Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As tentações da conjuntura

Depois de quatro anos cometendo ‘observações da mídia’ neste OI – primeiro quinzenais, depois semanais –, tenho poucas dúvidas de que, além de ser um trabalho fascinante, trata-se também de uma atividade onde todo cuidado é pouco para não se cair na tentação da fácil análise das aparências conjunturais. É sempre ela que é a mais lida, tem mais repercussões no espaço virtual e produz mais respostas de leitores. No entanto, é a análise fácil que corre o risco de ser igual ao que a torna possível, isto é, apenas mais uma aparência conjuntural.

Poderia se objetar: então, a conjuntura não deve ser ‘observada’? Obviamente, sim. A conjuntura deve ser observada. A dificuldade básica, no entanto, é distinguir o que é apenas conjuntural, passageiro, aparente, daquilo que, ao contrário, é estrutural, histórico, menos transitório.

A principal fonte do trabalho do observador, por óbvio, é a própria mídia. É o que ela torna público. E, claro, as informações sobre ela que resultam da pesquisa, de origem acadêmica ou qualquer outra. O observador, creio, deve estar atento àquilo que permite compreender melhor como a mídia se comporta, os padrões observáveis das coberturas que produz e, comparativamente, desvelar as suas muitas contradições.

Evidentemente, não há fórmulas mágicas ou garantias para que uma observação seja produzida desta forma. Mas, creio, não será difícil distingui-la daquelas que são apenas mais uma aparência conjuntural.

Vazamentos, acusações e a cobertura

Essa breve reflexão pessoal sobre o trabalho do observador decorre dos ricos acontecimentos que, nas últimas semanas, culminaram com a prisão de suspeitos situados no topo da hierarquia social brasileira – banqueiros (no Brasil e no exterior), agentes financeiros, grandes empresários, ex-ocupantes de mandatos eletivos, etc. – envolvendo ações da Polícia Federal, do Ministério Público, do Supremo Tribunal Federal e, por óbvio, a correspondente cobertura produzida pela mídia.

Não é a primeira vez que, aparentemente, o fundamental, vale dizer, os eventuais crimes cometidos, ganham, na cobertura jornalística, uma saliência secundária em relação às operações e os procedimentos das prisões dos suspeitos. O instrumental e secundário não só ofusca o principal como serve para justificar – pelo menos publicamente – decisões do próprio Judiciário em relação aos suspeitos.

O que é e o que não é ‘espetáculo’ na arena pública do mundo contemporâneo dominado pela imagem da TV? O que é mesmo ‘espetacularização’? Por que a mídia – a principal produtora dos ‘espetáculos’ – acusa, ela própria, a Polícia Federal de ‘espetacularizar’ suas ações? A suposta ‘espetacularização’ da cobertura midiática das ações da Polícia Federal altera a natureza dos crimes eventualmente cometidos?

E a eventual revelação antecipada das operações policiais a um grupo de mídia? Altera a natureza dos crimes? E/ou levanta suspeitas sobre a relação existente entre jornalistas/grupos de mídia e setores policiais?

Há, no entanto, um outro lado dessa história. E se ficar comprovado o eventual envolvimento, não só de jornalistas, como até de grupos de mídia nas ações criminosas? Estariam interesses de alguns grupos presidindo os vazamentos, as trocas de acusações e a cobertura jornalística dominante? E o que dizer das contradições dentro da própria Polícia Federal? E, mais ainda, dentro do próprio Judiciário?

O tamanho do imbroglio

Alguns dos personagens e grupos envolvidos nos eventos das últimas semanas nos remetem a questões que surgiram, pela primeira vez, ao longo do processo de privatização de importantes setores da economia brasileira no final dos anos 80, sobretudo a privatização das nossas telecomunicações. Os interesses em jogo dizem respeito a uma das atividades mais lucrativas do capitalismo contemporâneo: a produção e distribuição de dados, informação e entretenimento. Aqui e alhures. Desnecessário lembrar, portanto, as possíveis implicações políticas das prisões e das ‘revelações’ que potencialmente podem ser feitas nos depoimentos dos suspeitos envolvidos.

A magnitude do que está em jogo e suas múltiplas contradições aconselham que o menos arriscado para o observador da mídia é levantar questões, recorrer à história e ter paciência para acompanhar a cobertura que a mídia vai continuar oferecendo. A regra básica, no entanto, é: não cair na tentação das aparências conjunturais.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)