Nos últimos dias presenciamos uma série de notícias que envolvem as relações entre o Poder Judiciário e a imprensa, nas quais fica patente o debate em torno da liberdade de expressão e da democracia. Vamos aos fatos:
Episódio 1: (Jornal Nacional, 7/5/2005): ‘Atendendo a uma ação do deputado Ronaldo Caiado, um juiz de Goiás ordenou que fosse recolhido o livro Na toca dos leões. Entidades ligadas ao direito, à imprensa e aos escritores criticaram hoje a decisão de um juiz de Goiás que mandou recolher o livro do escritor Fernando Morais, que conta a história da agência de propaganda W/Brasil. A determinação atendeu a uma ação do deputado federal Ronaldo Caiado. O livro ainda está à venda em muitas lojas. Mas por decisão da Justiça, a editora tem 20 dias para tirar de circulação os exemplares de todas as livrarias do país. A obra, do jornalista e escritor Fernando Moraes, vai ser recolhida a pedido do deputado federal Ronaldo Caiado’.
Episódio 2: (Jornal Nacional, 16/5/2005): ‘A decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia de impedir a exibição de uma reportagem do Fantástico provocou reações, em todo o Brasil, contra a censura. A reportagem denuncia o que de pior pode existir na política. Na hora em que a reportagem foi ao ar, a TV Rondônia foi obrigada a exibir a mensagem que informava a decisão judicial. O pedido de liminar foi assinado por 21 dos 24 deputados da Assembléia. A decisão da Justiça estipulou multa de R$ 200 mil para cada vez que ela fosse ao ar’.
Episódio 3: (Jornal Nacional, 16/5/2005): ‘Críticas de Garotinho provocam reações. A Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro considerou inaceitável as críticas e acusações feitas pelo secretário de Governo do Rio, Anthony Garotinho e da governadora Rosinha Matheus contra a juíza eleitoral de Campos, Denise Apolinária. Por isso, hoje a Amaerj decidiu tomar uma medida judicial contra os dois. Eles serão interpelados judicialmente pelos magistrados. O objetivo é fazer com que o casal se retrate. A Associação dos Magistrados Brasileiros também repudiou as declarações de Anthony Garotinho. Em nota, os juízes dizem que a magistratura brasileira não se acovarda diante dos que tentam introduzir no cenário político a figura do coronelismo. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nélson Jobim, se solidarizou com a juíza’.
Desmandos históricos
Estes três episódios, entre outros, ilustram um debate crucial e impostergável que precisa ser enfrentado pela sociedade brasileira: o direito à informação e os limites dessa prerrogativa constitucional.
Fala-se muito, e com razão, na volta à censura. Decisões judiciais (principalmente de primeira instância) pipocam em vários recantos do Brasil numa espécie de ‘medida preventiva’ contra eventuais abusos na veiculação de informações. O que há em comum é que as notícias censuradas previamente se referem a evidentes episódios de corrupção, geralmente perpetrados por elites políticas, cujos status quo estão sendo colocados na berlinda.
Nunca se viu, ou ouviu, tamanha repercussão de sentença judicial dessa natureza quando se trata de informação acerca de possíveis arbitrariedades contra o cidadão comum. O embate se dá num universo cercado pelos históricos desmandos de parcelas das elites brasileiras, que se consideram ‘cidadãos de exceção’, pois sempre invocam certas exclusividades no tratamento da imprensa. Aí está uma primeira questão: a Constituição Federal de 1988 tratou dos direitos de cidadania como universais e, não obstante, impera certa evocação por exclusividades quando se trata de determinados ‘cidadãos de bem’ – como muitos coronéis, banqueiros, políticos e outros ‘tubarões’ se auto-intitulam quanto exigem diferença no tratamento midiático.
Velha política
Ora, nossa República está cheia de corrupção. Todos sabem disso e o que aparece na mídia, esporadicamente, é a ponta de um imenso iceberg. Porém, mesmo sendo um assunto pontual, a questão da corrupção na máquina pública é dos debates um dos mais importantes para nossa democracia. Impossível num país com tantas desigualdades sociais e tão parcos recursos para investimento em políticas públicas não discutirmos os impactos negativos e danosos da corrupção na sociedade e nos governos.
Somente uma mídia livre e democrática tem condições objetivas para tornar pública essa discussão. É da discussão pública que se consegue a mobilização social necessária para o aperfeiçoamento dos sistemas de controle da gestão pública, por um lado, e das melhorias do sistema judicial – fundamental para a aplicação correta da lei visando extirpar do seio do Estado os resistentes e poderosos focos de corrupção.
Portanto, não só os veículos e os profissionais de comunicação estão sendo duramente golpeados com as arbitrariedades da Justiça (por mais antagônica que seja esta expressão), mas toda a sociedade brasileira que precisa saber do submundo oculto da nossa velha política do ‘é dando que se recebe’.
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Filósofo, mestre em Administração Pública (EG/FJP), professor de Políticas Públicas da Educação no Brasil (PUC-Minas)