Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Atenção para os ajustes necessários

Na madrugada de domingo (15/2), encerra-se mais um horário de verão nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. Segundo o Ministério das Minas e Energia, a medida representou uma economia de cerca de 2 mil megawatts, o equivalente a R$ 4 bilhões. Mas um outro número fornece uma dimensão das controvérsias encaradas pelo governo brasileiro em relação a temas como desenvolvimento versus direitos humanos: durante os quatro meses em que a mudança de horário esteve em vigor, a classificação indicativa dos programas televisivos deixou de existir para mais de 20 milhões de crianças e adolescentes justamente nos estados onde não houve alteração de horário.


A Portaria 1.220, publicada em junho de 2007 e que institui a classificação indicativa para TV, entrou plenamente em vigor apenas em abril de 2008, sobretudo por conta da resistência das emissoras a adaptar suas programações aos diferentes fusos horários do país. Naquele momento, o Ministério da Justiça (MJ) concedeu duas prorrogações de prazo para que as empresas adaptassem as transmissões.


Já em outubro, o horário de verão passou a ser o novo cabo-de-guerra entre o Ministério da Justiça, o Ministério Público Federal (MPF) e as grandes empresas do setor. Com as mesmas alegações de ‘dificuldade técnica’ e ‘prejuízo econômico’, as emissoras lograram a benevolência do ministro da Justiça, Tarso Genro, que acatou os argumentos das empresas e declarou suspensa a vinculação entre a classificação dos programas e horário de exibição.


Segundo a portaria, a hora a ser seguida é a local, independente do fuso horário. Mas com a decisão do ministro, as emissoras mantiveram para as regiões Norte e Nordeste a mesma programação vinculada ao horário de Brasília, o que acarretou em uma diferença de duas horas entre o horário de veiculação de um programa no Rio de Janeiro e em Manaus, por exemplo.


‘Tivemos tratativas com o Ministério da Justiça para que a classificação indicativa fosse observada no período de horário de verão’, conta Gilda Carvalho, procuradora federal dos direitos do cidadão. ‘Contudo, depois de muita conversa, não conseguimos que o ministro retrocedesse.’


Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça do MJ, acredita que, por ser o primeiro ano de aplicação da medida ‘obviamente, que problemas poderiam aparecer’ e que, para o próximo ano, o MJ vai se adiantar e decidir mais cedo sobre a questão do horário de verão.


Interpretações à parte


O imbróglio entre as partes começou quando opiniões divergentes surgiram a respeito da suposta diferença entre fuso horário e horário de verão, a partir do questionamento da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert). A associação ouviu do gabinete do ministro Genro a resposta de que seriam, sim, coisas diferentes.


O tema já vinha sendo tratado com o MPF, justamente com o propósito de evitar erros de interpretação. Contudo, a boa intenção do secretário Tuma Jr. não foi suficiente para que o caso chegasse solucionado ao prazo da instalação do horário de verão. ‘Foi uma coisa `meio de surpresa´. Não prevíamos que poderíamos ter, do nosso lado, interpretações diferentes.’


Segundo o secretário, a Abert alegava problema econômico, o que levou à avaliação de que seria pertinente o MPF cobrar dos empresários a explicação desse prejuízo. ‘Estávamos construindo uma argumentação para apresentar ao ministro para que ele reavaliasse a decisão. O MPF chegou a nos mandar a cópia do ofício encaminhado como resposta pela Abert, lá em outubro, novembro’, contou Tuma Jr. ‘O ofício, na verdade, não esclarecia nada sobre o prejuízo econômico. Pedimos uma revisão disso pela Abert, eles disseram que enviariam e aí vem o período de férias, aquela coisa enrolada… a gente estava aqui, todo dia, mas sabe como é…’


Apesar de tanto o secretário como a procuradora ressaltarem que existem entre as duas instituições interesses comuns, o questionamento à Justiça feito pelo MPF logo após a entrada em vigor do horário de verão teria, segundo Tuma Jr., impedido novas ações por parte do ministério. ‘Veja bem: eu não estou questionando, criticando a atitude do MPF, mas fiquei amarrado porque eu não poderia deliberar sobre um tema que teria logo mais uma decisão judicial’, esclarece o secretário.


Segundo Gilda, a partir da negativa do ministro em reavaliar a questão, não havia mais possibilidades de negociação, restando apenas a Justiça como resguardo. ‘Nossa avaliação é de que esgotamos as tratativas para que o ministro voltasse atrás. No momento em que o ministro se nega, tivemos que procurar o sistema judiciário.’


Fora de hora


Segundo Mariana Martins, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a implementação do horário de verão afeta diretamente a população do Norte e do Nordeste. O prejuízo se dá justamente porque não há nenhum esforço por parte das emissoras em adequar determinadas cenas das novelas, por exemplo, visto que a programação entra mais cedo nestes locais. Moradora de Recife, ela cita o exemplo do reality show Big Brother Brasil. ‘Esse programa, por todo tipo de exposição que promove, não poderia passar antes das 22h em lugar nenhum do Brasil. Aqui, às vezes, 20h30, 20h45 começa o programa.’


‘De fato, se o objetivo da classificação indicativa é indicar aos pais o que fazer e antecipa-se toda a programação da emissora, tira-se todo o propósito da classificação’, avalia Ivan Moraes, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Para ele, o trabalho dos pais é que acaba sendo prejudicado.


Mariana questiona ainda a opção das emissoras em deixar as regiões Norte e Nordeste em segundo plano. ‘Nós sempre temos que nos adaptar aos ditames do Sudeste. Quando não é pelo horário de verão, é pela programação completamente dominada por programas do eixo Rio-São Paulo.’ A reclamação procede pelo simples fato de que o horário de verão, na verdade, altera a hora local dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, mas quem tem a programação de TV modificada são os demais estados.


Para o próximo verão


Romeu Tuma Jr. afirma que a posição da Secretaria Nacional de Justiça é de que o cumprimento da classificação indicativa tem de ser adequado ao horário local e esta será a posição defendida este ano, para resolver a questão do horário de verão com a antecedência que não existiu em 2008. Além disso, o MJ deve investir na divulgação da classificação indicativa e do trabalho do Departamento de Justiça – responsável pela classificação dos programas – através de seminários nacionais, tanto para as emissoras e profissionais da área quanto para o público.


Sobre o a polêmica atual, o secretário enfatiza: ‘O argumento econômico cai por terra, porque ele não pode prevalecer sobre o direito das crianças e adolescentes, nem sobre a igualdade de todas as crianças do Brasil’.


Como este horário de verão já praticamente acabou, resta trabalhar para que as tais ‘interpretações divergentes’ sejam finalmente resolvidas e que situações como as descritas por Mariana e Ivan não voltem a se repetir. ‘Acreditamos que o ocorreu nos últimos meses irá repercutir e trazer conseqüências. Sustentei que fuso e horário de verão são a mesma coisa, portanto, que fique claro à Abert que a classificação indicativa deve ser respeitada em qualquer parte do país’, afirma Gilda Carvalho.

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Do Observatório do Direito à Comunicação