Há cerca de 10 dias as discussões na imprensa em torno da Lei de Cotas Raciais e do Estatuto da Igualdade Racial – dois projetos em tramitação na Câmara dos Deputados – se acirraram entre intelectuais, movimentos sociais, educadores e estudantes. Um grave erro compõe os textos dessas duas propostas: o estabelecimento das cotas de acordo com critérios raciais – ao invés da fixação de parâmetros de renda e pobreza no fornecimento de oportunidades educacionais.
A discriminação e conseqüente disparidade de oportunidades é inquestionável. Apesar de alguns sustentarem que no ambiente popular, ou seja, entre o povão, brancos e negros convivem de forma tolerante ao ponto de se reconhecerem pacificamente como ‘negão’ e ‘branquelo’, é inegável que em ambientes particulares, incluindo o profissional, há uma forte lacuna resultante da condição socioeconômica dos indivíduos. Há, de fato, um forte componente histórico de cunho escravocrata que continua infligindo aos afros-descendentes ainda nos dias de hoje um modelo impiedoso de restrição no que concerne a acesso ao sistema educacional e ao mercado de trabalho. Consciência do quadro todos parecem ter; porém, as soluções oferecidas vêm sendo as mais esdrúxulas possíveis.
Estabelecer a Lei de Cotas Raciais é um absurdo por três razões: apesar do negro representar a grande maioria dos excluídos do país, nem todos são pobres, assim como nem todos os brancos são ricos. Portanto, o critério da tonalidade da pele é extremamente equivocado e deve ser substituído com urgência pelo parâmetro do nível de renda e pobreza. Segundo o autor do Estatuto da Igualdade Racial, senador Paulo Paim (PT-RS), a discussão deve ser ampliada e o textos de ambos os projetos – tanto da Lei de Cotas Raciais como do Estatuto da Igualdade Racial – devem sofrer alterações na Câmara dos Deputados. Além disso, determinar com exatidão a raça de um brasileiro – considerando o grau de miscigenação de nosso povo – é uma tarefa bastante difícil que dá margem a interpretações dúbias e eventuais fraudes.
O verdadeiro problema
A segunda razão para a não-aprovação da Lei de Cotas Raciais é a questão da intensificação da discriminação racial, tanto entre brancos e negros como também entre os próprios negros. Um exemplo grave: segundo o jornalista Luís Nassif, em sua coluna no site Projeto Brasil, a assessora do ministro Patrus Ananias, que Nassif descreve como ‘retinta, lustrosa, bonita, instruída’, foi barrada em um bloco de carnaval em Salvador porque julgaram que sua ‘negritude’ não era plena.
Passa-se a calcar a identidade negra segundo parâmetros estéticos e de instrução; qualquer um que por esforço pessoal se coloque fora de tais critérios é questionado em sua ‘negritude’. Preconceito de negro para negro. Os estudantes de escolas particulares, em sua maioria brancos, convivem cada vez mais com a frustração de não terem seus esforços recompensados. As vagas diminuíram e os processos judiciais contra os cotistas, acusados de ‘roubar’ vagas que por direito deveriam ser dos que mais pontos fizeram, acirram a intolerância racial.
Por fim, devemos estar atentos à passividade do governo em promover mudanças na fonte do problema, que é a falta de qualidade do ensino público em seus diferentes níveis. Não identifico como solução – muito longe disso – beneficiar estudantes de escolas públicas com vagas em universidades públicas já que estes alunos apresentam, certamente, um déficit educacional tremendo em áreas básicas como português, matemática, leitura, redação, dentre outras. Os excluídos do país, sejam eles brancos ou negros, devem sim reivindicar seu direito de ingressar em uma instituição pública de ensino, mas não sem antes cobrar dos governantes uma escola básica de qualidade para que possam conquistar suas vagas por mérito pessoal e não por ‘doações’. A sociedade anestesiada com a polêmica das cotas raciais esquece de pensar no verdadeiro problema.
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Jornalista, coordenador da revista digital Raciocínio Crítico