Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Brasil pode ser denunciado à ONU

Na semana passada, a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, órgão da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, realizou um encontro entre os representantes do setor de radiodifusão e os grupos que pressionam para que a demora na implementação da audiodescrição na TV aberta seja superada. Na reunião, foi decidida a criação de uma comissão com representantes dos vários setores para, após quase cinco anos da edição da norma que prevê a oferta da audiodescrição, ‘aprofundar a questão’.


Descontentes com a demora, as organizações que representam as pessoas com deficiência não se deram por satisfeitas. Caso nada seja feito nos próximos meses, prometem denunciar o governo brasileiro à Organização das Nações Unidas por não prezar pelos direitos dos humanos com deficiência.


A audiodescrição é um recurso que disponibiliza informações orais sobre detalhes das imagens importantes à compreensão das cenas. É muito útil para deficientes visuais, mas também auxilia pessoas com outras deficiências que diminuem a capacidade de compreensão ou acompanhamento das cenas.


De outro lado, as entidades representativas das emissoras de TV pressionam o governo há anos para diminuir suas responsabilidades em relação à adoção de recursos de acessibilidade na programação. Especificamente, a implementação da audiodescrição enfrenta resistências desde 2005.


Naquele ano, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou uma norma de acessibilidade na TV. Todos os prazos estabelecidos pela norma e por portarias do Ministério das Comunicações para a implementação foram postergados pelo próprio órgão do Executivo. Até que, no ano passado, chegou-se à Portaria nº 985. Esta substituiu a Portaria 310/2006, que previa a implementação gradual da audiodescrição de forma que, em 10 anos, 100% da programação de qualquer canal de TV fosse acessível a portadores de deficiência visual.


Todas estas exigências foram abrandadas. A portaria de 2009 prevê apenas 24 horas por semana de conteúdo acessível e amplia o período de implementação gradual para 11 anos. Além disso, as exigências valeriam apenas para as emissoras operando no sistema digital. As programações transmitidas em sinal analógico a princípio estão desobrigadas de oferecer a audiodescrição.


Minicom ausente


O que audiodescritores, militantes pelos direitos das pessoas com deficiência e pessoas com deficiência visual presenciaram na reunião foi uma amostra do que tem sido alegado pelos radiodifusores desde o começo: as TVs não têm conhecimento sobre o recurso e mencionaram um alto custo de implementação. O vice-presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), Moises Bauer, notou um ‘total desconhecimento por parte das televisões – qual a tecnologia, quanto custa o trabalho dos audiodescritores – e alegaram custos altíssimos sem saberem quanto custava e de que forma era feito’. Moises afirmou que, em um filme de longa metragem, a mão de obra custa isoladamente entre R$ 5 mil e R$ 13 mil. No sistema digital, não há nenhum custo adicional de equipamento, visto que a descrição sonora das imagens pode ser transmitida através de um dos canais de som já disponíveis em cada faixa.


Durante a reunião, a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV (Abert) propôs a criação de um Grupo de Trabalho (GT) formado por entidades civis, empresários e governo para aprofundar estas questões técnicas. A sugestão é baseada no exemplo de comissões criadas em outros países, como a Inglaterra, onde já está em vigor a audiodescrição. Participante da reunião, o analista de sistemas e consultor da ABNT para a norma sobre acessibilidade Paulo Romeu criticou o Ministério das Comunicações por não ter tomado iniciativa similar. Segundo Romeu, que é cego e mantém o Blog da Audiodescrição, a pasta deveria ter trabalhado para esclarecer as empresas sobre as exigências. O Minicom não compareceu à reunião, apesar de convidado.


ONU


Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Congresso Nacional como emenda constitucional. Assinou, inclusive, um protocolo facultativo que permite advertência internacional em caso de não cumprimento dos termos do acordo. ‘Se as pessoas de algum país acharem que o governo não está ajudando, não está tomando as providências que a Convenção obriga a tomar, essas pessoas podem recorrer ao monitoramento da ONU de forma que o Brasil passa a ser questionado em nível internacional por não implementar a audiodescrição’, exemplificou Paulo Romeu.


Moises Bauer, vice-presidente da ONCB, aventa a possibilidade de recorrer aos tribunais internacionais. ‘Não é certo que vamos processar, mas estamos estudando isso’, afirma. ‘Talvez tenhamos que esperar o Supremo Tribunal Federal se manifestar, mas iremos, se continuar assim, acionar a ONU no seu comitê de monitoramento da convenção’, disse ainda Paulo.


A ação no STF citada por Moises é um questionamento ao governo federal por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 160), pedindo a suspensão de portaria que interrompia o cumprimento do prazo para o início da audiodescrição, naquele momento marcado para junho de 2008 (saiba mais). Ela foi proposta pelo Centro de Vida Independente (CVI Brasil) e pela Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down, e tem sido acompanhada pela Organização Nacional de Cegos.


Há ainda outra ação contra o governo, que questiona a consulta pública sobre a revisão das regras para audiodescrição realizada no ano passado pelo Ministério das Comunicações e que estava em formato não acessível para as pessoas com deficiência (saiba mais).


Audiodescritores


Apesar de os seus serviços não serem muito solicitados no país devido à ausência de exigências legais sobre acessibilidade de conteúdos de TV, existem cerca de 140 audiodescritores no país, segundo levantamento feito em 2008 pela ONCB. ‘Teremos um curso de pós-graduação em audiodescrição, que durará um ano e meio e será ministrado na USP. Tem audiodescritores brasileiros indo ministrar cursos sobre o assunto em Portugal’, afirmou Moises.


Segundo ele, estas informações foram apresentadas durante a reunião no Ministério da Justiça quando a ‘falta de recursos humanos’ foi levantada pelos representantes das emissoras como razão para protelar a implementação do recurso. O comentário dos funcionários das empresas enviados ao encontro foi feito na presença de diversos audiodescritores.