Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Atletas cubanos: perguntas que a imprensa não respondeu

A cobertura dos episódios que envolveram a deserção e o retorno à Cuba dos boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, durante os Jogos Pan-Americanos do Rio, ainda está longe do fim. Com muitos pontos obscuros, a deportação dos pugilistas – abandonados pelos meios de comunicação, pela classe política e pelas organizações que defendem os direitos humanos durante mais de dez dias – foi a pauta do Observatório da Imprensa na TV exibindo na terça-feira (14/08).


No editorial de abertura do programa, Alberto Dines observou que o fato de o governo não parecer interessado em esclarecer os detalhes da deportação fez com que a imprensa tivesse que empenhar-se ainda mais na investigação dos fatos. De acordo com o jornalista, a mídia – principalmente os veículos populares cariocas – está fazendo uma boa cobertura, mesmo sem a ajuda das fontes oficiais. Dines lamentou a politização do caso: ‘Tão logo noticiou-se que os boxeadores haviam sido embarcados num sábado à noite, em segredo, num jatinho fretado pelo governo de Havana começou uma intensa guerra ideológica’. E alertou: ‘A este Observatório interessa apenas a discussão sobre o desempenho da imprensa. A ideologia, qualquer ideologia, só serve para atrapalhar quando se busca a verdade’ [ver abaixo a íntegra do editorial].


A reportagem exibida antes do debate rememorou casos de deserção em jogos Pan-Americanos anteriores e fez um retrospecto das fugas de atletas nos jogos deste ano. A matéria avaliou que a imprensa, de modo geral, deu destaque ao assunto, mas não acompanhou o desenrolar dos fatos. Todos, inclusive a imprensa, teriam ficado surpresos quando os boxeadores foram entregues ao governo de Cuba. A matéria sustentou que o jornal carioca Extra fez um bom trabalho ao investigar o período em que os cubanos viveram escondidos no Rio de Janeiro, além de manter o rigor na cobertura entrevistando, inclusive, os agenciadores dos pugilistas. E registrou que o ombudsman da Folha de S.Paulo, Mário Magalhães (‘Jornalismo nocauteado’, de 12/8), avaliou que a cobertura dos jogos feita pelo seu jornal foi opinativa, pouco informativa e precipitada.


O silêncio dos governos


O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), titular da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado e boxeador na juventude, participou do debate nos estúdios da TVE em Brasília. Dois repórteres que trabalharam na cobertura do caso estiveram presentes: Gustavo Goulart, da editoria Rio do jornal O Globo, no Rio de Janeiro, e Eduardo Ohata, repórter do caderno Esportes da Folha de S.Paulo, nos estúdios da TV Cultura. Também em São Paulo, participou o desembargador Wálter Maierovitch, presidente e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais e ex-secretário Nacional Antidrogas da presidência da República no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.


Após explicar aos telespectadores que a embaixada de Cuba em Brasília fora convidada a participar do programa, mas não respondeu à solicitação, Alberto Dines abriu o debate com uma pergunta a Eduardo Suplicy sobre o convite feito ao governo para esclarecer o episódio no Senado. Suplicy explicou que o requerimento de convocação feito pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) ao ministro da Justiça, Tarso Genro, foi transformado em convite por uma tradição que vem sendo mantida pelo Senado. Para ele, nesta ocasião, o ministro terá oportunidade de explicar em que circunstâncias os boxeadores, após desertarem, disseram espontaneamente que queriam voltar a Cuba.


A pedido de Dines, Eduardo Ohata comentou a coluna do ombudsman da Folha de S.Paulo. ‘Na verdade, eu acho que nós demos voz a todo mundo que estava envolvido no episódio’, disse o repórter. Ele afirmou que procurou falar com o maior número de personagens – fontes oficiais ou não – para construir um retrato fiel do que aconteceu.


Contradição na condução do caso


Walter Maierovitch explicou a diferença entre deportação e saída voluntária. O primeiro caso engloba o estrangeiro clandestino, aquele que entra irregularmente no país ou que ali permanece de forma ilegal. Já na saída voluntária, o estrangeiro deixa o país espontaneamente. O desembargador apontou uma contradição no caso: ‘Se a saída dos cubanos foi uma saída voluntária, por que a toque de caixa, se na situação mais grave, que é a deportação, se estabelecem prazos e notificações de três a oito dias?’.


Para Gustavo Goulart, é função da imprensa não depender diretamente das fontes oficiais e desenvolver um trabalho de investigação para dar a notícia com maior veracidade possível. Ele explicou que como neste caso o governo não havia se manifestado, todos os jornalistas envolvidos na cobertura buscaram fontes extra-oficiais. Por meio dessas fontes, Goulart e descobriu onde estavam os atletas e o agenciador alemão, e esteve com eles sem se identificar como jornalista. ‘O que eu vi lá foi alegria total, uma felicidade plena deles aqui. Estavam completamente à vontade. Não vi, aparentemente, nenhum constrangimento, não demonstraram inicialmente nenhum desejo de retornar ao seu país’, contou.


O repórter Eduardo Ohata, que esteve com o pugilista Guillermo Rigondeaux durante um treino em uma academia do Rio de Janeiro antes da deserção, afirmou que o boxeador estava plenamente convicto de seu amor pela ilha, mas não quis comentar outros casos de deserção de atletas cubanos – o que poderia corroborar a tese de que o atleta já estava com intenção de abandonar sua delegação.


O apelo do senador


Eduardo Suplicy relevou que junto com o ex-boxeador Éder Jofre, de quem é amigo, escreveu uma carta ao presidente de Cuba, Fidel Castro, com um apelo humanitário em favor dos atletas. Eduardo Suplicy lerá o texto na tribuna do Senado e já entregou a carta ao embaixador de Cuba, Pedro Mosqueira. Nela, pede para o governo da ilha dar uma nova oportunidade para os pugilistas continuarem representando o país. Mas, para isso, o senador acredita ser preciso ‘que estes lutadores dêem a suficiente garantia de que estejam querendo, de fato, lutar por Cuba, já que se disseram arrependidos de todos os episódios’,


De acordo com Goulart, do Globo, do ponto de vista jornalístico o mais importante é descobrir, sem juízo de valor, o que aconteceu entre a deserção dos atletas e a volta deles à ilha. Ohata, da Folha, afirmou que soube através de fontes da empresa Arena Box Promotion que as famílias dos boxeadores estavam sendo pressionadas. Segundo fontes da empresa ouvidas pelo repórter, eles já haviam estado no consulado da Alemanha para buscar os vistos de entrada naquele país e pareciam dispostos a seguir o planejamento do agenciador. Ohata estranhou o fato de os atletas mudarem de opinião em tão pouco tempo. Outro ponto que o jornalista avalia como confuso é o motivo de não ter sido facultado aos boxeadores o direito de escolher entre voltar para Cuba ou permanecer no Brasil. Ele ressaltou que não foi explicado aos pugilistas por que o fato de eles estarem sem documentos os impediria de continuar no país.


Mesmas situações, coberturas diferentes


A diferença entre a cobertura da deserção dos boxeadores e a dos demais esportistas que deixaram a delegação cubana foi avaliada no debate. Para Eduardo Ohata, um dos pontos decisivos foi a posição do governo de Cuba, que desde os primeiros momentos da fuga dos pugilistas pediu para a Organização Desportiva Pan-Americana (ODEPA) entrar em contato com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) para localizar os atletas. E ressaltou que os pugilistas tinham prestígio internacional, o que aumentaria o interesse do governo cubano.


O desembargador Wálter Maierovitch comparou dois momentos da história nos quais foi praticado o aliciamentos de esportistas. Ele explicou que durante a Guerra Fria, a CIA buscava atletas de países comunistas ‘para quebrar aquela propaganda feita pelos regimes totalitários’. Já hoje, com a queda do Muro de Berlim, criou-se um vazio que foi preenchido pelos empresários, que às vezes prometem o que não podem cumprir. O alvo principal seria Cuba, pois o país continua fechado e tem bons atletas.


No encerramento do debate, os jornalistas do Globo e da Folha concordaram que o caso da volta dos atletas ainda não está totalmente esclarecido e que as investigações devem continuar: ‘Muitas questões ainda precisam ser respondidas neste episódio’, disse Eduardo Ohata. ‘Não é um caso que deva morrer aí. Isso abre uma discussão muito mais ampla sobre as condições dos desportistas cubanos’, concluiu Gustavo Goulart.


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A deportação de atletas cubanos


Alberto Dines # editoral do programa Observatório da Imprensa na TV nº 429, no ar em 14/8/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Está mal contada a história dos boxeadores cubanos repatriados depois do Pan. Como os protagonistas estão em Cuba, só quem poderia contar esta história, com todos os detalhes, seria o nosso governo. E como este não parece inclinado a desenvolver seus dotes narrativos, sobrou para a imprensa.


E a imprensa, sobretudo a imprensa popular carioca, está dando conta do recado. O melhor desta cobertura é que ela está sendo feita sem a ajuda das fontes oficiais, sem declarações de autoridades, apoiada na ferramenta jornalística mais elementar: a investigação. Desta vez, a Polícia Federal ficou de fora porque o seu desempenho no episódio, se não foi suspeito, tem sido pelo menos estranho.


Como tudo o que acontece hoje no Brasil, o caso dos atletas cubanos foi intensamente politizado. Tão logo noticiou-se que os boxeadores haviam sido embarcados num sábado (4/8) à noite, em segredo, num jatinho fretado pelo governo de Havana, começou uma intensa guerra ideológica. Hoje, onze dias depois, as coisas parecem mais claras, já que não apareceram versões que contrariem a da imprensa.


A este Observatório interessa apenas a discussão sobre o desempenho da imprensa. A ideologia, qualquer ideologia, só serve para atrapalhar quando se busca a verdade. Não nos interessa julgar o governo cubano, muito menos o comandante Fidel Castro, sem dúvida, uma das grandes figuras do século 20. A este Observatório interessa apenas que as histórias, todas as histórias, sejam bem contadas.

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Jornalista