Dono de um amplo repertório de crimes que celebrizaram seu nome como um dos maiores bandidos de todos os tempos, Al Capone só foi parar na cadeia depois de ser condenado por sonegação de impostos.
O azar dele é que vivia nos Estados Unidos. Como aqui não é Chicago, os Al Capone tupiniquins de alto quilate não correm este risco.
Quem me chamou a atenção para este detalhe no grande cipoal das nossas leis fiscais, que garantem a impunidade criminal, foi o sempre atilado repórter Marcelo Auler. Em texto publicado no seu Facebook neste final de semana, Auler lembra que sonegar passou a ser um bom negócio no Brasil, como demonstra a Operação Zelotes, da Polícia Federal, um assunto que aos poucos já está sumindo do noticiário.
Vale reproduzir o trecho principal do texto do amigo jornalista para entender melhor as origens da festa do caqui em que se transformou a Receita Federal, com a mudança nas leis promovida durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.
“Aqui cabe lembrar que nossos governantes, com o aval dos nossos legisladores, já em 1995, através da Lei nº 9.249, de 26/12/1995, como estipula o artigo 34, simplesmente extinguiram a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/90, que cita crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e na Lei nº 4.729/65, específica para a sonegação fiscal, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
“Ou seja, em outras palavras, amarraram as mãos do Ministério Público, impedindo qualquer processo criminal contra grandes sonegadores, em especial empresários e gente do mercado financeiro, que forem pegos, desde que o sonegador ‘arrependido’ acerte as contas com a Receita. Ele, então, tenta fraudar. Se for pego, corre e se acerta com a Receita – normalmente, parcelando a dívida ou aderindo ao Refis e, com isto, não pode ser processado criminalmente. É como se o ladrão da esquina, depois de pego, devolvesse o que roubou e fosse deixado em paz, livre, leve e solto.”
Vergonha na cara
É o popular: se colar, colou. Se a fiscalização, por acaso, pegar alguma mutreta e multar a empresa do bacana, sempre restará contratar um bom escritório de advocacia e recorrer da punição no agora famoso “tribunal” do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) do Ministério da Fazenda, alvo de investigações da Polícia Federal por fraudes que podem representar um prejuízo já identificado superior a R$ 19 bilhões aos cofres públicos. No total, tramitam atualmente no tribunal centenas de recursos em processos no valor de R$ 500 bilhões (isso mesmo, meio trilhão de reais), que o governo deixa de arrecadar.
Um azeitado esquema de propinas montado com a participação de servidores públicos e representantes dos contribuintes autuados, quer dizer, dos sindicatos e confederações patronais, cuida de diminuir o valor das multas ou mesmo, simplesmente, deletá-las. Pelos valores já divulgados, a Operação Zelotes bota no chinelo os casos dos mensalões e petrolões, e tem tudo para ser promovido a maior escândalo de corrupção na nossa história, se as investigações realmente forem levadas até as últimas consequências, o que não é fácil.
Como o caso só envolve cachorro grande, todo cuidado é pouco, ao contrário do que acontece nas denúncias seletivas da Operação Lava Jato. A diferença de tratamento chamou a atenção até da ombudsman da Folha, Vera Guimarães, que escreveu neste domingo:
“Só na última quinta (2), uma semana depois do início, a operação galgou a manchete deste jornal (‘Mensagem liga lobista a caso que fraudou Receita’). Um dia após ser deflagrada (27), a Zelotes foi o título principal dos concorrentes, mas mereceu na Folha uma chamada modesta. O tema ficou sumido da capa por três dias e voltou ainda menor na terça (31) e na quarta (1º). O furo mais importante até agora, a lista de grandes empresas investigadas, foi obra da concorrência”.
A bronca parece não ter surtido efeito. Na segunda-feira (6/4), não encontrei nenhum registro sobre o assunto no jornal.
A melhor definição sobre o papel do Carf e a atuação da Receita Federal e do Ministério da Fazenda neste escândalo do propinoduto fiscal foi dada por um dos conselheiros do órgão, Paulo Roberto Cortez, em escuta gravada pela Polícia Federal com autorização da Justiça:
“Quem paga imposto é só os coitadinho, quem não pode fazer acordo, acerto (…) eles estão mantendo absurdos lá contra os pequenininho e esses grandões aí tão passando tudo livre, tudo isento de imposto, é só pagar, passa (…) tem que acabar com o Carf imediatamente (…) tem que fechar aquilo, mudar, vai pro judiciário, não pode, não pode isso aí. Virou balcão de negócio. É de dar vergonha, cara”.
Pois é, até os corruptos já estão ficando com vergonha.
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Ricardo Kotscho é jornalista