Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Brancaleones contra comunicação de massa

Recebi esta mensagem do meu amigo Castor Filho, engenheiro aposentado, poliglota, atento às manipulações dos fatos por parte daqueles que detêm o poder de alcançar o grande público leitor e teleouvinte:

‘Não resta a menor dúvida. A mídia decide eleições. Decidiu lá na Venezuela e decidirá sempre, em qualquer lugar. Os estrategistas de direita estão carecas de saber disso. O presidente Lula sabe disso. Lula foi eleito porque o governo FHC foi pior que péssimo e a direita brasileira é muito menos preparada que a direita enfrentada por Chávez. Acho que o Chávez aprendeu muito e aprenderá ainda mais analisando esta derrota.

Nós temos que reavaliar nossa maneira de lutar. Será que responder para jornalistas tipo `formadores de opinião´ é suficiente? Eu, particularmente, acho que não e já expressei a você, Caia, e ao Adauto, esta minha opinião mais de uma vez. Será que catar/divulgar noticiário é um modo de luta eficiente? Lógico que tenho aumentado, semana após semana, o meu número de correspondentes… Mas não creio que na mesma velocidade ou proporção que as mass media

Mass media se combatem com mass media. Penso que os `formadores de opinião´ fazem o trabalho de `formigas´. Se ficarmos `caçando´ uma a uma jamais destruiremos o formigueiro. O Jô Soares, com um programinha à uma da madrugada, tem, no mínimo, 1 milhão de telespectadores no Brasil inteiro por dia. Qual o `blog de esquerda´ que tem isso em um mês? Ou em um ano? Nem PHA (Paulo Henrique Amorim), nem o Azenha, nem o Mino, nem ninguém tem essa audiência/vidência.

Talvez a solução esteja na TV Pública, sei lá… Teremos que nos despir de algumas das nossas convicções? Teremos que criar uma nova linguagem ou uma nova maneira de expressar nossos pensamentos? A partir desta derrota (a do plebiscito na Venezuela) (re)descobri que o charme e a empatia não são suficientes para vencer eleições. Necessários, mas não suficientes.

Sugiro inverter o nosso trabalho.

1. Teremos que pressionar, e muito, os nossos eleitos.

2. Teremos que encher as CPIs dos nossos representantes parlamentares e funcionários públicos nomeados para cargos de confiança em todos os níveis.

3. Teremos que criar nossa própria mass media via TV Pública, TVs e Rádios Comunitárias e liberar o tráfego de conteúdo de Rádio e TV na banda larga.

Estas são algumas sugestões apenas. Tudo é `discutível´.

Pela primeira vez, vislumbro possibilidade de perdermos as eleições de 2010. A verdade é que a direita tem até dois candidatos certos (Serra e Aécio, com Alckmin na `regra três´). Nós não temos ninguém… Ainda. Fala-se no Ciro, mas para mim ele é mais direitona que o Serra. O fato de estar com Lula é mero oportunismo.

Nós estamos agindo como `guerrilheiros da internet` (palavras do Rovai para mim e Caia, numa reunião no Sindicato dos Jornalistas de SP). Essas nossas ações certamente causam `baixas´ nos adversários, mas, no `frigir dos ovos´, no `duro´ mesmo, estas baixas são insignificantes. Na verdade, na verdade, não somos `decisivos´. Decisiva, na hora `agá´, é a mass media.

Abraços tristes, mas não desanimados

Castor’

Mass media oligopolizada

Castor dedica parte do seu tempo divulgando artigos e notícias na internet. Em geral, são textos que a mídia empresarial não divulga, textos de autores excluídos dos meios de comunicação de massa e que contestam os tais ‘formadores de opinião’ (muitos não passam de ‘fomentadores da opinião dos seus donos’), figuras que se apegam a excelentes salários e ao prestígio que lhes garanta divulgação de seus interesses pessoais, no desempenho de seus papéis de escritor, apresentador de rádio e TV, colunista de revistas e jornais.

Respondi ao Castor, que está preocupado com a desleal competição midiática e propõe mudanças nas formas de abordagem e combate para que a nossa luta não seja inglória, como tantas outras em todas as épocas:

‘Castor, sua mensagem chegou exatamente no momento em que eu estava fazendo esses mesmos questionamentos que você nos traz. Podemos e devemos continuar respondendo aos tais `formadores de opinião´, porém sempre achei que a atenção que lhes damos, em muitos casos, serve até para fortalecê-los, ou, no mínimo, manter seus empregos. Observe que, por exemplo, quando Arnaldo Jabor se sente `isolado´, ou seja, quando ninguém contesta seus sofismas e gracejos, ele faz de tudo para criar polêmica e, em vez de sofismar ou gracejar, parte para a baixaria, com o claro propósito de criar clima de confronto. Dessa forma, estaremos sempre na retranca, posição que funciona razoavelmente bem por certo tempo, mas tende a perder forças, nos desgastando e desestimulando, pois ficamos subordinados à vontade alheia: `catar/divulgar noticiário´, questionando opiniões e falácias, quando poderíamos estar, senão um passo à frente, recriando argumentos contra a falsa realidade que os detentores de conglomerados midiáticos impõem à população.

A mídia golpista, detentora de fortes instrumentos, atuando em todas as áreas – seja jornalismo, entretenimento, esportes, religião ou qualquer outro – vai conseguir virar o jogo e devolver o poder institucional aos grupos conservadores. Conservadores? Acho que bem pior que isso, verdadeiros ditadores, esses que sempre fizeram do capital um instrumento de opressão. A mídia empresarial vai levantar bandeiras antes só levantadas pelas esquerdas (usando as que estão a seu serviço). Nesse caso, Heloísas Helenas, de saia ou de paletó e gravata, se fortalecerão, mas será um fortalecimento relativo aos seus interesses mesquinhos: ocupar os cargos periféricos, conquistar umas prefeituras `importantes´, manter uma representação no Congresso, tudo com dantes, montados em alguns cargos públicos e mantendo presença nos meios de comunicação de massa, assegurando, conseqüentemente, eternas reeleições e a manutenção dos seus papéis mesquinhos de bajuladores travestidos de representantes das causas populares, com seus salários e mordomias bancados pelo erário. São mais nocivos que a própria direita conservadora e golpista. São quase garanhões, quando comparados aos pangarés destes Brancaleones que se aventuram contra os abusos da mass media oligopolizada.

Argumento tolo

Quanto à nossa luta, você nos diz: `Talvez a solução esteja na TV Pública´. Creio que na TV Pública e nas rádios comunitárias. Veja este artigo de autoria do meu irmão, Sérgio Soares Campos, militante dos movimentos comunitários no sertão alagoano, na cidade-pólo de Santana do Ipanema:

Alegria de pobre

Sérgio Soares Campos

Todos os movimentos históricos foram até agora realizados por minorias, ou em proveito de minorias (Manifesto Comunista – 1872)

Com o advento das rádios comunitárias, surge uma voz nas periferias das cidades brasileiras; porém, como com toda manifestação política vindo das classes mais pobres, a repressão logo se faz presente. Certamente, no caso das rádios comunitárias, não se poderia esperar que fosse diferente.

Muitas são as histórias de perseguição às rádios comunitárias e a precisa colaboração da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a qual, há mais de dois anos, divulga, de norte a sul do país, vergonhosa nota em que acusa as rádios comunitárias (em geral consideradas ilegais, piratas) de causarem vários problemas; dentre tais acusações, acusam-nas da absurda interferência que estas emissoras provocariam nos sistemas de comunicação de ambulâncias e tráfego aéreo. Também chegam a acusar as rádios comunitárias de estarem a serviço do tráfico de drogas.

É claro que não temos só algozes. Um dos maiores defensores desse movimento é o juiz federal aposentado Paulo Fernando Silveira, que publicou o livro intitulado Rádios Comunitárias. Em se tratando das acusações que abordamos, ele escreveu o seguinte:

`Falavam que as rádios comunitárias derrubam avião e, com esse argumento tolo, tentavam desmerecer e deixar de outorgar um direito fundamental. Procurei peritos para mostrar que não derrubava, por diversos motivos: o avião é como uma caixa fechada, não recebe ondas. Outra coisa: as faixas de rádios comunitárias vão até 108, as torres operam acima de 111. Se uma rádio pudesse derrubar avião, as rádios comerciais teriam muito mais chances de fazê-lo, porque são de alta potência.´

Questão das concessões

Na chamada crise aérea, cujo foco da mídia culminou com a queda do Airbus da TAM, ficou claro que as rádios comunitárias nada têm a ver com esse caos.

Os comunistas, por exemplo, já foram acusados de comer criancinhas, e hoje está claro que essa perversão sexual não tem propriamente um cunho ideológico; é sem-vergonhice mesmo, coisa de gente que não controla seus instintos perversos.

Descontração à parte, hoje nós sabemos que por trás dessa perseguição existem dois grandes interesses: o financeiro e o político. Com o crescimento das rádios comunitárias, que chegam a 20 mil em todo território brasileiro, as rádios comerciais tiveram que dividir a publicidade com prefeituras, estados e até com a União, além de que esses comerciais custam bem menos e conseguem alcançar um maior número de ouvintes em todas as comunidades onde elas existem.

Também é de conhecimento geral que a maioria das concessões das rádios comerciais está nas mãos de deputados e senadores, ao mesmo tempo em que a outorga das rádios comunitárias depende exatamente dos deputados e senadores.

Vozes das minorias

Há quase cinco anos, fundamos a Associação Cultural São Sebastião, no povoado Areias Brancas, município de Santana do Ipanema, com o objetivo de instalar uma rádio comunitária. Criamos a rádio A Voz do Sertão, atendemos a todas as exigências legais, enviamos a documentação para o Ministério das Comunicações, mas até hoje não recebemos qualquer resposta, a não ser, claro, a visita da repressora Anatel, que chegou a lacrar os equipamentos.

Recentemente, junto com um grupo de amigos do bairro Lajedo Grande, aqui mesmo na área urbana do nosso município, fundamos a rádio comunitária Boa Nova e, em menos de oito meses de funcionamento, também já foi visitada pela Anatel, que lacrou os equipamentos. Agora,, finalmente, tivemos todos os equipamentos apreendidos por ordem da justiça local (leia artigo `Santana Urgente!´).

O povo da comunidade de Lajedo Grande já estava se acostumando a ter voz, a comunidade estava feliz por ter um canal que pudesse levar a toda a população santanense e, principalmente, às autoridades, as suas queixas, suas reivindicações. Mas já se diz há muitos anos: alegria de pobre dura pouco; em muitos casos, nem começa.

Que as vozes das minorias jamais se cansem porque, enquanto houver distorções sociais, deveremos estar de plantão por um mundo mais justo.

******

Escritor, Rio de Janeiro, RJ