Conforme noticiado pela CartaCapital (31/1/2013), a TV Bandeirantes foi condenado pela Justiça Federal de São Paulo a exibir documentários sobre a liberdade religiosa no Brasil, sob pena de pagar multa diária de 10 mil reais em caso de descumprimento. A condenação ocorreu porque entendeu o juiz do caso que o jornalista José Luiz Datena desrespeitou a liberdade e a pluralidade religiosa ao relacionar ateísmo e criminalidade em seu programa Brasil Urgente.Disse o jornalista que “um sujeito que é ateu não tem limites. É por isso que a gente vê esses crimes aí”. Esse caso merece nossa análise por envolver dois temas importantes: a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa.
Convém lembrar que tanto a liberdade de imprensa como a liberdade religiosa são mandamentos constitucionais e sua efetivação deve ser sempre buscada, pois estes são princípios que fundamentam o Estado Democrático brasileiro. Em alguns casos, essas duas normas podem ser postas em rota de colisão, devendo assim o julgador ponderar a aplicação e determinar que princípio é mais pertinente ao caso. Assim, em tese, é possível que a liberdade de imprensa seja restringida em nome da liberdade religiosa, mas isso só deve ocorrer em situações excepcionais, o que não é o caso.
O eminente julgador comete a meu ver duas falhas em seu juízo. A primeira delas é que ele confunde liberdade ideológica com liberdade religiosa. Ao afirmar que a fala de Datena ofende a liberdade de crenças religiosas no Brasil, ele acaba referendando, mesmo que implicitamente, que o ateísmo é uma religião. Não é o caso, pois os ateus não constituem um grupo organizado que, realizando ritos próprios, expõem a crença em um ser sagrado. O ateísmo não é, pelo menos ainda, uma religião; pode ser, no máximo, uma ideologia que se propaga rapidamente. O segundo ponto de equívoco é considerar ofensa uma fala genérica, não dirigida diretamente a nenhum grupo e que não conclama nenhum movimento de segregação.
Garantias constitucionais
O jornalista Datena, ao associar ateísmo e criminalidade não faz mais do que repetir um juízo comum a boa parte dos brasileiros. Esse argumento tem o seu valor político – inclusive alguns filósofos ao longo da História o defenderam. É uma opinião válida e passível de defesa, apesar de hoje parecer não mais tão adequada. O que Datena disse não constitui ofensa a grupo nenhum. Ele somente exercia naquele momento o seu direito de opinião, a sua liberdade de cidadão e de jornalista.
Infelizmente, a ampliação dos poderes do judiciário nos últimos anos têm propiciado diversos erros que têm reduzido as liberdades individuais e políticas. Os juízes, ao invés de proteger a democracia, têm se tornado carrascos da liberdade, a partir de valorações muitos subjetivas, muito intimistas e pouco refletidas. É certo que nenhum direito é absoluto, porém se tratando de garantias constitucionais, a limitação destas deve ser determinada somente em último caso. E aos ateus cabe o alerta: a liberdade de crença ou de ideologia só poderá ser atingida respeitando outras liberdades. Nenhuma ética de respeito se constrói a partir de fundamentalismos, sejam eles de quaisquer ordem.
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[Pedro Henrique Corrêa Guimarães é advogado, Goiânia, GO]