Saturday, 04 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1319

Câmara aprova controversa lei de mídia

A Câmara dos Deputados argentina aprovou, na quinta-feira (17/9), o Projeto de Serviços Audiovisuais, controversa lei para o setor de mídia proposta pela presidente Cristina Kirchner. A aprovação da legislação ocorre em meio a disputas entre o governo federal e o conglomerado Clarín, um dos maiores grupos de mídia da América Latina. Cristina afirma que seu único objetivo é tirar de circulação a lei de mídia do período militar e implantar um novo cenário regulatório no país. Ela afirma que a reforma irá aumentar a competição entre as empresas de mídia, permitindo a entrada de grupos menores na disputa por concessões de freqüências de rádio e TV e restringindo o número de licenças concedidas às companhias que hoje dominam o mercado argentino.

Mais de cem deputados da oposição protestaram, durante a sessão, contra o projeto, recusando-se a votar. Os críticos questionam as intenções da presidente, e a acusam de usar a lei com motivação política. Se aprovada no Senado, a reforma deverá prejudicar bastante a atuação do Clarín, que possui canais de televisão e rádio, jornais, revistas e portais de internet em todo o país.

Guerrinha

A briga de Cristina com o carro-chefe do grupo, também intitulado Clarín, teve início em março de 2008, quando o diário criticou o governo por sua atuação na crise do setor agrícola. Desde então, o jornal é extremamente crítico à presidente. Curiosamente, ele era simpático ao presidente Nestor Kirchner, marido de Cristina e seu predecessor no cargo. Durante seu governo, Kirchner aprovou uma fusão de TV a cabo que praticamente criou um monopólio para o grupo de mídia, que hoje atinge 80% das residências na capital e cerca de 50% em nível nacional. Segundo o comentarista político Sergio Kiernan, marido e mulher entraram em um jogo que existe desde os governos militares da década de 1970. ‘Primeiro o Clarín apóia o governo, e como resultado ganha concessões econômicas e licenças; mas quando o vento político muda de rumo e o governo começa a perder apoio, o Clarín vira oposição. É algo muito lucrativo para eles’, analisa.

Para Ricardo Kirschbaum, editor do Clarín, Cristina simplesmente não suporta as críticas. O jornal já publicou diversas reportagens acusando membros do governo de enriquecimento ilícito e abuso de poder; em troca, a administração passou a adotar uma postura ofensiva com relação ao grupo. No início do mês, a presidente conseguiu que a associação de futebol argentina rompesse seu contrato de pay-per-view com a companhia e passasse a transmitir os jogos de graça em um canal do governo. Em 10/9, 200 fiscais da receita federal fizeram uma blitz nos escritórios do Clarín em Buenos Aires e Córdoba, no que foi visto como uma clara ação para intimidar o grupo.

Intervenção estatal

O novo projeto de mídia cria um órgão regulatório responsável por interpretar e aplicar a lei. Muitas das críticas dentro do próprio Congresso dizem respeito ao alto envolvimento da presidência na escolha dos sete membros do conselho do órgão. A legislação atinge em cheio o Grupo Clarín ao limitar número de licenças de rádio e televisão permitidos por empresa.

Kiernan afirma que todo o debate em torno do projeto mostra que, apesar das dúvidas sobre a motivação da presidente, o país ganhará uma lei atualizada e necessária. ‘Nós vamos, provavelmente, nos livrar do monopólio na nossa mídia’, diz. ‘E deveremos ter também mais intervenções do Estado’. Poucos dias antes da votação na Câmara, Cristina fez uma concessão: removeu uma cláusula que permitiria que as companhias telefônicas vendessem pacotes de TV e internet enquanto limitava a atuação de empresas de TV a cabo – na grande maioria dominadas pelo Clarín – a não mais de um terço dos lares argentinos. ‘O Clarín não vai ganhar exatamente o que quer; o governo também não’, resume Kiernan. Informações de Candace Piette [BBC News, 19/9/09].