Que este comentário não seja encarado como desejo de falecimento do pré-candidato Anthony Garotinho. Longe disso, é vivamente uma demonstração de compreensão e mesmo preocupação com figura tão emblemática na política brasileira. Emblemática porque traduz no gesto, da greve de fome em protesto contra as falácias da grande imprensa, toda a tradição messiânica de nosso verdadeiro clero político, negando-se, muitas vezes, à tradição democrática secular inaugurada pelos gregos, estruturada pelos romanos e finalmente estabelecida pelos franceses.
Na quarta-feira (3/5), as últimas notícias davam conta da disposição do jejuante de manter o sacrifício até que uma comissão internacional avalie o processo eleitoral brasileiro e a imprensa ofereça o espaço devido para que se publique a ‘verdade dos fatos’. A primeira condição faz lembrar o ascetismo tão comum no Extremo Oriente, nas figuras de Siddharta e que tais, lembrando que ‘ascese’ remete à elevação espiritual por meio do sacrifício. Desta feita, embora evangélico, o político pode mesmo angariar novos eleitores em linhas mais alternativas, associadas ao pensamento da Era de Aquário.
Considerando o papel da imprensa na resposta, foi curiosamente válida a polêmica no programa ‘Liberdade de Expressão’ da rádio CBN, terça-feira (2/5), em que os jornalistas Carlos Heitor Cony, Arthur Xexéo e Heródoto Barbeiro comentavam a greve de fome de Garotinho. Destoando do coro grego, Cony teve a clareza e a segurança de evidenciar que, a despeito de suas opiniões sobre o jejuante – que deveria mesmo apresentar boas explicações o quanto antes –, a mídia destacava espaço demais para atacá-lo.
Mencionando que mesmo Gandhi foi rechaçado pela imprensa ocidental quando do jejum em prol da libertação indiana do domínio inglês, Cony quase foi às turras com seu colega Arthur Xexéo, chegando a dizer que já era jornalista quando o colega era ainda garotinho (o infeliz trocadilho é nosso).
O ex-governador conseguiu, de fato, algum espaço na imprensa com sua greve de fome, a dúvida é se o tipo de espaço serve aos propósitos de um candidato à presidência. Mesmo sendo aparentemente um religioso maltratado pela imprensa de seu próprio país, o ex-governador fluminense não deve ser comparado a Gandhi, mesmo por seus eleitores mais inflamados. Considerando as afirmações temerosas da gente de casa, a reprimenda do mais que aliado Michel Temer, a barca fluminense parece prestes a virar.
Milagres
No livro El Aleph, de Jorge Luís Borges, o conto ‘El Muerto’ narra a história do argentino Benjamin Otálora, que sai dos arredores de Buenos Aires para tornar-se capanga de um certo Azevedo Bandeira, gaúcho famoso por sua valentia e pelo prazer em espezinhar desafetos. Ocorre que Otálora começa a tomar o lugar do chefe, especialmente devido à atenção demonstrada pela mulher de Bandeira, que se torna amante do argentino. O conto narra a surpreendente ascensão de Otálora e a curiosa anuência dos demais capangas e do próprio Bandeira em atendimento a seus desvarios, num final surpreendente: todos permitem a Otálora tamanho desafio porque já vêem no argentino um morto que caminha. O envaidecimento deste é a pura diversão de seu chefe, Azevedo Bandeira, que jamais deixou de controlar a situação.
O caso Garotinho é algo semelhante ao conto borgeano, no envaidecimento traduzido em frases como ‘serei julgado por Deus’ ou ‘farei greve até a morte, se preciso’. Antes o político fluminense gozava o apoio tácito em grandes quadros do PMDB, levantando a bandeira da candidatura própria de seu partido. Agora paira um clima de bobo-da-corte, resultado da (suposta) estratégia eficiente de facções da imprensa em estabelecer ao desafeto uma queda irreparável às portas do pleito.
A grande mídia brasileira não costuma tolerar personalidades mais irreverentes. Se Brizola, político extremamente habilidoso, sofreu bastante com os impropérios de redações inescrupulosas, Anthony Garotinho não parece contar com grandes alternativas para sair da aparente sinuca onde se meteu. Os Evangelhos, entretanto, atestam milagres, inclusive a ressurreição de Lázaro. Ao cristão, talvez o melhor seja mesmo jejuar e rezar.
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Estudante