Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Boa notícia para os direitos da criança

Os últimos dias foram muito especiais para a infância brasileira. Depois de intenso debate, enfim, o setor regulado, mais especificamente a Associação Brasileira da Indústria Alimentícia (Abia) e a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), representando 24 empresas da indústria de alimentos, anunciou que passará a adotar um código de conduta, comprometendo-se, dentre outras restrições, a deixar de fazer publicidade dirigida a crianças de até 12 anos de idade. Os pais passam a ser o novo público-alvo.

Todas as empresas que aderiram a esse compromisso merecem o mais alto grau de reconhecimento pela iniciativa. A decisão de não mais anunciar produtos alimentícios ao público menor de doze anos, ainda que com as exceções previstas no documento, é sem dúvida um grande passo em direção à garantia dos direitos das crianças.

É sabido que, até por volta dos 8 ou 10 anos, as crianças sequer conseguem distinguir o que é anúncio publicitário do que é conteúdo de entretenimento, seja na televisão, nas rádios, na internet ou nas publicações impressas. E, mesmo depois que já conseguem fazer essa distinção, não entendem o caráter persuasivo da publicidade até os 12 anos. Se a publicidade lhes diz que precisam consumir determinado produto ou serviço para serem mais felizes, saudáveis ou estarem integradas em seus grupos, elas simplesmente acreditam. A partir daí, passam a sofrer até conseguirem consumir os produtos e serviços anunciados. Pelo menos até o próximo comercial.

Todos saem ganhando

Essas são algumas das razões que reforçam a importância desse novo compromisso assumido no Brasil. Principalmente porque, no caso específico dos alimentos, o estímulo ao consumo provocado pela publicidade dirigida ao público infantil é também um dos fatores que contribui para o aumento dos índices de obesidade e transtornos alimentares. Os dados do Ministério da Saúde apontam que hoje, no Brasil, 15% das crianças já sofrem de obesidade e 30% delas estão com sobrepeso.

A decisão das 24 empresas signatárias só vem corroborar a proposta da Consulta Pública nº 71 da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), cuja última audiência pública aconteceu no dia 20 de agosto, em Brasília. O que a Anvisa propõe é o cumprimento das leis já em vigor no Brasil, no sentido de que seja resguardada a infância brasileira e, com isso, dentre outras regras, não mais sejam dirigidas publicidades ao público infantil. É importante que, além dos compromissos firmados por estas grandes companhias, o poder público exerça o seu papel e cumpra a sua responsabilidade de fazer valer as regras de proteção às crianças de maneira geral.

A autorregulamentação do setor alimentício é muito bem vinda e merece o reconhecimento incondicional de toda a sociedade. Contudo, é imprescindível que regras como as propostas sejam válidas para todas as empresas do setor, independentemente de pactuarem de forma voluntária com o código de conduta proposto. Assim como é essencial que se criem sanções para aquelas que descumprirem as regras. Não por outro motivo, além da Consulta Pública nº 71, há dezenas de projetos de lei apresentados no Congresso Nacional e diversas ações judiciais tramitando nas cortes brasileiras sobre o tema da publicidade de alimentos. Todos com o intuito de assegurar uma maior proteção aos direitos e garantias das crianças.

Mas, ainda que ajustes sejam necessários para atingirmos o ideal, há que se prestigiar empresas que, tal como as signatárias desse compromisso, reconhecem com esse ato a importância de honrar a infância. É inegável que com essa iniciativa todos saem ganhando. Ganha a sociedade, ganha o mercado e, principalmente, ganham as nossas crianças.

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Mestre em Direito das Relações Sociais – Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, autora do livro Publicidade abusiva dirigida à criança (Editora Juruá) e coordenadora geral do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana