Nem nos primórdios do judiciário ocidental, na Grécia e Roma antigas, nem nos despachos napoleônicos da França em sangue nem na ilha comunista de Fidel se produziu sentença tão injusta, descabida, desgraçada e falha quanto a prolatada pela Justiça de Itaporanga, Paraíba, no dia 29 de maio de 2009 em desfavor do jornal Folha do Vale e de um seu colunista, Isaías Teixeira. Para começo, basta dizer que os réus não foram ouvidos no processo e, subitamente, terminaram condenados.
A sentença determina que o jornal e o colunista paguem 40 mil reais em reparação por supostos danos morais às promotoras de Justiça Ana Cândida e Priscilla Miranda, que se sentiram ofendidas por informações publicadas pelo jornalista em abril de 2004 de que as citadas promotoras não estavam cumprindo expediente integral no Ministério Público de Itaporanga, acarretando prejuízo a dezenas de pessoas, inclusive de outras cidades, que acorriam ao município em busca de solução para seus problemas na Promotoria, mas encontravam o órgão vazio e voltavam com um problema a mais: o único tostão que tinham desaparecera na viagem perdida. Quando e como voltar? Alguns nunca mais apareceram na Promotoria por falta de condição ou de esperança.
A informação, seguida de um comentário do jornalista, nasceu das frequentes queixas da população em relação à ausência das promotoras dos seus postos de trabalho, especialmente nas segundas e quintas-feiras, já que elas não residiam em Itaporanga. Basta um mínimo de bom senso para se concluir que o jornal não iria inventar algo contra gente tão poderosa e, se publicou o fato, é porque ele é absolutamente verídico.
Uma última esperança
Gente poderosa e com grande influência nos fóruns e tribunais. Elas moveram ação por danos morais contra o impresso e seu colunista e foram vitoriosas em primeira instância, a vitória da injustiça. A juíza que julgou o caso poderia ter tido, pelo menos, a curiosidade de saber o que os réus tinham a dizer, mas nem isso. Até nos processos da Inquisição na Idade Média era dada a oportunidade para o acusado defender-se, mesmo que previamente já estivesse condenado à fogueira da Igreja: tudo para dar uma satisfação à sociedade e fingir um processo justo, mas aqui nem essa preocupação prevaleceu. Não prevaleceu nenhuma preocupação com a moral da sentença jurídica: interesses pessoais e uma vingança disfarçada de veredicto justo deram base a um despacho deplorável.
Na esperança de que uma instância colegiada e superior repare a decisão da Justiça de Itaporanga, o jornal e o colunista recorreram ao Tribunal de Justiça da Paraíba, que recebeu o processo em abril deste ano, mas a primeira movimentação processual já foi desfavorável aos réus: o Ministério Público estadual concluiu, no começo deste mês, um relatório em favor das duas promotoras, o que não é surpresa. Surpresa seria se o ‘fiscal da lei’ tivesse apurado a denúncia protocolada pelo jornalista contra as promotoras por abuso de autoridade, já que quando leram a matéria do jornal, elas, sem mandado ou intimação, mandaram a polícia buscar o colunista onde se encontravam e no interior do prédio que abriga a Promotoria desrespeitaram a própria função que as veste.
A única esperança do pobre jornal e do humilde colunista nesse litígio desigual contra gente tão influente e rica está nas mãos do desembargador-relator do caso, Marcos Cavalcanti de Albuquerque, e da corte estadual de Justiça. Esperamos que ele não permita que essa sentença prevaleça porque prevalecendo ela não pune injustamente apenas um simples jornal, cuja coragem e isenção tem lhe sido caras, mas fere, principalmente, o direito à liberdade de expressão e ao livre exercício jornalístico.
Medo do sol quente
Essa não é a primeira vez que o jornal é vítima do judiciário: em setembro de 2008, sua redação foi invadida por policiais e seus exemplares apreendidos, o que é inconstitucional, a mando da mesma Justiça que agora o condena a uma pena impagável para suas condições.
No caso da invasão da redação e apreensão dos exemplares, em virtude de uma pesquisa para consumo interno feita pelo jornal, o lamentável é que a decisão da magistrada deu-se com base em uma petição não subscrita por advogado, outra falha gravíssima e em função da qual o processo foi arquivado, mas ficou o prejuízo moral e material para o impresso.
É difícil fazer jornalismo sério, isento e voltado para os interesses da coletividade, principalmente neste longínquo e esquecido Vale do Piancó, onde as associações de imprensa e as instituições de defesa da liberdade de expressão não pisam por medo de sol quente.
Observação: o jornal Folha do Vale, impresso vintenário de tamanho padrão, atua há nove anos no Vale do Piancó e tem sede em Itaporanga (PB).
******
Editor, Folha do Vale, Itaporanga, PB