Durante 30 dias, diversos ônibus circularam pelas ruas do Rio de Janeiro tendo afixados cartazes que punham em dúvida a eficácia da repressão ao tráfico de drogas.
Assinadas por alguns dos mais famosos cartunistas do Brasil, entre os quais André Dahmer, Angeli e Laerte, desta Folha, as mensagens tinham teor polêmico –não era outra a sua intenção–, mas sobretudo bem-humorado e inovador.
Numa das imagens, um cigarro de maconha era contraposto ao cano de uma metralhadora, e à aproximação visual acrescentou-se um comentário inquietante. “Drogas: reprimir mata mais que usar.”
A iniciativa nasceu de um grupo de ONGs reunidas com o propósito de encarar a questão das drogas como tema de saúde pública, e não de repressão policial.
Para falar com mais clareza, trata-se de abrir a discussão sobre a liberação do consumo de entorpecentes. Ainda que estes possam matar, e muito, não há dúvida de que os casos de violência por parte de traficantes e policiais se devem à criminalização de seu comércio.
O assunto é polêmico, e um rápido cartum não seria capaz de esgotar todos os argumentos que a campanha procurava desenvolver.
O que causa consternação, todavia, é que, enquanto no Rio de Janeiro as mensagens circularam sem problemas, não transcorreram sequer dois dias para que, em São Paulo, a campanha fosse suspensa pelas autoridades.
Não será de modo nenhum improvável que, uma vez sanadas as divergências contratuais que se pretextam para a proibição, ainda assim as resistências ideológicas à campanha se façam sentir com veemência, a ponto de inviabilizá-la por algum outro motivo.
É que, no tema das drogas, assim como em muitos outros, prevalece uma atitude cada vez mais estridente, voltada a sufocar qualquer opinião que se afaste da ortodoxia religiosa, da estreiteza conservadora e da ignorância repressiva.
Pretende-se impor sobre a vida pessoal, sobre os costumes e sobre a própria segurança pública a lei do preconceito, do medo e do tabu.
Até um simples cartum passa a constituir ameaça; conhece-se esse tipo de paranoia, levado a extremos felizmente ainda não verificados entre nós: os autores do atentado ao jornal satírico “Charlie Hebdo”, em Paris, exemplificaram o quanto o humor, a liberdade, a inteligência e a leveza de espírito são capazes de perturbar suas certezas.