialmente ideológicas, subordinando-se a taxações e obrigações impostas aos exportadores, como, por exemplo, exigência de pagamento à vista. Na terra do cartão de crédito, onde todo mundo está dependurado, correndo perigo de inadimplência generalizada, capaz de provocar crise bancária, se os bancos centrais não intervirem, o quanto antes, vem o governo americano exigir pagamento cash desse parceiro incômodo. Não há pagamento à vista no comércio global. Tudo é um jogo de compensação.
Tio Sam faz ou não faz terrorismo econômico?
Cálculos conservadores, realizados pelos analistas econômicos americanos, citados pelo levantamento da OEA, estimam que o embargo comercial americano aos cubanos ultrapassa 80 bilhões de dólares. Lula deitaria e rolaria com seu PAC, se tivesse essa grana no bolso, cerca de R$ 130 bilhões, quase a totalidade dos juros que o governo brasileiro paga aos banqueiros, anualmente, sobre uma dívida interna de R$ 1,4 trilhão, aproximadamente.
Willham Waak, no entanto, em comentário no seu blog, desdenha o bloqueio, como se fosse uma trivialidade. Prefere dar espaço apenas a um lado da questão: o caráter político ditatorial do regime, sem relacioná-lo a uma totalidade, como se existisse por si mesmo, fora de uma conjuntura de guerra em tempo de paz.
Em 8 de julho de 2004, o bloqueio se intensificou mais ainda: edital 7757 do presidente W. Bush determina que o serviço de guarda-costas fixe novas regulamentações, restrições para a saída de embarcações de recreio rumo às águas cubanas. Sanção prevista àqueles que desejam passar as férias em Cuba: 25 mil dólares ou cinco anos de prisão, ou ambas, sem falar no confisco das embarcações dos infratores.
Ataque aos fundos cubanos
A partir do segundo semestre de 2004, o governo americano, sob pressão dos cubanos exilados, tentaram barrar os fundos financeiros da Ilha no banco UBS AG, onde Cuba tinha depositado 100 milhões de dólares. Na sequência, advertência ao banco por supostamente ter violado sanções estadunidenses contra Cuba. O objetivo era evitar que o regime socialista fizesse trocas cambiais na praça internacional. Estrangulamento financeiro.
Em 27 de agosto de 2004, W. Bush reafirmou a necessidade de manter o bloqueio para derrubar a revolução cubana. Foi taxativo: ‘O bloqueio é uma parte necessária dessa estratégia’. O sobrinho de Tio Sam estava, naquele momento, com o gás todo aceso, incendiando o Oriente Médio, depois da derrubada de Saddam.
Em 30 de setembro de 2004, uma decisão esdrúxula: o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, apoiado nas regulamentações de controle de ativos cubanos – 31 C.F.R., parte 515(the ‘Regulations’) – determinou que cidadãos ou residentes permanentes nos Estados Unidos não podem comprar legalmente produtos de origem cubana, incluídos o tabaco e o álcool, num terceiro país. Nem sequer para uso pessoal no exterior. Sanção penal pode atingir até o milhão de dólares em muitas corporações e 250 mil dólares e até 10 anos de prisão para pessoas individuais.
Em 9 de outubro de 2004, o subsecretário para assuntos do hemisfério ocidental do Departamento de Estado, Dan W. Fisk, anunciou estabelecimento de ‘um grupo de perseguição de ativos cubanos’. Objetivo: terrorismo cambial contra Cuba, impedindo-a de participar do movimento financeiro global. As companhias Melfi Marine Corportation S.A. e Tour Marketing Ltda sofreram duras penas por insistirem em comercializar com Cuba.
Cidadãos norte-americanos não podem participar de reuniões em Cuba que sejam patrocinadas e organizadas por agências da ONU. Precisam de licenças especiais, que se perdem na burocracia terrorista anti-cubana.
Tal terrorismo obrigou o governo cubano, em 2005, a gastar 300 milhões de dólares em produtos alimentares e agrícolas, antes negociados com empresas americanas, dada a abertura proporcionada pelo edital 7757 de 8 de julho de 2004. As transações caíram bruscamente 26% entre janeiro e abril de 2005 relativamente a igual período de 2004. As compras de arroz desabaram 52%.
Em 13 de abril de 2005, a Corte de Apelações do Terceiro Circuito judiciário condenou o cidadão norte-americano Stefan Brodie, ex-presidente da companhia Purolite, julgado em 2002 por ter conspirado contra o bloqueio. O espírito empreendedor americano foi proibido de ser exercitado, um contra-senso capitalista.
Em abril de 2005 foi negada entrada nos Estados Unidos dos diretores da companhia canadense Sherrit e seus familiares, enquadrados na lei Helms-Burton. Em 23 de novembro de 2004, a Galeria de Arte Corcoran de Washington cancelou, por pressão da Casa Branca, evento cultural patrocinado pela Secção de Interesses de Cuba. Obscurantismo bushiano, repeteco do marcarthismo.
Em 30 de março de 2005, Washington alerta a organização U.S-Cuba Labor Exchange para que ‘cesse e desista’ de promover e organizar a viagem a Cuba de delegação que assistiria ao IV Encontro Hemisférico de Luta contra a ALCA. O geólogo Christopher Schenk, do Serviço Geológico dos Estados Unidos, e o geofísico Richard T. Buffler, da Universidade de Austin, Texas, foram proibidos de participar, em Cuba, da Convenção de Ciências da Terra.
Entre abertura e fechadura
As pressões norte-americanas pelo fim do bloqueio falam por si mesmas, enquanto a grande mídia fica calada. Em 2004, a Câmara de Representantes aprovou quatro emendas que revogam regulamentações sobre envio de pacotes turísticos a Cuba, elimina restrições às visitas familiares dos emigrados cubanos à ilha, suspende medidas que obstaculizam programas de estudantes norte-americanos no país e rescinde restrições às exportações de alimentos e medicamentos, assim como permite acesso a créditos privados. As pressões republicanas preponderaram diante da ameaça de W. Bush de vetar tudo.
As reações americanas contra o bloqueio, que a grande mídia não publica, são crescentes. Em janeiro de 2005, a Convenção Anual da Federação Americana de Fazendeiros (AFBF) aprovou resolução solicitando à administração W. Bush normalização do comércio com Cuba. Em fevereiro, o Senado Estadual de Alabama aprovou resolução conjunta SRJ.26 , para ‘exigir do Congresso dos Estados Unidos a eliminação das restrições comerciais, financeiras e de viagens a Cuba’.
Em março, os representantes dos portos norte-americanos do Golfo do México aprovaram resolução de apoio ao levantamento do bloqueio às vendas de alimentos e medicamentos. Solicitam ainda ao Congresso fixação de melhores condições para forma de pagamento das importações cubanas, ou seja, que pudessem ser pagas no crediário, prática universal nas relações comerciais. Ainda em março de 2004, a Federação do Arroz dos Estados Unidos apelou ao Congresso para rverter regulamentação sobre pagamentos pelas compras de alimentos por Cuba.
Em 26 de abril de 2005 foi anunciada oficialmente formação da Associação Comercial Cuba-EUA, composta por mais de 30 companhias, agências estaduais e organizações de 19 Estados norte-americanos, para eliminar as restrições comerciais. Grandes empresas participaram da pressão sobre a Casa Branca: ADM, Caterpillar, Cargill etc.
Igualmente, personalidades influentes engrossaram o coro: ex-secretário de Comércio, Bill Reinsch, ex-secretário adjunto de Estado, William D. Rogers, o empresário e banqueiro David Rockefeller, ex-representante comercial, Carla Hills, ex-secretário de Defesa e ex-diretor da CIA, James Schlesinger, entre outros. Em 8 de junho, a Assembléia Estadual de Nova Iorque exortou o presidente dos Estados Unidos a incentivar as visitas a Cuba. Bush, claro, engavetou.
As disposições extra-territoriais não dizem respeito a uma relação apenas bilateral, como tenta vender a grande mídia. As empresas globalizadas que entrarem em contato com Cuba poderão deixar de ser globais, pois romperiam o bloqueio continental neo-napoleônico moderno, o mais longo em tempo de paz, algo proibido pela ONU.
Os Estados Unidos jogam com sua força: controlam 45% das principais empresas transnacionais do mundo, incluídas oito das dez principais. São fontes de investimentos. De 125 bilhões de dólares investidos no exterior em 2002, os investimentos norte-americanos pularam para 152 bilhões em 2003, ou seja, crescimento de 19% para 25%, segundo levantamento da OEA.
O mercado americano é o primeiro importador de mercadorias (21,9%), líder mundial no intercâmbio comercial de serviços. Em matéria de tecnologia, os Estados Unidos estão entre os cinco primeiros e representam o maior consumidor. O bloqueio a Cuba no campo das informações é fatal e é dado não pela decisão socialista, mas pela decisão ideológica radical nazista do governo americano de segregar ideologicamente aquilo que é anti-ideológico, isto é, a impulsão do capital para promover sua própria acumulação, seja sob o capitalismo, seja sob o socialismo, como prova o exemplo chinês.
Socialismo ou Capitalismo? A média dos dois, como a história está demonstrando na prática, na China, âncora de salvação do capital, cuja reprodução, nos Estados Unidos, tornou-se problemática. A grande mídia não avança, atravanca. Teme que o socialismo cubano seja um sucesso, repetindo a China?
As empresas norte-americanas, segundo o PNUD, abstêm-se de fazer negócios com Cuba ou interrompem suas relações com a Ilha, para não por em perigo qualquer eventual vínculo futuro com capitais da superpotência. Claro, entre negociar com o gigante do norte ou o nanico do sul, predomina o utilitarismo, alma superior do capitalismo.
O banco britânico Barclays, por exemplo, seguiu o critério da utilidade, ao receber notificação do governo inglês por ter entrado em contato financeiro com a empresa CUBANIQUEL, em Londres, levantando a ira de Washington. Imediatamente, suspendeu negociações.
Por que? Por medo do comunismo fidelista que se apresentava como bom pagador dos empréstimos? Ou por conta do bloqueio, devida e relativamente desconsiderado ao não ser alvo das reportagens e comentários da grande mídia?
Marx pelo avesso
‘Não é a economia socialista que espanta, mas o bloqueio americano que evita a experiência mista capitalismo-socialismo na Ilha. Tio Sam pratica o inverso de Karl Marx. O desenvolvimento das forças produtivas e a organização social dos trabalhadores são, segundo Marx, a essência do desenvolvimento do capitalismo no rítmo do movimento dialético das contradições que essas duas premissas produzem, historicamente, domesticadas, no século 20, pela social-democracia, que sobrepujou o socialismo, até agora.
Que faz Tio Sam?
Procura destruir as forças produtivas para impedir a organização social em Cuba. Conseguiu, por enquanto, destruir as forças produtivas, mas não alcançou o principal, a desconstrução da consciência política do povo cubano. O resultado da inversão imperialista da lição de Marx é a resistência política à destruição das forças produtivas, um contra-senso que os próprios capitalistas americanos passaram a condenar, por puro pragmatismo. Temem que outros concorrentes poderão chegar na Ilha e faturar o mercado.
Tio Sam estaria, dominado pela ideologia, dando tiro no próprio pé. O ex-presidente Richard Nixon, quando precisou, foi à China e trabalhou pela abertura comercial. Agora, com muito mais razão, os empresários americanos estão ressentidos com o bloqueio, porque não estão nem aí para Fidel Castro. Querem um neo-Nixon. Desejam faturar, especialmente, quando o mercado interno está sofrendo as dores do processo recessivo e as empresas necessitam buscar outros mercados, aproveitando o dólar barato, como fator de competitividade global.
A Ilha, que sempre foi objeto de desejo de consumo do imaginário americano, poderia fugir pelo ralo, enterrando, de vez, a ânsia imperialista de estender o território dos Estados Unidos até Cuba, como ocorreu no século 19 e 20 em relação ao México. Terá Tio Sam, depois de perder várias batalhas – a última, agora, para Fidel Castro, que colocou no ar, de novo, em plena campanha eleitoral americana, a questão do bloqueio como um dos temas centrais – perdido, também, a sensibilidade relativamente ao deus mercado?
Fidel jogou, pragmaticamente, como estadista, com o eleitorado hispano-americano que tem poder de fogo eleitoral no Estados Unidos, ou renunciou por renunciar, sem motivações políticas maiores?
A verdade é que não é Fidel e seu modelo socialista que, aos olhos dos americanos, ficaram velhos, mas a burrice dos governos americanos de continuar com o embargo, enquanto a economia dos Estados Unidos está perdendo mercado em todos os quadrantes, por conta da instabilidade das suas contas financeiras, bichadas pelos elevados déficits comercial e fiscal, responsáveis por transformar o dólar em papel pintado.
O que diz a esse respeito os comentaristas de destaque do grupo dos Marinho? Abobrinha. Mecanicismo. Contrastam com o próprio sentimento capitalista americano. Deixam de enxergar ações que prejudicam o próprio capital, como é o exemplo da empresa VECO Ltd, com participação de capital americano. Ela foi impedida de vincular-se com a CUPET S/A em projetos de desenvolvimento de infra-estrutura e capacidades tecnológicas para distribuição e armazenagem de combustíveis em Cuba. As negociações já iam longe, quando o governo entrou de botina e tudo, interrompendo o negócio. Empregos e faturamento de empresas e interesses americanos foram para os ares.
Medo do comunismo?
Os empresários americanos, na verdade, estão, mesmo, é com medo do capitalismo americano, cuja orientação ideológica, anti-globalizante, proíbe eles de ganharem dinheiro. Certamente, os empreendedores americanos, cuja fama é grande, dada a profissionalização competente, chegaram no comunismo da China e deitaram e rolaram. Não decidiram rumos. Seguiram os rumos dados pelo governo comunista, centralizado, ditatorial: estímulo à produção destinada à exportação.
Se Cuba, livre do bloqueio, jogar nesse sentido, dispondo de mão de obra qualificada, barata e bem alimentada quem duvida que os cubanos estariam, rapidamente, vendendo sua inteligência no mercado cubano sem sair da Ilha, onde o consumo, a produção e a circulação de mercadorias aumentariam com o natural aumento da renda interna dada pela excelência dos recursos humanos?
Prossigamos mais um pouco com as restrições comerciais, financeiras e econômicas dos Estados Unidos sobre Cuba que, segundo a grande mídia, não produz maiores prejuízos do que o atraso do pensamento socialista. Não seria o socialismo superior em demonstrar sobrevivência sob penúria, sem prejuízo da educação, da saúde e da cultura, embora tenha que pagar o preço – eternamente? – da liberdade política, em meio às ponderações históricas dadas pelas circunstâncias objetivas?
Ou é inteligente o jogo do governo americano que proíbe lucratividade para as empresas americanas em nome de ideologia? Ou Tio Sam estaria com medo de que os capitalistas americanos chegassem à Ilha e se submetessem alegremente às determinações dos comunistas para ganhar dinheiro, como fazem em relação ao governo chinês com sucesso?
O bloqueio levou ao fechamento ou o fechamento levou ao bloqueio? O ovo ou a galinha nasceu primeiro?
As duas partes estão exaustas em suas justificativas e a própria exaustão põe em campo a solução: o fim do bloqueio e o fim do fechamento político. As cordas esticando para lados opostos mostraram a velha história dos dois burros, cada um querendo puxar para garantir seu monte de grama, enquanto ambos não conseguem nada.
Anti-jornalismo cegou geral
A grande mídia deu um peso exagerado ao fechamento político, como se ele fosse algo exterior ao bloqueio. O lado negativo do fechamento foi exaltado, mas o negativo do bloqueio foi mascarado. Ela tomou parte no assunto e esqueceu o leitor. Anti-jornalimo.
A negatividade, que, segundo Hegel, é a realidade, cobra, agora, o seu preço. Fidel, esperto, jogou o assunto no momento certo. Não há aí mitologia, como exagerou Lula, colocando o ex-comandante como mito histórico, sendo corroído pelas pragas. Houve, tão-somente da parte de Fidel, um lance político de estadista, que visa produzir repercussão favorável a uma causa nacional, socialista, cubana. A cada momento, as armas do momento.
Waak disse que Fidel foi derrotado pela história, mas a história não acabou. Pretensão absurda. Não percebe que a história, segundo seu raciocínio, teria acabado também para o bloqueio, pois Fidel continuará vivo, enquanto resistência política, durante a continuiade do bloqueio, alavanca de Arquimedes que produz o seu contrário dialético, a resistência política cubana. O jornalista global deu, antecipadamente, uma de Fukuyama dos trópicos, sendo que a crise americana já demonstra que Fukuyama já era, visto que sua tese do fim da história, formulada depois da queda do Muro de Berlim, desmorona-se no compasso da desvalorização e desmoralização do dólar neoliberal pós-guerra fria.
Uma coisa não dá para negar: o espírito pragmático dos empresários, essencialmente, anti-ideológico, demonstra que o socialismo não o espanta, mas sim o capitalismo, onde, além dos riscos tremendos que contém, passou à irracionalidade de queimar dinheiro em nome da ideologia. A grande mídia não está percebendo que enquanto Fidel promove uma falsa renúncia, Tio Sam, avariado, age como quem quer terminar seus dias no hospício, rasgando dinheiro, sob complacência do entendimento politicamente alienado dos analistas históricos dos calças curtas.
Adiante com os fatos absurdos que conspiram contra o próprio capitalismo americano. Nem o Brasil escapou. Em agosto de 2004 foram contratados à empresa brasileira MEBRAFE equipamentos para remodelação de todas as instalações frigoríficas da União de Laticínios, como parte do programa social de distribuição de iogurte de soja para todas as crianças cubanas entre 7 e 13 anos de idade. Produtos de refrigeração foram adquiridos pela empresa no mercado brasileiro, somando gastos de aproximadamente 500 mil dólares. O governo W. Bush vetou, porque a empresa brasileira comprara insumos para seus produtos de empresas americanas, proibidas de comercializarem com Cuba.
Em março de 2005, a companhia americana Flavors and Fragances, por meio da sua subsidiária no Canadá, foi proibida de vender para a Ilha, tendo sido embargados seus produtos. O laboratório europeu Intervel Holanda, idem. Não pode vender vacinas destinadas à prevenção de doenças avícolas, sob alegação de que contêm 10% ou mais de antígenos produzidos nos Estados Unidos.
Os exemplos contidos no levantamento da OEA são inúmeros, daria para preencher páginas e mais páginas. Vejam mais esse absurdo. Remédios para o tratamento de cancro, fabricados pela empresa canadense MSD Nordion e vendidos pela firma norte-americana Varían, foram suspensos. A empresa dançou em alto prejuízo por ter tentado vender para Cuba, a fim de socorrer pacientes.
A Radiometer, produtora dinamarquesa de Gasômetros, utilizados nos hospitais para análise de gás no sangue, antiga fornecedora da importadora MEDICUBA por mais de 35 anos, igualmente, deixou de ganhar dinheiro, vendendo para os cubanos, graças à irracionalidade ideológica anti-capitalista de Tio Sam.
Miriam Leitão, em seus comentários, relacionou os interesses empresariais que forçam a barra para tentar faturar em Cuba, mas colocou esse desejo empresarial no limbo do imponderável. Por que ele não acontece: por conta de Fidel ou por conta de Tio Sam? Ela rebola pra cá e pra lá, mas não consegue acertar o passo.
As tentativas reiteradas dos negociantes de burlarem a legislação imperialista dos Estados Unidos demonstram que não têm medo do fantasma do socialismo fidelista, nem da ditadura do partido único, como, subliminarmente, tentam vender Sardenberg, Leitão e Waak.
Se não tiveram receio de chegar na China, no Vietnã, por que os empresários americanos, ou qualquer outro, teriam de entrar em Cuba, assim que convocados a ganharem dinheiro?
Carlos Alberto Sardenberg, que tanto presa os números, para balizar seus comentários, esqueceu de qualquer consideração objetiva, para apelar-se tão somente ao fundamentalismo mecanicista. Willam Waak, tão chegado à História, resolveu precipitar-se em seu julgamento sem pesar sobre quem é o terrorista, Fidel que derrubou Batista ou W. Bush que quer derrubar Fidel, dizendo que o regime foi derrotado pela história, quando desleixa em perceber que a história, também, está derrotando ele, ao não levar em conta o outro lado da moeda, a derrota de Tio Sam ao continuar com o bloqueio mesmo diante de antagonismo crescente dentro da própria sociedade americana. Ou se percebe, procura, espertamente, dar-lhe peso relativo insignificante.
Waak faz como Sardemberg e Miriam: acredita na distinção entre o real e o irreal no contexto da economia monetária em que o real é virtual e o virtual, real, como produtos de um só movimento econômico capitalista histórico, na sua fase ultra financeira, movido pelo moeda estatal inconversível sobre a qual o governo sopra, como disse Hegel, seu poder vivificante, dialético.
******
Jornalista, Brasília, DF