Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Brasil precisa avançar na legislação
sobre acessso à informação pública

O acesso à informação pública foi o tema do Observatório da Imprensa na TV veiculado na terça-feira (7/4), excepcionalmente gravado, pela TV Brasil. Alberto Dines entrevistou, em Brasília, três participantes do Seminário Internacional sobre o Direito de Acesso a Informações Públicas, criado para estimular o debate sobre a liberdade de informação e discutir o panorama do acesso a informações no Brasil e no mundo. Realizado nos dias 1 e 2/04 no Senado Federal, o seminário foi promovido pelo Fórum de Direito de Acesso à Informação Pública, que congrega cerca de 20 organizações da sociedade civil e é apoiado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).


Dines conversou com Toby Mendel, diretor da Artigo19, organização não-governamental de direitos humanos que atua na promoção e na defesa da liberdade de expressão e de acesso à informação, sediada no Canadá; o jornalista Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, sediado em Austin, nos Estados Unidos; e o cientista político Guilherme Canela, que coordena a área de Comunicação e Informação do Escritório da Unesco no Brasil.


Para Dines, o seminário representa ‘o outro lado da liberdade de expressão’. Às vezes os conceitos ‘brigam’ porque jornalistas defendem a liberdade de expressão, mas estranham quando o governo facilita o acesso à informação e ‘passa ao largo da mídia’. Toby Mendel explicou que a Artigo19 tem o seu nome inspirado no artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que garante a liberdade de expressão. O direito à liberdade de expressão assegura o ‘direito a falar’ e também o direito a procurar e receber informações e idéias – o acesso a informações públicas. Mas, na maioria das vezes, o cidadão não as obtêm e a Artigo19 trabalha para promover esta garantia. A organização tem escritórios estabelecidos em cerca de dez países, incluindo o Brasil, e está ativa em mais de 60 nações.


Uma promessa pública


O acesso dos cidadãos às informações produzidas pelos poderes públicos era uma das questões centrais que ainda não estavam regulamentadas no ordenamento jurídico da Constituição de 1988, na avaliação de Guilherme Canela. Durante o seminário, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, anunciou que até o fim de abril o projeto de lei sobre o tema será encaminhado ao Congresso Nacional. Canela avalia que é de extrema relevância a promessa pública feita pelo governo brasileiro de que os cidadãos poderão debater, por intermédio de seus representantes, esta questão. ‘É fundamental poder ter acesso a informações do passado e do presente e garantir para outras gerações o acesso às informações que serão produzidas’, disse.


Rosental Calmon concorda com Guilherme Canela e diz que a promessa do governo foi um momento fundador para o tema no Brasil. Representou, segundo ele, ‘uma virada’ no conceito que políticos e jornalistas brasileiros têm do acesso a informações públicas. ‘A questão do direito do cidadão a informações que estão nas mãos de servidores públicos não é algo que faça parte da nossa cultura’, comentou. O jornalista lembrou que em 2003 organizou um seminário similar a este, com as mesmas propostas e discussões, mas que ‘não houve o click’. Hoje o momento é diferente porque o governo afirmou que haverá uma lei. E também houve debates substanciais sobre o que é o acesso a informações públicas, porque o Brasil ‘está ficando para trás’ na comunidade internacional por não contar com uma legislação sobre o assunto.


A atuação da mídia como intermediária entre as informações que o governo disponibiliza e o cidadão foi levantada por Dines. O jornalista relembrou que o escândalo do uso irregular de cartões corporativos veio à tona a partir do trabalho investigativo de um repórter em sites do governo federal. Para Toby Mendel, a mídia continuará desempenhando o seu papel de intermediação da informação: investigar e apresentar dados ao público. Casos isolados de cidadãos e ONGs que pesquisem as contas públicas podem surgir, mas não serão frequentes. ‘O jornalismo investigativo ainda tem um valor pleno na sociedade e agora ele tem mais uma ferramenta. Isso não significa que alguma ONG investigativa não vai tentar descobrir essas histórias, mas a mídia vai desenvolver sistemas de informação e terá o mesmo papel’, garantiu.


O diretor da Artigo19 avalia que a internet revolucionou a mídia, sobretudo no aspecto do acesso à informação. ‘Tudo está disponível sem nem pedir. É só colocar online.’ Toby Mendel comentou que no Canadá muitas informações governamentais estão disponíveis na rede, o que há 15 anos ‘simplesmente não era possível’. Este fator facilita que os indivíduos submetam seus pedidos de informação.’É uma revolução no direito à informação’, disse.


A lei sairá do papel?


No Brasil, há ‘leis que pegam e que não pegam’, na opinião de Guilherme Canela. Para que o acesso à informação saia do papel é necessário observar três elementos. O primeiro é uma mudança cultural na mentalidade dos funcionários públicos. Estes precisam entender a informação como um bem público e não como uma propriedade do funcionário que a produziu. Em seguida, é necessário ‘comunicar o direito’ aos cidadãos. Os brasileiros precisam saber que a informação não é um privilégio de ‘quem conhece alguém dentro do governo’, mas sim um direito de todos. Tendo consciência desta garantia, o indivíduo passará a exigir as informações. O terceiro fator é a criação de uma agência, um órgão independente, para regular e capacitar os funcionários públicos e a sociedade. Sem estes três elementos, será ‘mais uma lei interessante, mas sem aplicabilidade’, advertiu.


Dines perguntou a Toby Mendel se em outros países há agências reguladoras. Mendel comentou que a maioria dos países que têm leis de acesso à informação pública criou um órgão independente ou passou a responsabilidade a um órgão independente já existente. ‘Você realmente pode distinguir entre as leis que são bem sucedidas, que são rastreáveis, e aquelas que não foram bem sucedidas. Essa é uma das questões-chave de distinção.’ Países onde a lei é eficaz, como México, Estados Unidos e Suécia, criaram órgãos independentes. Já na África do Sul a lei ‘não funcionou’ em função da ausência de um órgão independente.


Por natureza, os servidores públicos ‘farão o possível e o impossível para resistir à lei’, na avaliação de Rosental Calmon Alves. O jornalista citou o exemplo dos Estados Unidos. Em 1954, a discussão sobre a contaminação nuclear nas ilhas do Pacífico Sul motivou uma campanha pelo acesso às informações públicas. A lei foi promulgada mais de dez anos depois, em 1960, mas ‘não colou’. Só passou a ter efeito prático durante os anos 1970, com o escândalo Watergate. ‘A burocracia de Washington não se submetia’, explicou. É preciso uma grande mudança cultural. ‘O servidor público precisa entender que ele serve ao público e que as informações não são dele, mas sim do cidadão’, disse.


É preciso cobrar transparência


Guilherme Canela concorda que a simples discussão do projeto não será suficiente para começar a alterar a mentalidade dos funcionários que detêm a informação. É imprescindível a cobrança pela transparência, como ocorreu no episódio do uso abusivo dos cartões corporativos por funcionários do governo. À medida em que forem aprimoradas as ‘instituições de transparência’, as melhorias reais começarão a ocorrer. O cientista político também estranha que a imprensa não discuta a grande ‘desigualdade de informação’ que há no Brasil.


A experiência das leis de acesso à informação na América Latina foi discutida no programa. Dines pediu para Toby Mendel comentar o exemplo do México, onde houve grande vontade política para implementar a lei, em 2002. Na avaliação de Mendel, o país tem o melhor órgão independente de supervisão do mundo. A agência tem um papel de liderança. ‘Realmente abriu a sociedade mexicana e teve impacto em todos os níveis’, disse. Pela lei do México, é possível fazer um pedido anonimamente, o que gerou um sistema de informação ‘que mostra as coisas erradas que estão sendo feitas e pode-se solicitar que esta informação seja disseminada’.


Há muitas maneiras de ajudar os outros países por meio da experiência mexicana, segundo Mendel. Economicamente, é benéfico expor os casos de corrupção. ‘E esse é um benefício econômico muito grande, muito mais do que qualquer custo dessa agência será. Mas também é bom para os negócios dos governos. Existe muita informação e eles não estão escondendo isto da comunidade empresarial. Mas eles não sabem o que querem. Os sistemas de pedido de informação criam uma sinergia pela qual as empresas podem conseguir as informações por e-mails e isto facilitará as práticas de negócios’, explicou.


Rosental Calmon Alves disse que os resultados da lei de transparência no México – onde a corrupção era ‘enorme e institucionalizada’ – são palpáveis. Uma agência independente do governo, na verdade, mostrou uma economia nos gastos do serviço público graças ao aumento da transparência. O anonimato de quem pede as informações é um fator decisivo. O jornalista comentou que um ministro mexicano concluiu que é mais rápido solicitar uma informação sobre os gastos de outro ministério pela internet, anonimamente, do que via memorando.


No México e em outros países, o cidadão faz um pedido de informação a um órgão público e pode apelar se o resultado da busca não for satisfatório. Toby Mendel explicou que a apelação pode ser feita no próprio órgão que fornece os dados. ‘Os funcionários públicos ficam nervosos. Apesar de a lei exigir que eles dêem informação, na prática eles não fazem isso. Talvez precisem se acostumar a isso. Talvez precisem de um chefe para dizer que ‘tudo bem’. Então, o sistema de apelação interna é bom.’ Outra forma é a apelação externa à agência independente. ‘No México há um sistema fantástico. Por e-mail ou eletronicamente, você manda a apelação e isto passa para o sistema e o órgão independente avalia se a recusa foi adequada nos termos da lei. Se não foi, a agência vai ordenar a liberação da informação’, disse.


A questão da segurança nacional


Dois pontos na discussão da lei prometem levantar polêmica: a questão da segurança nacional e de informações pessoais, como dados médicos e declarações fiscais. Guilherme Canela ponderou que as declarações de imposto de renda de servidores públicos envolvidos em corrupção não podem ser protegidas por lei. Para Toby Mendel, é preciso avaliar caso a caso. ‘Em toda lei, existem exceções que são legitimamente confidenciais, de segurança nacional, e nós não queremos divulgar informações que vão ameaçar a segurança nacional’, disse. Historicamente, porém, se abusa da questão de segurança nacional para negar o direito à informação.


Outro ponto debatido no programa foi a competição da mídia pela informação. Dines questionou se o jornalismo investigativo está em declínio. ‘O jornalismo investigativo está morrendo. Nós, como sociedade, precisamos mais disso e de mais lugares na sociedade onde isso possa ser feito.’ Segundo o apresentador do programa, o número de jornalistas investigativos está caindo radicalmente e poderia haver mais competitividade neste setor.


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Esta edição do Observatório na TV foi dedicada ao jornalista Márcio Moreira Alves (1936-2009), que faleceu na semana passada. ‘Repórter em tempo integral, jornalista irrestrito’, disse Alberto Dines.


 


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