Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta aberta do presidente Lula

Excelentíssimo Senhor Presidente:

1. A Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal registra aqui sua indignação com declarações de Vossa Excelência à imprensa, chamando de covardes os jornalistas que não defendem a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Calar-se, diante dessa proposta, isto sim é que seria um ato de covardia. Ser a favor ou contra qualquer iniciativa governamental é plenamente democrático. Como a Federação Nacional dos Jornalistas calou-se sobre a ofensa, fazemos chegar às suas mãos nossas ponderações.

2. Primeiramente, a manifestação do Presidente da República contém vários equívocos, entre eles o da intolerância com a pluralidade ideológica e de opiniões, sem a qual – mesmo que assim o quiséssemos – seria impossível se construir um regime realmente livre e democrático.

3. Por que o governo não defende com a mesma veemência um projeto que crie mecanismos para consolidar a radiodifusão comunitária e gerar empregos; que torne eficiente o cumprimento da Constituição, que coíbe o oligopólio da comunicação tão favorecido pelas verbas publicitárias oficiais; que fortaleça e amplie as emissoras educativas, universitárias, comunitárias, cooperativas sindicais etc., hoje ainda tão prejudicadas com a grande concentração de recursos oficiais na mídia comercial?

4. Porém, ao contrário, os jornalistas – agredidos moralmente, junto com a sociedade – têm assistido o governo manter os mesmos privilégios das grandes empresas de comunicação, apesar da programação que viola dispositivos constitucionais e tenta deseducar os brasileiros.

5. Mais ainda: assistimos, surpreendidos, à manutenção pelo governo de uma política de repressão às poucas rádios comunitárias precariamente instaladas, com o envio da Polícia Federal a comunidades pobres, apesar das centenas de declarações de Vossa Excelência em favor delas.

6. Os veículos que tanto o atacaram outrora, Senhor Presidente, continuam recebendo milionárias verbas publicitárias do governo, como outrora, ao passo que os veículos comunitários e a imprensa popular, até hoje, não foram atendidos em suas justas reivindicações para consolidar uma comunicação autônoma, independente, crítica e sob a ótica trabalhista.

7. Por tudo isso, além de espoliados por uma mídia que impede a plena expressão dos seus talentos, os jornalistas – longe de encontrar no governo um aliado para adotar um sistema de comunicação público e transparente, capaz de informar aos brasileiros com senso educativo, humanista e artístico – decepcionam-se ao se depararem com a continuidade da mesma comunicação manipuladora, defensora, por exemplo, dos privilégios de que desfrutam no país o sistema financeiro e os grandes proprietários rurais.

8. Exercendo nosso direito democrático de divergir e discordar, entendemos que declarações do tipo da dirigida aos jornalistas não são próprias de um Presidente da República. E aproveitamos para lembrar que Vossa Excelência, também, não cumpre a Disposição Transitória da Constituição – a qual jurou perante a Nação que cumpriria e faria cumprir – que determina a realização de uma auditoria da dívida externa brasileira. Perguntamos, então: qual seria a qualificação mais apropriada para tal falha?

9. Aproximadamente metade dos jornalistas brasileiros está desempregada, apesar de diplomada; o Brasil registra baixíssima taxa de leitura de jornais e revistas; as tiragens estão caindo, encontrando-se hoje no mesmo patamar de 1984; as redações estão sendo ‘enxugadas’, e os jornalistas tornando-se dados para aumentar as estatísticas do desemprego no país.

10. Os profissionais empregados são obrigados, cada vez mais, a agüentar uma carga horária estafante imposta pelos patrões em desacordo com legislação. E o pior: o salário médio da categoria não permite a sobrevivência condigna do jornalista nem a necessária compra de livros e outras publicações indispensáveis ao seu aperfeiçoamento intelectual-cultural. Um número crescente de jornalistas é obrigado a submeter-se a contratos precários, a aceitar imposições editoriais até mesmo não-jornalísticas, em muitos casos, e a trabalhar para dois ou mais patrões simultaneamente, comprometendo sua formação profissional e sua saúde.

11. Como boa parte dos jornalistas, excluída das redações, encontra-se hoje em órgãos públicos federais – subordinados, portanto a Vossa Excelência -, evidentemente, aquela declaração soa não apenas como um insulto aos que pretendem cultivar o sadio espírito crítico, mas também como ameaça aos que não imaginavam passar pela experiência de ver um Chefe de Estado desqualificando os que ousam ter posição diversa da do governo.

12. Então, o Presidente poderá facilmente constatar que a realidade do jornalista e o panorama do jornalismo no Brasil, hoje, não é gratificante, principalmente pela garantia do desempregado com diploma.

13. O grande contingente de jornalistas desempregados, a maioria vítima de uma indústria que não forma e apenas vende diplomas, mantida com recursos públicos que deveriam ser aplicados no aprimoramento do ensino nas escolas oficiais, mas, pelo contrário, multiplicam os cursos sem qualidade, que cobram altos preços por um diploma e não garantem o emprego ao final do curso – como uma propaganda enganosa com a chancela do MEC -, esperava do Presidente não ofensas, mas medidas para a popularização da leitura de jornal e a multiplicação de emissoras comunitárias, viabilizadas por uma política de democratização da publicidade oficial e de expansão da mídia pública, o que, também, ampliaria o mercado de trabalho e a pluralidade informativa.

14. Concluindo, Senhor Presidente, duas sugestões:

a) No jornalismo, ainda são muitos os que enfrentaram, na ditadura militar, a censura, a ditadura das redações, o desemprego e a clandestinidade. Nem eles nem os mais jovens merecem a acusação de ‘covardes’. Têm, sim, o direito a um pedido de desculpas, pelo qual estaremos aguardando. Os jornalistas que sobreviveram à ditadura – por extensão também covardes – são aqueles que foram perseguidos e demitidos por defender idéias e a luta de Vossa Excelência. Enquanto os jornalistas defendem projetos positivos como o da criação da Ancinav – por fazer o necessário enfrentamento com o audiovisual oligopolizado e sob controle externo – e são acusados de covardes, os magnatas da mídia, que acusam o governo de tendências ditatoriais e stalinistas, continuam premiados por esse mesmo governo com favores creditícios, indulgência diante da sistemática sonegação fiscal e continuidade do generoso bolo publicitário.

b) Seria oportuno que o seu governo abrisse um amplo debate sobre que modelo de comunicação o Brasil precisa para educar a população, informá-la com qualidade, retirá-la da baixaria da mídia e permitir-lhe a simples, mas até hoje inacessível à maioria, leitura de jornais e revistas. Havendo tal disposição de enfrentar a grande mídia, que apóia o governo apenas interessadamente, o Presidente prestará um grande serviço à Nação. E o fará sem ofensas. (Em nome da diretoria do SJPDF)

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Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal