Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As crianças tomam a palavra

Os jovens foram os donos da sessão de encerramento da IV Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, ontem no Rio. Em todos os momentos, partiram das meninas e meninos as idéias mais brilhantes e as palavras mais certeiras. ‘Trabalhem conosco, não para nós’, pediu aos produtores de mídia a jovem Marisha Shakil, de Kuala Luampur, de 15 anos. Ela tinha subido ao palco com outras três colegas, todas em coloridos trajes orientais, para anunciar a criação da Malasian Childrens’ TV, um dos destaques do encerramento da Conferência, na manhã da sexta-feira na Escola Naval.

Pouco depois, o miúdo Ender Ceballos, venezuelano de 13 anos, pegou o microfone de improviso e disse às mais de mil pessoas da platéia, em espanhol: ‘Quero que todos se coloquem de pé!’. Diante da hesitação do público em obedecer ao comando de alguém com menos de 1 metro e meio de altura, o menino não teve dúvidas e repetiu em inglês: ‘Stand up! Stand up!’.

Diante dos adultos finalmente em pé, o menino disse: ‘ Peço que vocês assumam um compromisso. Em nome de todas as crianças que estão ausentes e que participam de projetos de mídia no mundo inteiro – se comprometem vocês a lutar para conseguir os meios de comunicação de qualidade que todos queremos e pela participação das crianças nos meios de comunicação?’ O grito de ‘sim’ foi geral, na voz dos produtores, jornalistas, professores, crianças e adultos de cinco continentes, que tinham passado aqueles quatro últimos dias literalmente ilhados na Escola Naval do Rio, na Ilha de Villegaignon, sede da Cúpula.

Guerra e política

A participação das crianças deu um tom ativista à plenária, que vinha de um dia anterior em que a indignação com as palestras dos representantes da Rede Globo dominava as conversas nos corredores, especialmente entre os brasileiros. As críticas iam na linha da fala de Laurindo Lalo Leal Filho, professor da USP, na plenária da quinta-feira: ‘Ensinamos aos nossos filhos que os conflitos devem ser resolvidos por conversa e negociação. A TV vem à noite e diz que conflitos familiares devem ser resolvidos na base do tapa’. Ele fez uma referência nada sutil à Globo: ‘Na mesa anterior o representante do canal de TV que no Brasil é praticamente o único – dada a concentração brutal dos meios – falou na importância do ‘pátrio poder’. Mas o que podem os pais contra isso?’ Ele foi o mais aplaudido daquela manhã.

Na sessão de encerramento, as meninas da Malásia impressionaram o público com a maturidade e engajamento político do vídeo que mostraram: uma reportagem sobre sua visita ao Iraque, em 2001, antes da invasão norte-americana.

No vídeo, em tom de diário pessoal, sete crianças do projeto Young Achievers Club, de Kuala Lumpur, visitam crianças em escolas, hospitais e abrigos de Bagdá. Narrada pelas crianças, a reportagem mostra imagens de um ponto-de-vista infantil, no melhor sentido da palavra: ‘nas salas de aula de Bagdá três crianças têm que dividir a mesma carteira’. Por três minutos – um longo tempo para nossos olhos acostumados com a TV comercial – olhares em close de bebês órfãos da guerra sucedem-se na tela, ao som do Concerto de Aranjuez.

Ao final, as próprias crianças-repórteres dirigem-se às crianças iraquianas, numa mensagem que transpira sinceridade: ‘Prometemos não descansar enquanto a ONU não retirar suas sanções sobre o Iraque. Por favor, sejam fortes, tenham esperança’. O vídeo termina com a menina apresentadora dizendo: ‘A guerra e a política são jogos de adultos. Mas nesse jogo quem perde são sempre as crianças’.

‘Até Johannesburg!’

Quando as luzes se acenderam, as meninas autoras do vídeo fizeram do palco um discurso, sorridentes e espontâneas, sem nem precisar olhar para os papeizinhos que traziam nas mãos: ‘Nós, os jovens do mundo, temos uma voz. Por favor, adultos, nos dêem o direito de usar essa voz. Sabemos que ainda precisamos que vocês nos guiem. Se vocês derem um papel a uma criança, ela fará um lindo desenho. Com a ajuda de vocês, esse desenho se transformará em algo ainda mais rico. Mas por favor: trabalhem conosco, não para nós’, disseram Amanda Khairul, Marisha Shakil, Sarah Chen e Jennifer Guan.

Para celebrar a indicação da África do Sul como sede do próximo Summit, em 2007, a vibrante Firdoze Bulbulia, coordenadora da TV para crianças da África do Sul, chamou ao palco todos os africanos presentes, adultos e crianças. Ela perguntou então às dezenas de representantes do continente que a rodearam qual seria uma canção que todos poderiam cantar juntos. Mais uma vez foi uma adolescente quem tomou a palavra. A jovem Dulce Massunda, do Programa de Crianças da Rádio Moçambique, sugeriu na hora o refrão que foi cantado por todos: ‘A luta continua’. Muitos se abraçaram, dizendo: ‘Até Johannesburg!’

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Professora-adjunta do Pós-graduação em Educação e Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina