‘São débeis as pesquisas brasileiras voltadas ao exame das relações entre a comunicação e suas políticas. Limitadas a aspectos específicos de tais relações, elas não examinam detalhadamente as dimensões macroeconômicas e sociais do fenômeno, de acordo com a Prof.ª Dr.ª Regina Festa. Ela é coordenadora, no Brasil, da Cátedra Regional Unesco ‘Mulher, Ciência e Tecnologia na América Latina’ e professora do Programa de Pós-Gradução em Ciências da Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Atualmente, trabalha para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), sediada em Santiago do Chile. Essa instância da Organização das Nações Unidas (ONU) está desenvolvendo um projeto de inclusão digital voltado às mulheres. Integra o Conselho de Comunicação Social.
IHU On-Line – A senhora está trabalhando em um projeto de inclusão digital, desenvolvido pela Cepal. No que ele consiste?
Regina Festa – A missão da Cepal é de subsidiar os governos da região com dados para que eles possam ampliar ou melhorar a governança regional. Eu trabalho especialmente na Unidade Mulher e Desenvolvimento e dentro desse projeto da Cepal, o meu trabalho é o de fazer com que os ministérios ou instâncias da mulher se relacionem com os ministérios do governo dentro da área de desenvolvimento e comunicação e implementação de tecnologias de comunicação.
IHU On-Line – Essa preocupação com tecnologia, com inclusão digital é nova, na Cepal?
Regina Festa – Não, é uma preocupação nova na relação das mulheres com os governos. A Cepal, como instituição da ONU, é uma das mais bem estruturadas, inclusive em nível tecnológico. Por exemplo, hoje ela é uma incubadora de tecnologia para a inclusão digital para vários governos e será também para a área de mulheres. Ela ocupou a posição central na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, para a região, foi ela quem liderou o debate e ela é que vem tentando fazer com que os governos da região ampliem a discussão sobre a sociedade da informação.
IHU On Line – Essa preocupação com as mulheres deve-se a evidências de que elas são mais atingidas pela exclusão digital?
Regina Festa – Eu enfocaria de outra forma. Há uma posição das Nações Unidas de que as questões de gênero e de eqüidade devem ser tratadas pelos governos, e os governos assinaram vários acordos internacionais nessa área. Então, a missão da Cepal, nessa perspectiva de gênero, é ajudar os governos naquilo que é um projeto e um acordo assinado. De fato, se fizermos a comparação, por outro lado, as mulheres têm menos acesso às tecnologias do que os homens, na região. Estudos comparativos já mostram que o acesso é menor do que em outras regiões, como a Europa, Estados Unidos e alguns países da Ásia. Para se atingir as metas do milênio, é necessária a inclusão de gênero, e a inclusão digital daria um salto qualitativo para a inclusão de gênero.
IHU On-Line – Qual é a sua avaliação sobre os resultados da Cúpula da Sociedade da Informação? Diz-se que o encontro postergou as principais decisões. Isso ocorreu também em relação à inclusão digital?
Regina Festa – A primeira etapa da conferência da Sociedade da Informação tratou muito mais das questões de estrutura e das relações comerciais do que dos direitos da sociedade. Foi difícil tratar das questões relativas à inclusão. A sociedade civil organizada mundial, vamos chamar assim, teve pouquíssimo espaço para se apresentar, discutir, pouco assento nas discussões e, nesse sentido, pode-se dizer que a primeira reunião foi pouco democrática. Espera-se que para Tunis em 2005, esse cenário mude. Nesse caso, devem entrar outras instâncias de governo e de sociedade civil e da própria Unesco, em nível mundial, para assessorar essa discussão. Por enquanto, não estou muito otimista. Tenho sentido que o avanço é muito mais no sentido dos marcos regulatórios e interesses das empresas do que no sentido de uma discussão que permeie democraticamente os interesses de sociedades
IHU On-Line – O debate sobre a comunicação não assumiu características dúbias, especialmente a partir do Fórum Social Mundial, que abriga tanto críticas generalizadas aos meios quanto tentativas de esboços de políticas de comunicação? Nesse contexto, a senhora considera que o tema inclusão digital vem sendo contemplado adequadamente?
Regina Festa – Acho que aí temos que colocar a discussão em dois patamares. Primeiro, a discussão que vem dos anos 1970/80, desde a Nomic , e que avança no sentido da discussão sobre o direito à comunicação, direito a comunicar, e que chegou a até a conferência da Sociedade da Informação, é uma discussão da sociedade, tipicamente. Sempre foi dos movimentos sociais organizados dentro da área de comunicação, ou que aderiram a projetos de comunicação, como no caso do FNDC, que trabalha com a área sindical e outras. Sempre foi uma discussão de movimentos que aderiram a um projeto de sociedade interessado na democratização da comunicação. Essa é uma esfera do espaço das discussões. Em outro patamar, está a questão referente à democratização e acesso às tecnologias de informação. Este é um debate da sociedade com o governo, porque as políticas públicas não são pensadas necessariamente nas esferas da sociedade. Isso pode ocorrer desde que haja espaço para negociação com os governos. Aí temos um gap . Uma coisa é o debate da sociedade e outra coisa é o plano de governo e a relação dele com a sociedade onde se estabeleceriam verdadeiramente as instâncias democráticas. Isso não ocorre, na maioria dos casos. É por isso que existe essa discussão que parece ambígua, mas, na verdade, ela reflete a postura de governos que agem por conta própria e de uma sociedade que tem um projeto e uma dificuldade de diálogo com o governo.
IHU On-Line – Qual tem sido o papel da universidade nessa discussão. Ela está presente?
Regina Festa – Eu acabo de fazer um estudo para a Fundação Ford sobre o caso brasileiro em relação à democratização da comunicação e o papel da universidade. Na minha avaliação, a universidade, nos anos 1990, no Brasil, em geral, esteve ausente desse debate. Qual esfera do debate? Acho que é preciso esclarecer isso. Muitas universidades discutiram o direito à comunicação, atuando como uma instância da sociedade. Não há propostas, eu as desconheço, em que a universidade tivesse pesquisado e trabalhado no sentido de fazer com que os direitos da sociedade obtivessem um espaço de negociação nas políticas de governo. Então houve um divórcio, que envolve a universidade, entre o direito de ela reivindicar, e a sua possibilidade de criar e negociar espaços democráticos. Pelo menos até onde eu cheguei, as pesquisas na área acadêmica não são pesquisas que tentam ver a macroeconomia. Tanto a macroeconomia das políticas de comunicação, como a macrovisão regulatória, pois hoje o Brasil não é um país independente disso, o FMI, Banco Mundial podem impor regras restritivas ou coercitivas, portanto o Brasil não delibera sozinho, esta aí o caso recente da venda da Embratel . Não existem pesquisas de análise macro, quer sejam macrointernacionais, quer sejam macroeconômicas ou que estudem a visão dos empresários de comunicação na nossa sociedade.
IHU On-Line – A universidade reivindicou, mas contribuiu pouco para a construção e compreensão dos espaços de negociação?
Regina Festa – Sobre isso, acho que aí existe um vazio imenso, e eu observo agora, no Conselho de Comunicação Social, por exemplo, a fortaleza do lobby dos empresários na área de comunicação, com escritórios montados em Brasília, equipes de advogados que atuam, que buscam informações, estão permanentemente informando as associações de empresários de comunicação, enquanto a sociedade é praticamente órfã. Então se percebe que o diálogo governo-empresário é fácil, e altamente monitorado por uma informação eficiente, e o diálogo sociedade-governo é débil, e existem instâncias tão débeis quanto esse diálogo, quanto essa possibilidade de diálogo com o próprio governo. E nesse sentido, a universidade esteve pouco atenta. Pouco atenta a esses espaços, pouco atenta às políticas, ela esteve pouco atenta, como a sociedade, há até bem pouco, aos espaços de negociação e de participação democrática. No Brasil, não existem, por exemplo, pesquisas de comunicação e políticas eficientes. Elas são parciais. A maioria das pesquisas a que eu tive acesso são focadas. Ou se estuda uma coisa de televisão, ou se estuda uma coisa de cinema, ou se estuda uma coisa dos meios de comunicação, mas elas não têm uma visão global de sociedade.
IHU On-Line – Por um lado, a sociedade é débil para interagir com o governo. Por outro lado, o governo parece que não desenvolve mecanismos indutores e ainda temos uma universidade presa em análises parciais. Como sair desse círculo vicioso?
Regina Festa – Essa é a grande pergunta: o que fazer diante de situações como essa? Na minha avaliação, acho que as pessoas que têm formação deveriam e poderiam assumir responsabilidades, trabalharem no sentido do avanço do processo democrático. Democracia é uma coisa mutante, e como mutante vai criando espaços e áreas de conflitos. Essas áreas, esses espaços, requerem pessoas informadas para atuarem nelas, que seriam aquelas que reproduziriam essas informações, esse contexto, para a sociedade. Nesse sentido, o papel da universidade é importante, o papel do pesquisador é importante, dos jornalistas é importante.
IHU On-Line – A senhora destacaria alguma especificidade do papel dos jornalistas?
Regina Festa – O papel de saber perguntar aquilo que hoje é conflitivo dentro da democracia e como se resolver esse conflitos. Nós temos, do ponto de vista jornalístico, um país que é muito mais relator do que questionador do quadro existente. Ou, quando é questionador, é um questionador negativo, ele não é um questionador pró-ativo, que permitiria que se levantassem ‘n’ situações. Nós temos um jornalismo, hoje, tão acanhado, quase, quanto a universidade.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre as decisões do governo na área de comunicação?
Regina Festa – Acho que há questões bastante ambíguas no governo. O que não quer dizer que não haja boa vontade, mas eu acho que o manejo da política pública para a área deixa a desejar. Porque se trata de um governo que entrou para ampliar um debate de sociedade, o que ele não consegue fazer nessa área, ainda. As decisões continuam nesse governo, como no anterior, centradas nos gabinetes. Os debates, as decisões dessa área deveriam ser conhecidas pela sociedade. A sociedade precisa conhecer as implicações dessas decisões, ela ainda não compreende a importância disso. Não entende, por exemplo, uma questão que é da maior importância, que é a possibilidade do BNDES financiar as empresas de comunicação. Esse debate é fundamental para a sociedade, não é só de interesse da empresa, do banco ou de certos setores do governo. Se dinheiro público é passível de ser usado para financiar empresas, não podemos ignorar a repercussão disso na sociedade. Existem estudos interessantíssimos, mostrando que, em todas as sociedades onde os meios de comunicação são muito fortes, implicam uma perda de poder da capacidade organizativa dessas mesmas sociedades. Se um grupo de comunicação está em crise, e nós, com o dinheiro público, vamos fortalecê-lo, que resultado implica para a sociedade? Além disso existem debates na Alemanha, nos Estados Unidos, que mostram que, se o dinheiro público pode ser usado para a área empresarial, deveria haver uma contrapartida para a área social, e, nesse caso, para bens públicos. Estes debates são da maior importância e caberia, na minha avaliação, ao governo atual, trazê-lo para a sociedade, conversando com as universidades com os estudantes, discutindo a necessidade de uma contrapartida do dinheiro público em benefício da sociedade. Nesse caso, os meios públicos estariam em primeiro lugar. Sobre isso, a 4ª Cúpula Mundial da Mídia para Crianças e Adolescentes , que terminou há uma semana e pouco no Rio de Janeiro, tem uma carta magistral, onde os jovens dizem claramente que eles querem essa contrapartida do governo, não estão falando do BNDES, evidentemente, mas que eles querem contrapartida do governo para o futuro deles, e que eles querem que essa contrapartida seja explicitada também na área do direito aos meios públicos. Em certos países, casos como esse, envolvendo o BNDES e as empresas de comunicação, são discutidos em programas de televisão, comparecem o ministro, o representante da Igreja, o presidente da central sindical, são avaliados os interesses da sociedade. Aqui no Brasil isso não ocorre, as decisões continuam nos gabinetes. E, sem participação, não há democracia.
IHU On-Line – Qual é a sua avaliação do Conselho de Comunicação Social?
Regina Festa – O Conselho foi instalado como parte de uma negociação que é de conhecimento pelo menos de alguns setores, que significaria aprovar a lei de abertura das empresas de comunicação do Brasil para o capital estrangeiro. Dentro dessa negociação, uma das exigências foi a instalação do Conselho, que foi aprovada. O Conselho foi criado em 1988 e estava com todo o parlamento sentado sobre ele porque não há interesse no funcionamento dele. Foi criado, como parte da negociação, e não era para funcionar. Não se deram verbas para funcionar. Não se cria uma instância, querendo que ela funcione, sem ter um orçamento adequado. Esperava-se, portanto, que com o novo governo teria um orçamento. É por aí que se mede o interesse do governo numa determinada área, e não houve mudança no orçamento. Então, nem o governo anterior, nem esse governo, demonstraram claramente que o Conselho deve ser uma instância que deva funcionar. Até agora têm sido criadas algumas comissões, algumas importantes, como a que debate a regionalização da comunicação. As sessões são transmitidas, mas as repercussões disso ainda são muito pequenas, porque, de fato, não há interesse em que isso funcione, que traga os assuntos para um amplo debate na sociedade.Não tem orçamento, não tem esfera de debate, não tem, de fato, uma inserção na missão de subsidiar o Senado.
IHU On-Line – Essa falta de interesse reflete as dificuldades já mencionadas mas também a pequenez da nossa política e dos nossos governantes?
Regina Festa – Eu não falaria em pequenez da política, eu diria duas coisas. No Congresso há, como sabemos, muitos parlamentares que são proprietários de meios de comunicação . Eles estariam legislando em causa própria. E quem legisla em causa própria necessariamente não legisla em favor da democracia. Temos essa característica no parlamento, que é própria do Brasil, e que não ocorre na maioria dos países. Muito embora exista um Berlusconi na Itália, um presidente de El Salvador que também é proprietário de meios, entre outros exemplos. No caso do Brasil, a legislação passa por parlamentares proprietários de meios de comunicação, isso é ainda mais complexo. A segunda coisa é que, como eu já disse, do ponto de vista de comunicação o governo ainda não saiu dos gabinetes.’
ENTREVISTA / ROBIN MANSELL
‘A monopolização persiste e seu enfrentamento exige políticas públicas’, copyright Boletim IHU Online (http://www.ihu.unisinos.br/), 3/05/04
‘As novas tecnologias ampliaram as oportunidades para a realização de diálogos críticos, mas elas não prescindem de políticas públicas e de regulamentação, que devem expandi-las e protegê-las, resguardando espaços para conteúdos plurais. O alerta é da professora inglesa Robin Mansell, entrevistada pelo IHU On-Line por correio eletrônico. Ela diplomou-se em Psicologia, com mérito, pela Universidade de Manitoba, em 1974. Obteve o título de Mestre em Psicologia Social pela London School of Economics, em 1976 e de Mestre em Comunicação, em 1980. Obteve o PhD em Comunicação, em 1984, pela Universidade Simon Fraser. É professora da London School of Economics, onde dirige o curso de mestrado em Novas Mídias, Informação e Sociedade. Suas pesquisas abordam as questões sociais, econômicas e de política pública associadas às tecnologias de informação e de comunicação. Entre outros aspectos, seus estudos têm examinado o fracasso de regulamentações, questões de governança e políticas públicas, da estrutura dos mercados, e da dinâmica em transformação dos processos sociais que são associados com as tecnologias de informação e de comunicação mais antigas e mais novas. Seus livros incluem: Mobilizing the Information Society: Strategies for Growth and Opportunity [Mobilizando a Sociedade de Informação: Estratégias para Crescimento e Oportunidades], com W. E. Steinmueller.Oxford University Press, 2000; Networking Knowledge for Information and Societies: Institutions and Intervention [Conhecimento de Redes para Informação e Sociedades: Instituições e Intervenção] com Rohan Samarajiva e Amy Mahan, Delft University Press, 2002; Inside the Communication Revolution: Evolving Patterns of Social and Technical Interaction [Dentro da Revolução da Comunicação: Padrões recentes de Interação Social e Técnica], Oxford University Press, 2002. Integra o conselho editorial de várias publicações especializadas em comunicação, desenvolvimento e novas tecnologias
IHU On-Line – O debate contemporâneo sobre a comunicação remete-se à chamada ‘sociedade da informação’. Como a senhora define essa ‘sociedade da informação’ e quais são as suas interfaces com uma comunicação democrática?
Robin Mansell – Eu acredito que não há nenhuma sociedade de informação global singular. As sociedades de informação existiram historicamente exatamente como elas existem hoje. As sociedades de informação de hoje diferem das do passado na medida em que está crescendo a dependência do uso tecnologias digitais, de redes e de serviços, sobretudo da Internet. A Internet e suas muitas novas aplicações de mídia podem ser usadas por todos aqueles que têm as habilidades e outros recursos necessários a sua utilização – estejam onde estiverem. Isso significa que seja onde for que as pessoas o desejem, há novas oportunidades de realizar diferentes tipos de diálogo crítico, tanto local como globalmente, sobre questões de governança e de participação democrática. Mas, igualmente, a mesma tecnologia pode ser usada por aqueles que procuram subverter os processos democráticos, existentes ou novos. A interface principal está, conseqüentemente, entre aqueles que encontram as vozes novas que conduzem à participação ativa em processos democráticos; mas não há nenhuma garantia de que estas vozes serão ouvidas.
IHU On-Line – A ‘informação’ que caracteriza a sociedade contemporânea não está ‘contaminada’ pela ação dos monopólios e seus interesses comerciais? Em outras palavras: como garantir que o acesso às novas tecnologias estimule a produção de conteúdos plurais?
Robin Mansell – Eu não acho que existam quaisquer garantias, enquanto garantias. A Internet e os novos meios de comunicação são um vasto ‘ciberespaço’, que tem apenas uma parte povoada e seus limites delineados por interesses comerciais e pela mídia. Entretanto, como ocorre com todos os espaços em rede, a pergunta é se são principalmente os interesses comerciais que dão forma ao desenvolvimento dos meios novos no futuro. Uma vez que esse perigo existe, a necessidade, hoje, de novas políticas públicas e de regulamentação, é ainda maior, não para inibir a atividade comercial, mas para proteger e expandir ‘terras comuns abertas’, para criar espaços para conteúdo midiático alternativo, e para promover criatividade e novas formas de diálogo e de ação, como descrito acima. Enquanto os meios tradicionais (serviço comercial e público) migram para plataformas digitais, um argumento é de que existe tanto espaço para pluralidade por causa da tecnologia, que o papel a ser desempenhado pelas políticas públicas e pela regulamentação podem simplesmente desaparecer. Eu não concordo com esta posição, porque ela não considera o fato de que os meios comerciais tradicionais têm bem mais recursos para atrair cidadãos/consumidores ao seu conteúdo, ou ainda o fato de que, como consumidores da mídia, as pessoas desenvolvem ainda uma escala razoavelmente estreita das preferências. A escassez é criada de novas maneiras na idade digital, e o processo da monopolização continua, ainda que sob novas formas. Isso significa que há ainda um papel importante a ser desempenhado pelas políticas públicas e pela regulamentação nacionais da mídia para promover o pluralismo o quanto for possível.
IHU On-Line – A senhora considera que, de maneira geral, as universidades estão atentas a essas questões e preocupadas com a formulação de políticas públicas que as regulem?
Robin Mansell – Eu penso que há mais e mais programas baseados em universidades que ensinam e realizam pesquisas sobre essas questões. Nós nos consideramos uma delas. Mas há ao menos dois problemas: 1) a dominância de posições econômicas e legais tradicionais com relação à regulamentação significa freqüentemente que o que é ensinado e as propostas para a política são uma reflexão do passado, e não levam inteiramente em conta as questões levantadas acima; 2) mesmo onde há uma aproximação interdisciplinar com base ampla que incorpore uma visão das implicações sociais, culturais e políticas das tendências no desenvolvimento de novas mídias, continua muito difícil moldar eficazmente a política e a regulamentação e, ao mesmo tempo, proteger determinados direitos – a liberdade de expressão, por exemplo, que é fundamental à democracia. Neste estágio do surgimento de tipos novos de sociedades de informação, eu acredito que nenhum governo ou região encontraram soluções. Haverá uma necessidade de consideração, discussão e transição dessas questões à medida que elas forem surgindo. Que a discussão deve incluir, na medida do possível, todas as partes envolvidas, e não ser limitada aos ‘peritos’.
IHU On-Line – Na sua opinião, os meios de comunicação devem estar submetidos a algum tipo de controle? Qual? Estatal? Público? Como a Inglaterra enfrenta essa questão? Que modelo adota?
Robin Mansell – Estas são perguntas muito amplas e importantes. Atualmente, o Reino Unido decidiu ter apenas uma agência reguladora centralizada que integra cinco agências reguladoras anteriormente separadas (incluindo transmissão, padrões de publicidade, telecoms, atribuição de freqüência de rádio). Espera-se que pondo tudo isso sob a égide de uma única agência, haja uma coordenação melhor da política e da regulamentação de acordo com um mundo de serviços eletrônicos convergentes e de todos os tipos. Entretanto, ao mesmo tempo, há uma opinião de que menos regulamentação e mais liberalização do mercado sejam necessários para os meios tradicionais de transmissão e que não deva existir nenhuma regulamentação da Internet, exceto sob a legislação existente onde há uns interesses sobre calúnia e difamação, e atividades criminais de vários tipos. Sempre que a palavra ‘controle’ é usada; a reação predominante é simplesmente de que a Internet não pode e não deve ser controlada. Esta é a opinião majoritária dos elaboradores de políticas públicas com relação aos meios novos. Mas – separadamente – outros elaboradores de políticas públicas, preocupados com a privacidade, o terrorismo, e as questões de vigilância e ordem estão muito interessados em ver o ciberespaço se tornar mais confiável e menos arriscado. Gostariam de ver códigos de prática voluntários para projetos de software, para a captação de informação, etc. Não há, contudo, nenhum consenso sobre se isso poderia ser obtido ou sobre quem deveria tomar iniciativa — o setor público ou o setor privado.
IHU On-Line – Como podemos despertar o interesse da população em geral sobre a importância dos estudos sobre a mídia e a comunicação, de um modo geral?
Robin Mansell – Eu penso que nossa posição nesta questão é que nós podemos mostrar às pessoas por que é muito importante estudar a mídia e as comunicações se nós pudermos lhes mostrar como e por que os estudos, nesta área, são fundamentais e importantes para a maneira com que elas compreendem o mundo em torno; que qualquer que seja o espaço de manobra para a ação local ou ação através das redes globais depende desse estudo; como os meios ajudam a forjar suas identidades, sua compreensão das outras pessoas a seu redor e de outros que estão distantes. De uma certa maneira, este é um objetivo fundamental de nosso programa. Nós publicamos não apenas em jornais acadêmicos, mas tentamos também fazer um trabalho mais acessível. Nós todos participamos freqüentemente em fóruns de política pública aqui neste país e alguns de nós são muito ativos em fóruns internacionais.’