O Globo segue tratando, na edição de quinta-feira (20/9), das ações do crime organizado na política, com uma ampla reportagem sobre a presença de candidatos ligados a quadrilhas como candidatos a vereador e a prefeito em muitos municípios fluminenses. Segundo o jornal, a violência e a corrupção política já contaminaram pelo menos 8 das 18 cidades da região metropolitana do Rio, com alguns casos de candidatos tão escandalosamente articulados com quadrilhas que é como se a Lei da Ficha Limpa fosse uma ficção.
A reportagem traz um amplo leque de informações altamente preocupantes sobre as ações praticamente sem limites dos criminosos com o objetivo de dominar as urnas. Segundo um dos entrevistados – o presidente do Tribunal Regional Eleitoral –, está em andamento uma operação do crime organizado para se apropriar do Estado pela via eleitoral. Na sua opinião, a Lei da Ficha Limpa foi um avanço mas ainda é ineficiente no controle dos candidatos.
Outros especialistas ouvidos pelo jornal apontam como causas do fenômeno a ineficiência do poder público no controle do território e o ranço da cultura do coronelismo nessas regiões. Um dos casos mais preocupantes inclui até mesmo o assassinato de um candidato a prefeito que se opunha a determinado grupo criminoso.
Presença do Estado
Alguns analistas entendem que, pressionados pela nova política de segurança do governo fluminense, que ocupa algumas favelas do Rio com o projeto da “polícia pacificadora”, os líderes de quadrilhas buscam o respaldo no poder público, financiando candidatos a prefeituras e câmaras municipais nas cidades em torno da capital fluminense, como forma de se reorganizar e reestruturar sua influência.
Como sempre, as comunidades mais afetadas são aquelas que apresentam os piores indicadores de desenvolvimento humano, onde o coronelismo, o clientelismo e a herança populista sempre marcaram a política.
Segundo autoridades ouvidas pelo Globo, alguns desses clãs foram afastados do poder nos últimos anos graças à ação mais efetiva da Justiça, e tentam voltar pela força, como verdadeiros comandos criminosos.
A situação, principalmente na Baixada Fluminense, lembra os tempos do “coronel” Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque, deputado federal de origem alagoana que dominou a política da região entre as décadas de 1940 e 1960, com a ajuda de milicianos e uma metralhadora apelidada de “Lurdinha”.
Tenório Cavalcanti, como era conhecido, costumava usar uma capa preta, na verdade uma beca da Universidade de Coimbra, presenteada por um estudante que ele havia ajudado, onde levava escondida a metralhadora. Era considerado um populista de esquerda, e durante o regime militar chegou a abrigar em sua fortaleza na cidade de Duque de Caxias pessoas perseguidas pela ditadura, como o comediante Chico Anysio, a atriz Norma Bengell e ativistas da oposição, como o então presidente da UNE José Serra.
Os atuais “coronéis” da política fluminense não exercem o mesmo fascínio de figuras como Tenório, mas tentam controlar os votos pelo terror e a corrupção. Segundo cientistas políticos ouvidos pelo Globo, a situação denunciada pelo presidente do TRE representa a associação entre famílias que dominam a política da região há décadas e organizações criminosas em busca de novos negócios.
A solução, segundo a reportagem, seria reforçar a presença do Estado nesses municípios e distritos onde a pobreza ainda mantém as populações dependentes de favores desses grupos organizados.
Em São Paulo, tudo bem
Os jornais paulistas não têm tocado em assunto semelhante. No entanto, o noticiário esparso vem revelando, desde 2010, que agentes do grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital têm atuado como cabos eleitorais de candidatos em vários níveis, e a organização chegou a lançar um de seus integrantes à Câmara dos Deputados.
Além disso, a região metropolitana de São Paulo possui comunidades imensas onde não entram nem mesmo os serviços básicos, como caminhões de entrega de gás ou viaturas da polícia. Nesses rincões apartados da vida republicana, a lei é imposta por traficantes, e naturalmente só entram os cabos eleitorais dos candidatos aprovados por eles.
A imprensa paulista ignora essa realidade, talvez porque os repórteres também não consigam entrar pelas vielas, ou talvez porque não interesse aos jornais revolver essa chaga.