Por que as pessoas leem e escrevem? As respostas variam de acordo com o interlocutor. Na essência, todas remetem a uma questão primordial: a necessidade que temos de nos comunicar, de compreender e nos fazer compreendidos. Isso, afinal, é elementar na vida em sociedade. Muitos dirão que decifrar os códigos da palavra nos ajudará de várias maneiras e que foi absolutamente fundamental para a invenção da civilização, inclusive por permitir que nos apropriemos do conhecimento universal. Ou porque, ao ler um bom livro, crescemos com a troca de experiências com figuras muitas vezes diferentes de nós e com visões distintas de mundo.
Aos 70 anos, dona Maria Terezinha, que frequenta a mesma sala de aula que a nora e um casal de netos, desenvolveu uma teoria interessante. Embora sempre tivesse facilidade em desenhar (às vezes, dando milho às galinhas no quintal num dia de sol; outras, rodeada pela parentela e a natureza exuberante às suas costas; ou, ainda, ajudando a construir o sonho da casa própria no epicentro da lavoura familiar), a verdade é que dona Maria nunca soube rabiscar uma letra. No entanto, jamais deixou de se expressar.
Com o pé na estrada
Isso começou a mudar no dia em que ela resolveu entrar para uma das quatro turmas noturnas do curso de Educação de Jovens e Adultos no Horto Guarani, assentamento rural entre Pradópolis e Guariba, interior paulista. Por ora, ela só aprendeu a desenhar o próprio nome que, por sinal, faz como uma oração sagrada, com muito orgulho e até uma alegria quase juvenil. Já foi o suficiente para que, dia desses, quando precisou ir ao banco, sua vida ganhasse um colorido especial.
Pela primeira vez, não precisou borrar o dedo de tinta para carimbar a identidade no papel. Na ocasião, foi convidada a assinar seu nome. Foi uma sensação única. Como incentivo, foi levada para tirar uma nova cédula de identidade. Lá, estava cravada como um punhal a palavra cruel que, mesmo que não soubesse ler, a enchia de vergonha: analfabeta, que, naquele momento, foi riscada do seu dicionário. Maria Terezinha sabe que ainda falta um bocado para chegar lá. E que precisará continuar a dar duro, como faz na roça.
O que dá força é a alegria que sentiu aquele dia no banco. Isso ninguém mais tira. ‘Acho que é isso o que o pessoal da cidade chama de cidadania’, conclui, com o jeitão de quem não tira mais o pé dessa estrada.
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Jornalista, escritor e diretor do Observatório do Livro e Leitura