Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cenas de desprezo à democracia

Ao se limitar a reproduzir o embate dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para se aumentar o número de vereadores no país, veículos de comunicação de alcance nacional perdem a oportunidade de esclarecer o significado da atitude dos senadores que, na madrugada da quinta-feira (18/12) aprovaram a medida.

Mais do que criar cadeiras nas câmaras municipais, algo já avalizado pelos deputados no final de maio, o Senado afrontou o processo democrático. Ignorou os partidos políticos, que lançaram número de candidatos proporcionalmente limitado à quantidade de cadeiras nos legislativos das cidades, e os eleitores, que escolheram concorrentes a fim de formar câmaras com determinado total de vagas.

O atentado à democracia cometido pelos 58 senadores que ratificaram a PEC mais de dois meses após o pleito de outubro não tem precedentes, nem sequer no que se refere às eleições que transcorreram na última ditadura (1964-1985).

‘Sem aumento de gastos’

Sim, cassaram-se direitos políticos de inimigos do regime, mas jamais se mudaram os resultados de eleições diretas para câmaras. Nem mesmo em cidades como Santos (SP), de onde escrevo, que foi declarada área de segurança nacional pelos militares e na qual não se pôde votar para prefeito durante 15 anos – período em que o MDB, partido de oposição, sempre venceu com folga a escolha do Legislativo.

É uma situação grave. Menos de 25 anos após a redemocratização do Brasil (nem uma geração, portanto), políticos que chegaram onde estão pelo voto popular mostram desprezo pelo sufrágio direto. Afinal, candidatos que não passaram da suplência ou cujos partidos não receberam votos suficientes para participar da distribuição de cadeiras nas câmaras poderão se tornar vereadores.

Além de desrespeitar o resultado oficial das eleições, a ampla maioria do Senado que aprovou a PEC deu de ombros para uma conseqüência indiscutível: a maior necessidade de dinheiro público para o custeio da estrutura dedicada a esses eventuais novos vereadores.

Também nisso a grande imprensa falhou. Sobraram aspas com alegações de senadores de que, ao se retirar do texto da PEC aprovado pela Câmara Federal o artigo que impunha menores limites de despesas – o que fez a Mesa Diretora se recusar a promulgar o documento alterado pelo Senado e motivar um embate judicial entre as duas casas –, estariam mantidos os tetos já previstos na Constituição Federal, ‘sem aumento de gastos’.

Faltou agilidade e dimensão

É um jogo de palavras que não resiste a uma demonstração. Tome-se como exemplo hipotético uma câmara que, por lei, pode despender até 200 mil reais por mês e, hoje, gasta 100 mil reais. Com mais vereadores, precisaria de 150 mil reais mensais. Então, suas despesas cresceriam, mesmo que não se atingisse o teto legal.

Como último saldo negativo da cobertura da PEC dos Vereadores, faltou à mídia acompanhar o assunto com antecedência. Ao menos desde o momento em que líderes do Senado decidiram incluir o assunto em pauta, poucos dias antes de sua votação.

Caso a imprensa tivesse tratado do tema com mais agilidade e a necessária dimensão, talvez menos um episódio de desprezo pelas instituições fosse para os anais do Congresso.

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Jornalista, repórter do jornal A Tribuna, Santos, SP