Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cartunistas lamentam a morte de Georges Wolinski

Cartunistas lamentam a morte do cartunista Georges Wolinski, 80, uma das vítimas do atentado ao jornal satírico francês "Charlie Hebdo" nesta quarta (7/1), e considerado um dos maiores nomes do gênero no país.

Nascido na Tunísia em 1934, Wolinski mudou-se para a França aos treze anos. Começou a desenhar para o jornal satírico "Hara-Kiri" durante os anos 1960. Durante os eventos de maio de 1968, fundou o jornal "L'Enragé", juntamente com o caricaturista Siné –dando viés político a seus cartuns.

No atentado, ao menos dez jornalistas e dois policiais foram mortos na sede da publicação, em Paris.

Cartum postado por Liniers em homenagem a Georges Wolinski, no Instagram

De acordo com a polícia, três homens fizeram disparos e depois fugiram em um carro dirigido por um quarto elemento do grupo.

O jornal já sofreu ataques por publicar caricaturas de líderes muçulmanos e do profeta Maomé. Em 2011, a redação foi alvo de um incêndio criminoso após ter publicado uma série de caricaturas sobre Maomé.

Cartunistas comentam a morte de Georges Wolinski

Laerte, à Folha – Isso é um gesto, de uma agressividade e de uma violência absurdas. Eu continuo a favor da liberdade de expressão. Continuo achando que deve existir, mas que existe num mundo que também não pode ignorar um contexto de maioria religiosa e mexer com os dogmas daquela religião impunemente.

É uma polêmica bastante ambígua, cheia de lados. Faço questão de levar todos esses lados em conta.

Não acho que deve haver liberdade de expressão pra quem tá a fim de fomentar o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo. Mas eu também sou a favor da liberdade de expressão –o humor sem liberdade de expressão morre.

Não vi as charges que motivaram os ataques –não tenho como opinar sobre isso. Não posso dizer que foram eles [os chargistas] que provocaram o ataque. Tem que levar em conta as tensões crescentes no Oriente Médio, a direita ultracrescente na Europa.

Adão, à Folha – "Hoje foi um dia difícil para eu me mover. Tenho grandes influências, como Angeli, Henfil, Glauco, mas o Wolinski é grande parte de tudo o que eu sou.

Conheci o trabalho dele em Porto Alegre, com uns 22 anos, e fui morar na França por causa dele. Acho que todo mundo da minha geração tem influência dele. Uma vez comentaram comigo que o Wolinski é um escritor que desenha, e é bem isso mesmo.

Hoje fui vendo as notícias e, quando vi o nome dele, fiquei mais paralisado. O mundo inteiro está paralisado. Foi uma facada em todo desenhista, todo jornalista, e as facadas em toda a humanidade estão cada vez ficando piores. Cada um de nós morreu um pouco hoje."

Allan Sieber, à Folha – "Para mim, é como se tivessem dado um tiro na cabeça de um Jaguar, um Drummond. É muita brutalidade. A gente vive num mundo brutal, mas tem vezes que a gente acha que está escolado e as coisas te surpreendem. Wolinski foi uma referência pra mim.

Conheci o trabalho dele numa coletânea de quadrinhos publicada nos anos 1980 pela L&PM. Quando pus os olhos naquilo vi que o humor podia ser uma coisa ao mesmo tempo escrota e ultrasofisticada. O desenho dele também tinha essa coisa de variar entre o superchutado e rápido e o superrebuscado, com sombras, bem desenhado. O humor dele, dessa linha da "Charlie Hebdo", tudo pelo humor, sem concessões, sem dúvida me inspirou muito."

Arnaldo Branco, à Folha – "Ele era um alento pra quem desenha mal. Embora desenhasse bem, ele subproduzia o traço dele de propósito, fazia um desenho meio tosco para ressaltar os aspectos cômicos da piada. É impressionante imaginar que ele morreu nas mãos de alguém que ele incomodou, e incomodou gente à beça, os comunistas, os direitistas, era uma metralhadora giratória.

Ele morrer dessa maneira parece até um troféu de guerra para um cara que sempre foi tão combativo. Acho importante ressaltar o absurdo da situação. Não sei que causa é essa, que verdade é essa, que precisa se vingar de uma piada. Que causa tão fraca é essa que usa o assassinato contra uma piada."

André Dahmer, à Folha – "Dia triste para os que acreditam que a inteligência pode ser maior do que a violência. Wolinski e três dos melhores cartunistas da França estão mortos. Pessoas progressistas, vozes que falavam contra os desmandos da direita francesa inclusive. Wolinski é uma perda irreparável. Um cara que influenciou três gerações de desenhistas. Talvez o maior cartunista em atividade. Lamentável e incompreensível."

Caco Galhardo, à Folha – "Wolinski era um dos gigantes do cartum, um dos caras mais legais. É uma perda absurda para o mundo dos quadrinhos –ele era um dos maiores.

Mais do que quadrinista, era um cartunista assim nato, de mão cheia. Eu conheci pouco o Wolinski, mas ele era sempre uma influência, porque era o mais despirocado, o mais livre dos cartuns. Ele colocava essa coisa da liberdade dele nos seus cartuns.

É uma coisa horrorosa, um atentado por causa de charge, de cartum. É uma violência sem precedentes, eu não me lembro de haver algo desta forma antes."

Fernando Gonsales, à Folha – "Posso dizer que fico muito chateado, porque ele era um puta cartunista, que influenciou muita gente no brasil, direta ou indiretamente.

Para mim foi indiretamente, através de outras pessoas, porque [as tiras] chegavam ao Brasil em publicações mais alternativas, eram vistas por gente mais antenada –o que não era o meu caso."

Rafael Campos Rocha, no Facebook – "WOLINSKI foi acusado de falocrata, masculi e todas essas merdas, porque era um LIBERTÁRIO. Quem matou foi mais um desses patrulheiros filhos da puta, para o qual a causa (seja religiosa, política ou de gênero) não serve para LIBERTAR, mas sim para COIBIR, CASTRAR e DESTRUIR, além de, é claro, de manter a sociedade de exploração, que vocês, moralistas de merda, precisam para continuar transformando a vida dos outros em um inferno."

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Cartunistas lamentam a morte do francês Georges Wolinski

‘OG’

Reproduzido do Globo.com, 7/1/2015

O ataque terrorista à redação da revista satírica “Charlie Hebdo”, em Paris, na manhã desta quarta-feira, vitimou, até o momento, 12 pessoas. Entre os mortos, George Wolinski, de 70 anos, o maior nome do quadrinho francês, e um dos maiores do mundo. O cartunista nascido na Tunísia influenciou toda uma geração de colegas brasileiros, que lamentam sua morte.

Laerte Coutinho: "Wolinski é um mestre para mim, mudou a minha vida. Tive a oportunidade de falar isso para ele em meados dos anos 1990, na Feira do Livro em Bogotá. Ele influenciou com muita intensidade o meu trabalho e o de muitos de meus amigos. Ele foi um grande desenhista, um sujeito que tinha um texto extraordinário e sabia combinar perfeitamente isso, com um tom satírico e político".

Chico Caruso: "Quando o Wolinski esteve por aqui, até tomamos um porre. Sou fã dele desde a 'Paulette', em que um velho sofria uma mutação e conseguia uma mulher fenomenal. Era hilário. Todo mundo foi influenciado por ele, desde os anos 1960 e 1970. Tenho até um cartum que ele fez de mim, que é uma relíquia".

André Dahmer: “É como se tivessem matado, no cinema, um Polanski ou um Woody Allen. Era o maior cartunista vivo, o que mais influenciou outros cartunistas. O traço dele foi copiado exaustivamente pelo Fortuna, Henfil, Ziraldo. Se o "Pasquim" existisse, essa tragédia equivaleria a matar o Jaguar, o Ziraldo, um grande cara desses. Ele é um monumento do cartum francês, a maior escola de cartunistas do mundo. E mataram por nada. Absurdo”.

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Arnaldo Branco: "Ridendo castigat mores, 'rindo castigas os costumes'. Sempre achei esse ditado uma bobagem: o poder do riso é limitado, nunca se derrubou um governo com uma charge ou se lesionou alguém com uma piada. Acho que estava subestimando o efeito do humor sobre aqueles que não têm nenhum – o caso dos fundamentalistas que atacaram a redação do 'Charlie Hebdo'. Só espero que, no mínimo de consciência humana que talvez habite algum pequeno espaço não ocupado pelo fervor doutrinário, esses caras entendam que atacar humoristas em defesa de sua causa só faz com que ela perca força. Que raio de verdade é essa que não aguenta a contestação de um cartum?".

Nani Lucas: "A minha geração teve muita influência do humor do 'Charlie Hebdo'. Na época do 'Pasquim', a redação recebia o jornal e também a revista 'Hara Kiri', de onde bebíamos ávidamente aquele humor satírico, cáustico e muito engraçado. Para o 'Charlie Hebdo' nada é sagrado. É o humor em estado bruto. Na época da ditadura era o que precisávamos, um humor político direto e sem muita sutileza. Meu traço tem muita influência do Reiser que publicava lá e que morreu cedo. O 'Charlie Hebdo' é um ícone na França, como Tintim e o Asterix. Temos que repudiar este atentado. A liberdade de expressão é um valor universal e o humor é um bem democrático. Os cartunistas vão resistir até a última gota de nanquim".

Adão Iturrusgarai: “Minha influência é 99% Wolinski. Estou tão paralisado que nem sei mais o que dizer”.

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Carlos Latuff: "Em que pese que sou contrário as charges de Maomé e as constantes provocações ao mundo islâmico promovidas pelo jornal 'Charlie Hebdo', não posso concordar com o fuzilamento de jornalistas e chargistas. Esse tipo de ação só favorece ao discurso anti-islâmico e anti-imigração, cada vez mais forte na Europa".

Allan Sieber: "Fui muito influenciado por ele e outro contemporâneo dele, o também francês Reiser. Wolinski tem a dimensão do Jaguar para o Brasil, e não era só um cartunista, era ícone de várias áreas do quadrinho. O mais interessante é que ele, a medida que envelhecia, virava um cartunista mais ácido, não se transformou num 'senhor bonzinho'".

Tiago Elcerdo: "Wolinski me influenciou não tão diretamente, mas aos grandes cartunistas brasileiros que tenho como referência. Foi mais uma influência de tabela. Mas, claro, tive contato com seu trabalho. Primeiro fui atraído pelo seu humor e os cartuns eróticos. Depois, por sua crítica política e cultural. A revista 'Charlie Hebdo', com a qual Wolinski colaborava, e que foi alvo do ataque, é uma grande referência aos cartunistas. Principalmente por ser ricamente ilustrado".

Chiquinha: "Em estado de choque ainda. O ataque terrorista à redação da 'Charlie Hebdo' é mais uma prova infeliz de que a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e criativa ainda são catalisadores de posicionamentos extremos, de violência e ódio. Em nome de Deus e do fanatismo religioso passa-se por cima de tudo, de todos direitos democráticos. Não tou aqui pra demonizar religiões, e nem dizer que o ocidente é o baluarte máximo do livre pensar, mas 12 pessoas foram assassinadas, entre elas, Wolinski, um dos catunistas mais incríveis da França, uma das minhas maiores influências como cartunista, o Jaguar deles. Estou de coração partido e temerosa do que virá a acontecer no velho mundo diante do culmino dessa bárbarie. Mais xenofobia, ainda mais revolta. Contudo, parafreaseando a corajosa capa da 'Charlie Hebdo' pós-atentado de 2011, sigamos em frente: 'l’amour plus fort que la haine' ('o amor é mais forte que o ódio')".

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Georges Wolinski, o cartunista da política e das mulheres

‘OG’

Reproduzido do Globo.com, 7/1/2015

Um espírito maldito de Maio de 1968 que se perpetuou. George Wolinski era um dos principais cartunistas daquela década e ilustrou as páginas de grandes publicações francesas como o “Libération”, a “Nouvel Observateur” e o “L’Humanité”, entre outras.

Georges Wolinski nasceu em Tunis, capital da Tunísia, em 1945, mas se mudou com a família no ano seguinte para a França. Em 1952, foi estudar arquitetura, mas abandonou os estudos e, nos anos 1960, começou a colaborar com cartuns, charges e ilustrações pra a revista “Hara-kiri”. As tirinhas eram baseadas em temas políticos e eróticos. Assim nasceram “Ils ne pensent qu’à ça” (Eles só pensam naquilo), “Histoires inventées” (Histórias inventadas) e Hit-Parades.

Quando começaram os levantes de 1968, Wolinski começou a publicar tirinha mordazes como “Je ne veux pas mourir idiota” (Não quero morrer como idiota) e “Pas que la politique dans la vie” (Há mais na vida que a política). E seguiu sua carreira para grandes publicações — principalmente às alinhadas do lado esquerdo do espectro político.

Para Wolin, como era chamado pelos amigos, a direita podia render bons satiristas, mas jamais humoristas. O humor, dizia ele, era de esquerda. Vinha de uma lucidez na maneira de ver a sociedade que, em sua opinião, a direita não tinha, por estar comprometida com a ordem estabelecida da sociedade.

A política, é claro, era uma das principais dimensões de sua obra. E Wolinski era impiedoso com políticos, caso do ex-presidente francês Jacques Chirac. Ironicamente, foi Chirac quem concedeu ao cartunista, em 2005, a Legion D’Honneur, maior honraria concedida pelo Estado francês. Foi um ano de reconhecimento, porque ele também ganhou o principal prêmio do Festival de Angoulême.

O erotismo era uma das marcas de sua obra. Suas mulheres sempre são voluptuosas, usam saias curtas. Wolinski chegou a ser acusado de erotômano ou misógino, mas se defendia dizendo que foi um dos primeiros a desenhar a “mulher liberada, aquela que corre atrás do seu desejo e o manifesta para o homem”, como declarou ao “Estado de São Paulo” em 2007. E, além de tudo, explicava seus desenhos por outro motivo: gostava das mulheres e amava desenhá-las. Umas das mais famosas é a personagem Paulette.

A verve mordaz tinha raízes numa longa tradição francesa. A começar por “Cândido, ou o otimismo”, clássico da sátira de Voltaire, que era um de seus livros de cabeceira. O duplo sentido e a petulância, dessa forma, são recorrentes em sua obra.

Quando fez 10 anos de casado com Maryse Wolinski, publicou a emocionante “Carta aberta à minha mulher”, onde se maravilhava com o fato de em um década de casados jamais terem passado mais de três noites separados. Em resposta, anos mais tarde, Maryse disse com bom humor que os dois dormiram sempre no mesmo quarto, mas não sempre na mesma cama.

Veja também

Cartunistas homenageiam vítimas de ataque à revista francesa – UOL